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Venda de exames: negócio ilícito em crescendo

Por admin

Texto de Carol Banze e Fotos de Jerónimo Muianga

De uns tempos para cá, os exames finais, sobretudo da 10ª e 12ª classe, vêm sendo realizados ao ritmo de um som monocórdico: a existência de fraude académica, especificamente venda de respostas.

Esses casos recorrentes levam a que, insistentemente, nas vésperas das avaliações as autoridades da educação se desdobrem no sentido de apregoar mensagens que desaconselham os candidatos a trilharem pelos caminhos fáceis. Contudo, registos apontam para a inoperância destas intervenções.

Este fenómeno que teima em não cessar levou domingo à conversa com alguns elementos fundamentais no processo de exames – alunos, professores, direcção da educação e até pais – com o objectivo de perceber que factores contribuem para o sucesso dos transgressores em prejuízo do conhecimento.     

Entre defesas e acusações, lá foi remoinhando o discurso dos entrevistados, deixando patente que o negócio de venda de respostas existe e tem dono(s). Ousadia não falta. Procura-se clientes sem capa nem escrúpulos “Tive proposta de pessoas. Queriam vender-me respostas”, denuncia Mussá Mandocate, ex-finalista da Escola Secundária Quisse Mavota.

Mussá conta-nos que no primeiro dia de provas finais da 10ª classe alguns colegas falaram-lhe da existência de exames que estavam ser comercializados.“Diziam que alguns professores estavam à frente disso, e era necessário desembolsar alguns valores monetários para aquisição das respostas. Mas eu não aderi. Prefiro, sempre, valorizar o meu esforço e crer que com a nossa entrega aos estudos, chega-se aos bons resultados. Por isso, condeno os que alimentam esse negócio. Quem o faz gosta de vida fácil”.

E ao que tudo indica, nada trava os comerciantes do conhecimento. É o que confirma o relato de Jeremias Chemane, ex-finalista da 10ª classe na Escola Secundária de Mahlazine. “Presenciei uma cena em que, poucos minutos antes do início dos exames, apareceram pessoas que afirmavam que tinham as alternativas correctas dos exames de múltipla escolha. Cobravam 100 meticais por três respostas. Mas com 700 meticais, poderia se comprar todo o exame de cada disciplina”, testemunha.

De acordo com Jeremias, esses indivíduos “anónimos” cercam os clientes exactamente nas barbas da escola. “Não se identificam, no entanto afirmam que alguém do Ministério facilitaa aquisição do produto”, diz-nos.Interessados nunca escasseiam: “alguns alunos ficam à espera dessas oportunidades. Quando essa alternativa falha, esperam pela segunda chance que acontece dentro da sala de exame, quando o professor vigilante se encosta ao aluno que se mostra com dificuldade para dar uma mão. “Vejo que estás com alguns problemas… organiza alguma coisa. Em troca vou ajudar-te. É o que dizem os professores, igualmente, envolvidos em negociatas, denuncia Jeremias.

 

PAIS CONIVENTES?

A dança das respostas exige valores pecuniários. Tendo em conta este facto, questiona-se o poder de compra dos alunos que se interessam pelo negócio.

Para Mussá Mandocate os pais são cúmplices. Não obstante, prossegue Mussá, “várias vezes dão a cara para afirmar que a educação não é eficiente, mas alimentam as fraudes. Os exames chegam a custar 1000/2500. Onde é que os alunos vão buscar esse dinheiro?”, questiona e em seguida dá a chave: “os pais é que dão”.  

Jeremias Chemane, por seu turno, reforça esta posição: “Os pais estão mais preocupados em ver os seus filhos principalmente com a 10ª classe feita. Este parece ser o nível mais problemático. Daí que para eles vale tudo para ultrapassar esta barreira (a 10ª classe)”. Contudo, as culpas devem ser repartidas por outros agentes dentro da sociedade, segundo defende, daí que “devia haver uma fiscalização ao nível do ministério da educação, de forma a coibir o vazamento de informações de natureza sigilosa, pois isso contribui para a banalização do processo de ensino e aprendizagem no nosso país”.

Entretanto, para um dos pais entrevistados pelo domingo a conjuntura do momento contribui para o desencaminhamento. “O que está a acontecer acompanha o tempo”, palavras de Aurélio Magaia, pai e encarregado de educação. Preocupado, desabafa ao afirmar que “em todos os sectores funciona-se com base em negociatas.  Nos hospitais come-se; a polícia come; … o professor também quer comer! E ninguém come sozinho. É uma rede de comilões”.

No que  diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem nas escolas, Aurélio Magaia entra em concordância com os outros entrevistados (alunos) ao afirmar que “os pais só querem que os filhos avancem, daí que  no fim do ano lectivo chegam a tirar dinheiro, quando se mostra necessário. Todos nós somos culpados: pais, alunos, professores…”, reconhece. Mesmo assim, chama pela mão dura por parte do Governo. “Tudo depende do executivo. Deve traçar uma medida exemplar para parar com estes actos”, finaliza.

Enquanto não se tomam as devidas providências conclui-se que o resultado é mais importante que a conquista do conhecimento. Esta análise é de Luís Vicente, pai e encarregado de educação. “As pessoas fazem de tudo para conseguir um certo nível académico. O professor hoje em dia é tido como alguém que cobra dinheiro pelos resultados e não como uma via para o alcance de conhecimento, ou seja, um facilitador”, refere. E pelos vistos a culpa é de todos. “Os valores estão modificados. O aluno não tendo capacidade suficiente para conseguir bons resultados trilha por outras soluções; os pais só querem ouvir falar de bons resultados; os professores não fazem devidamente o seu trabalho, o que leva aos maus resultados e consequentemente às cobranças e/ou desembolsos”, argumenta Luís Vicente.

DEITA ABAIXO NOSSO ESFORÇO

– afirmam professores entrevistados pela nossa reportagem

No centro do furacão encontram-se os professores que inúmeras vezes vêm a sua profissão maculada pela existência de fraudes académicas.

Cipriano Rainde condena o comércio de chave de exames, pois “deita abaixo o esforço que se tem feito para elevar a qualidade de ensino. É doloroso, para mim, como professor constatar que todo o esforço empreendido de Fevereiro a Novembro é trocado a escassos minutos do exame, quando se oferece caminhos fáceis aos alunos”.

As facilidades e o desinteresse por parte dos alunos entram na ordem do dia. “Os alunos não querem estudar. Apresentam diferentes justificações para não cumprir as tarefas da escola”. Quem assim o diz é Eva Bila, professora. Em alguns casos os pais perderam a autoridade sobre os filhos. Consequência: baixo aproveitamento. “Houve um ano que a maior parte das reprovações deveu-se ao facto de ter havido comercialização de exames falsos, nas cercanias da escola. Isto ocorreu na Escola Secundária da Polana. Daí que, continua,apelamos para que não se enverede por essa via, pelo contrário, os pais devem juntar-se a nós (os professores), de forma a fazermos um trabalho integrado rumo ao bom aproveitamento ao final do ano lectivo”.

PAIS LAVAM AS MÃOS

– Petrolina de Sousa, directora da Escola Secundária da Polana

É inegável que a família é peça fundamental para o sucesso do aluno na escola. Entretanto, de acordo com algumas declarações nota-se a existência de educandos de conduta duvidosa que faltam às aulas, são mal-educados com os professores e perturbam, de alguma forma, o curso normal das aulas.

Estas são declarações de Petrolina de Sousa que adiante refere que “alguns pais chegam a pedir ajuda à escola por não suportarem o comportamento dos seus próprios filhos”.

Com efeito, é destes alunos que pouco se espera em termos de resultados positivos. Até porque, segundo afirma, desses casos sobressaem os que têm conexão com os indivíduos que comercializam respostas de exames, servindo de elo para a revenda.

 Entretanto, algumas suposições são avançadas como factores que tornam possível a efectivação da compra por parte dos interessados: “há pais que dão valores elevados para o lanche”, revela. E para agravar a negligência, refere que alguns encarregados de educação não acompanham a vida escolar do filho. “Fazem a matrícula e depois lavam as mãos!

VENDE-SE EXAMES FALSOS

Jafete Mabote, Director do Conselho Nacional de Certificação e Exames no Ministério da Educação.

“99% do que se vende é falso. É fácil enganar-se os outros, principalmente quando se trata de exames de múltipla escolha. Cria-se uma sequência falsa com as letras do alfabeto: … ABDE… e as pessoas acreditam”, alerta Jafete Mabote.

Argumentando leva ao entendimento de que se se tratasse de respostas verdadeiras, haveria sempre índices elevados de aprovações.De qualquer maneira, chama atenção para a indispensabilidade de se reforçar o controlo dos exames, pois “nas escolas organizadas não tem havido fraudes. É que a fragilidade pode ser ao nível do controlo dos examinandos, quando não se fica atento, por exemplo, ao uso de auriculares escondidos por entre as mechas, burcas e outros artigos. Alguns mal-intencionados usam-se desses meios para dar respostas via telefone. Daí que há necessidade premente de se melhorar a legislação de forma a torná-la desencorajadora desses casos”. Paralelamente a isso, conforme referiu, a atenção deve ser redobrada, de maneira a neutralizar qualquer acto que leva a infracção. São estas medidas que permitiram que em 2009 fosse desmantelada uma rede designada por Xipoco, que culminou com a expulsão dos seus membros do Aparelho do Estado.

Contudo, a consciencialização é defendida como o caminho indispensável. Há que fazer perceber que o Saber está em primeiro lugar. “E não o canudo. Isso não deve depender só do sector da Educação. É preciso fazer um trabalho conjunto, envolvendo várias instituições, principalmente a família. Enquanto houver fraquezas a todos os níveis as fraudes continuarão a acontecer”. 

Carol Banze

carolbanze@yahoo.com.br

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