Início » Urge “desminar” ambiente de negócios

Urge “desminar” ambiente de negócios

Por admin

Jorge Rungo e Fotos de Jerónimo Muianga

Moçambique pretende resgatar a sua posição industrial que foi perdida nos tempos que lá vão por causa da adopção de políticas macroeconómicas impostas pelos credores internacionais, assim como pela guerra de 16 anos.

O economista Hipólito Hamela entende que há dois caminhos que se entrelaçam e que podem levar o país até lá. Investir em sectores-chave e “desminar” o ambiente de negócios. Seguem os principais excertos da entrevista que nos concedeu numa altura em que a industrialização é tema central dos governos da África Austral.

Os governos da região lideram a discussão sobre as opções de industrialização, mas nos parece que esse assunto devia ser encabeçado pelo sector privado. O que pensa disso acha?

Sem dúvida que é um assunto do sector privado. O sector privado é que deve investir, mas para investir é preciso que sejam criadas as condições.

Está a falar de acesso a financiamento?

Eu já nem consigo falar de financiamento. É verdade que o financiamento é um problema que deve ser resolvido, mas temos que pensar na indústria de uma forma mais global.

Então de que condições está a falar?

Neste momento a minha discussão é à volta do que o governo está a fazer para a revisão da Política e Estratégia Industrial para Moçambique. No ano passado, quando era assessor económico da Confederação das Associações Económicas (CTA), fiz uma avaliação das Opções de Política Industrial para o país.

O que pretendia apurar?

A ideia era perceber o que fazer e como fazer. Repare que em 1997 o país desenhou a primeira Política Industrial e em 2005 teve a segunda. Actualmente, a CTA, em coordenação com o Ministério da Indústria e Comércio (MIC), está a fazer revisão da segunda política industrial.

O que dizem essas políticas?

O consultor da primeira avaliação dizia que existem duas formas de olhar para uma Política Industrial. Podemos olhá-la de forma vertical, ou seja, determinando vectores e sectores de desenvolvimento nos quais o país pode ser competitivo.

No caso de Moçambique quais seriam esses sectores?

Por exemplo, na produção de banana, manga, girassol, vestuário. São áreas que tem impacto na economia do ponto de vista de criação de emprego. Ele escolhe os sectores que acha que Moçambique pode ser vencedor. Pode ser indústria gráfica, alimentar e de bebidas.

A realidade mostra que isso é possível?

Na agro-indústria é possível fazer. Primeiro porque a agricultura é um sector de mão-de-obra intensiva por excelência. Em segundo lugar, Moçambique é um país carente de emprego. Produzimos 300 mil jovens novos procuradores de emprego por ano e com cerca de 12 milhões de habitantes em idade activa, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Isso equivale a dizer que as políticas de desenvolvimento devem estar voltadas para áreas que usem mão-de-obra intensiva?

Qualquer política de desenvolvimento deste país tem que passar por criação de emprego que absorve o maior número de pessoas e não na indústria extractiva como tem acontecido nos últimos tempos.

Mas, a indústria extractiva é que dá mais dinheiro…

Claro que dá muito dinheiro, mas o dinheiro que a indústria extractiva dá deve servir para resolver os problemas de outros sectores que são criadores de emprego e que vão resolver o problema deste país que é o desemprego.

Disse que havia uma visão vertical. Deve haver uma horizontal. O que se diz sobre esta segunda alternativa?

Neste segundo ponto olha-se para as razões que levam a que a indústria não funcione no país. Olha-se para tudo o que preocupa as empresas e os empresários. Para o caso de Moçambique, as Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs) são as criadoras de emprego. É preciso pensar o que é que falta para elas desenvolverem, crescerem, entre outros. Ai vem o problema de financiamento, mas isto é só um dos elementos.

Quais são os outros elementos?

Há muitos. Por exemplo, a burocracia para iniciar ou fechar um negócio. As pessoas fogem das suas empresas porque não há formas de informar ao público que se está a encerrar uma determinada sociedade.

É PRECISO RESOLVER OS PROBLEMAS

Porque insistimos com as MPMEs quando o país tem uma história prenhe de casos de sucesso de grandes empresas?

“Small is beautiful”, ou seja, o pequeno é bonito.

Essa é a teoria de Ernst Fritz Shumacher. Mas, as MPMEs sempre aparecem a exigir financiamento e protecção nos concursos públicos. Como poderão crescer sendo levadas ao colo?

Vou dar exemplo simples. Já viu por que coisas passa um “chapa” para circular na sua rota de ponta a ponta? A quantidade de barreiras que ele deve transpor, como é que ele resolve e quanto é que lhe custa? É isto que o país tem que resolver.

Falávamos das queixas sobre financiamento…

A falta de financiamento e custo de financiamento é um problema gravíssimo. Qualquer agricultor de Chókwè paga 29 por cento de taxa de juro e tem que concorrer com o sul-africano que paga 10 por cento ou menos ao ano. O sul-africano faz duas a três colheitas de milho por ano e o nacional faz uma. Nessa única colheita, o camponês moçambicano colhe menos de uma tonelada por hectare quando o sul-africano faz cinco a dez toneladas por hectare. O camponês do zimbabwiano faz cinco a sete toneladas e o do Malawi colhe entre duas a cinco toneladas por hectare. É nessas condições que o nacional tem que concorrer com o mundo global. São estas questões que é preciso analisar.

Mas…

Permita-me que conclua o raciocínio. O camponês nacional usa a enxada de cabo curto, tecnologias bastante ultrapassadas ou obsoletas, espera pela chuva porque não tem sistema de gestão da água. Repare, por exemplo que a última vez em que o rio Incomati é controlado, do ponto de vista de gestão de água, é no território sul-africano. Do lado de cá não se controla.  

É uma extensa lista de problemas…

É. E ainda tens a questão de infra-estruturas, telecomunicações e energia. A energia é um problema serio para a industrialização deste país. Ainda tens problemas de estradas e de cabotagem. Com tudo isto, é mais caro buscar arroz na Zambézia do que na Tailândia. Sai mais barato em termos de custos de transporte.

Parece pretender dizer que estamos de mãos atadas e que é impossível sair deste caos…

Não estou a dizer que é impossível. O que estou a dizer é que ao pensar numa Política e Estratégia Industrial é preciso pensar em resolver estes todos problemas. O problema de transporte afecta só a indústria? Não! O problema de telecomunicações afecta só a indústria? Também não. Por isso quando pensas numa Política Industrial ter que pensar horizontalmente para resolver todas estas questões, enquanto pensas no vertical que é a definição de sectores prioritários em que se deve apostar.

Temos exemplos de países que fizeram isso e se deram bem?

Temos o exemplo de Taiwan que tinha áreas de produção de açúcar e viu que não era competitivo mundialmente. O mercado do açúcar é bastante distorcido, pois nunca sabes qual é o preço certo e qual será o subsídio que o Brasil, Estados Unidos e a Europa vão conceder aos seus produtores.

Qual foi a saída deles?

Taiwan decidiu sair para um mercado certo para si ao financiar as áreas agrícolas que eram para o açúcar para passarem a produzir orquídeas. O governo financiou a aquisição de tecnologia, infra-estruturas e mercado. Hoje o mercado mundial das orquídeas está em Taiwan. Esta foi uma estratégia vertical.

À semelhança do que fez a Etiópia com a sua companhia aérea?

Exactamente. O nosso problema é estarmos sempre na linha recta. Temos medo de dar a curva. Eles foram buscar parcerias de companhias como a KLM e a Air France que são colossos e hoje estão ai. Não estou a dizer que é o caminho certo.

Temos condições para isso?

Acho que sim.

Em que sectores?

É essa a grande questão. A definição de sectores carece de estudos. A teoria diz que se queres entrar em sectores faça estudos profundos para apurar as áreas em que és capaz.

Se não defines sectores?

Se não defines sectores, primeiro resolva os problemas de todos, que é aquilo que o governo está a fazer agora em termos de dialogo com o sector privado que vai passar a fazer quatro reuniões por ano com o Primeiro-ministro. Isso é fundamental e significa que ele está a levar o assunto a peito ou a tomar o assunto a sério. O sector privado está a dizer isso há 300 anos. Neste momento, a CTA deve estar a preparar novas matrizes porque os resultados devem passar a acontecer de três em três meses. Isso é uma maravilha. Temos que acertar o ambiente de negócios para que o investimento flua e acabem aquelas pequenas nuances que dificultam o investimento.

PASSADO É PASSADO

Parece haver uma insistência muito forte para fortalecer as MPMEs. As grandes indústrias que o país teve não podem ser despertadas?

As grandes indústrias foram boas no tempo e no ambiente em que elas foram boas. É preciso pensar que elas funcionaram num dado contexto. O sector do caju, por exemplo, não estou a dizer que concordo com o que aconteceu, tinha um contexto e havia uma política específica. O governo colonial e depois o governo que se seguiu logo depois da independência tinha uma política de protecção desta indústria. Não se exportava castanha de qualquer maneira. Tinha que ser processada aqui e isso dava uma certa competitividade às nossas exportações.

Idem para a indústria têxtil?

O algodão tinha um destino específico, estava tudo organizado. Se for ver os Planos Perspectivos e Indicativos (PPI´s), que eram planos verdadeiros, estava tudo claro. Vinha determinado para onde ia o algodão, quantidades, entre outros.

Era preciso abrir o mercado, ou não?

Quando abrimos o mercado dissemos que quem sobreviver, sobreviveu. Quem morrer, morreu. Abrimos e deixamos essas indústrias. Isso não se pode discutir porque tinha que ser mesmo. Entretanto, as pessoas que depois pegaram essas indústrias num contexto de protecção foram gerir num contexto de abertura. Não era possível. Dois contextos totalmente diferentes.

Mas o governo apoiou…

O governo fez aquelas facilidades todas. Houve várias tentativas de emendar os erros que tinham sido cometidos no passado. Mas, aquilo foi uma armadilha em que incorreram muitos empresários que foram buscar empresas num dado contexto e foram obrigadas a dirigir noutro. 

Era impossível manter essas empresas sobre protecção? E por que diz eu foi uma armadilha?

Não porque tínhamos muitos acordos de Bretton Woods. Foi armadilha para quem pegou uma empresa que era protegida e foi geri-la num contexto desprotegido. Em segundo lugar, tínhamos conhecimentos? Tecnologia? Não é o passado que me preocupa e sim a actualidade. Não concordo com a ideia de que a nossa industrialização passa por voltar ao passado. Vamos pensar na nossa competitividade hoje, as condições actuais, o mercado nacional e global hoje, o nosso conhecimento tecnológico hoje, a nossa mão-de-obra hoje e temos que ver o que nos falta.

GOVERNO DEVE CONTINUAR

A APOIAR O SECTOR PRIVADO

Surgem vozes que dizem que o sector privado deve fazer uma introspecção porque parte dos problemas podem ser resolvidos no diálogo privado-privado. Concorda?

Diz-se isso, sim, e o exemplo que se dá é o do crédito. Mas, será verdade que o sector privado tem que resolver os problemas que surgem no decurso de um empréstimo? Os tribunais tem a capacidade de resolver questões comerciais em tempo útil quando eles têm problemas criminais para dirimir? No caso dos problemas ligados à área de Trabalho foi possível minimizar bastante com mecanismos alternativos de arbitragem porque o Estado reconheceu que não tem capacidade. Hoje os assuntos do Trabalho passaram a ser um problema conjunto dos sindicatos, governo e sector privado. É arriscado assumir que muitos dos problemas que existem podem ser resolvidos entre nós, sector privado.

Mas quem está a pensar assim é o próprio sector privado…

O meu entendimento é de que há muitos problemas que são apontados como decorrentes da ineficiência do Estado e que podem ser resolvidos com base em Parcerias Público-Privadas (PPPs). O exemplo é a estrada Maputo–Witbank, os Portos de Maputo, Nacala e Beira. É possível sim, temos é que identificar quais são essas áreas que podem beneficiar das PPPs. Não podemos esperar que seja só o governo. Mas o facto é que a mentalidade do empresariado mudou muito.

Da lista de problemas que afectam o sector privado, quais são os mais críticos e que se forem resolvidos podem permitir que se dê um salto no ambiente de negócios?

É preciso que se comece a pensar que toda a pessoa que tem uma ideia e quer fazer um negócio é o melhor amigo deste país. Esta é uma mentalidade que tem que entrar em todos os moçambicanos. Chegar num balcão apenas com uma ideia e todos aplaudirem e perguntarem o que falta para levar esta ideia avante. Quando chegarmos a esse nível, sim. Veja o caso de Steve Jobs, quando começou numa garagem, mas alguém olhou para ele e disse que há alguma coisa por trás desta ideia.

Faltam oportunidades?

Quanto é que acha que o senhor ou senhora que inventou “tchova xita duma” estaria a ganhar hoje se estivesse nos Estados Unidos? Não seria um milionário? Onde está essa pessoa? O ambiente não lhe permitiu. É esse ambiente que temos que criar.

MEDO DE JOINT VENTURE

Muitas vezes são dadas oportunidades às empresas nacionais, mas elas não conseguem satisfazer às exigências das grandes empresas e depois se queixam…

É preciso ter algum cuidado com o volume. Esta é a discussão que estamos a fazer agora no âmbito do Conteúdo Local porque o sector privado ficou mal disposto, e com muita razão, quando uma das grandes empresas mineradoras contratou uma empresa francesa para fazer catering. Não sei quantos mil pratos são confecionados lá por refeição, mas penso que não há uma empresa moçambicana única capaz de fazer esse fornecimento.

Pois. E qual deve ser a saída?

O que faltou aos moçambicanos foi dizer vamos fazer juntos. Mas, pergunte ao dono do “chapa” se está disposto a se juntar com alguém. Esse é um problema cultural que temos que resolver.

Pode ser que parte do problema do desenvolvimento do sector privado resida ai. Não acha?

A CTA está no momento a desenvolver um programa de Conteúdo Local, que penso que vai arrancar em breve, porque está preocupada com este problema. A CTA está a preparar um programa, primeiro de disseminação do que é o Conteúdo Local, fornecimento de bens e serviços aos grandes projectos de gás, petróleo, carvão, entre outros. Por outro lado, pretende ir buscar experiências de como é que os outros países fizeram e como se faz para que as firmas locais, não interessa a origem do capital, que empregam moçambicanos, possam ser capazes de resolver o problema de fornecimento aos grandes projectos. São três ou quatro falhas de mercado que não permitem que as empresas moçambicanas forneçam.

Quais são essas falhas?

A burocracia e o ambiente de negócios, no país, não ajuda. A segunda falha é a capacidade de absorção. A capacidade de responder à grande demanda.

Como é que isso se manifesta?

Quando eles tem 50 navios que vem descarregar materiais, querem uma empresa que tenha 700 camiões para fazerem a descarga, não são muitas empresas nacionais com essa capacidade. Por acaso existe uma e outra. Porém, é possível reunir 700 camiões por via de parcerias. Mas, também temos o problema de timing. A pessoa diz que quer material, os navios vem com uma diferença de 15 dias e devem ser descarregadas não sei quantas milhares de toneladas e isso exige que se tenha no porto pelo menos 50 camiões por dia. Se não tens, o vizinho tem. Junta-te a ele. Temos ainda o hábito de dizer “amanhã”.

A isto se associa a falta de financiamento de que falávamos no início…

Temos o problema de financiamento que é sério. É verdade que aos poucos está a ficar resolvido, mas é sério. Temos o mercado pequeno, poucos compradores e poucos vendedores. Também temos problemas da mão-de-obra que não tem as qualificações desejadas. Isto é um problema de médio e longo prazo, o governo está a fazer a sua parte, mas o sector privado também tem que fazer a sua parte.

TREZENTOS MIL EMPREGOS

Quais são os desafios do sector privado para o futuro mais próximo?

Até 2018 temos que ter uma base para fornecer serviços para fase de construção nas indústrias de gás e petróleo, e depois disso temos oportunidade para o agro-processamento. Mas, no momento, temos a oportunidade para fornecer bens e serviços para o sector da construção. A CTA acha que é preciso diversificar esta economia.

Quais seriam os sectores vitais?

Agricultura e turismo são vitais e fulcrais. Não podem ser esquecidos. Depois podemos ir para agro-processamento que está ligado à agricultura, podemos ir para a indústria alimentar que está ligada ao turismo e à agricultura. Essas indústrias tem que ser desenvolvidas porque são intensivas e não exigem mão-de-obra qualificada. Tem uma grande vantagem.

Com estes sectores o país resolvia o problema de emprego que enunciou no começo desta entrevista?

Acho que sim. Para além dos 300 mil jovens que entram para o mercado todos os anos, há cem mil que se movem do campo para a cidade. Por isso quando se fala da mecanização da agricultura acho maravilhoso porque isso pode absolver toda mão-de-obra que não tem emprego na agricultura no campo e que demanda emprego nas cidades. É preciso responder a esta demanda.

É essa a ideia que o governo pretende materializar…

Na verdade é aquilo que está no Plano Económico e Social. Criar um milhão e 500 mil empregos em cinco anos sabe o que significa? São 300 mil que entram por ano, é este o desafio que o governo quer responder. Estão a pensar em dar emprego a 70 por cento das pessoas que procuram emprego.

É um grande desafio? Acha possível?

Não me pergunte como é que vai ser, mas se resolvermos o problema do ambiente de negócios neste país, garanto que os empregos vão ser criados pelo sector privado.  

Fotos de Jerónimo Muianga

Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

Você pode também gostar de:

Leave a Comment

Propriedade da Sociedade do Notícias, SA

Direcção, Redacção e Oficinas Rua Joe Slovo, 55 • C. Postal 327

Capa da semana