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Caçadores “podres de dinheiro”

Por admin

O distrito de Massingir mudou muito com a “liberalização” da caça furtiva. Por exemplo, o senso pecuário de 2011 indicava que por ali existiam 36 mil cabeças de gado. Entretanto, o senso de 

2012 revelou que o distrito já conta com um efectivo de 39 mil cabeças, ou seja, uma subida de três mil cabeças em pouco menos de 12 meses.

Para as diferentes fontes por nós contactadas, incluindo o administrador do distrito, Artur Macamo, parte do dinheiro ganho na venda de pontas de rinocerontes e marfim pode estar a ser investido na aquisição de gabo bovino. Trata-se de lavagem de dinheiro à moda rural. “Neste momento, Massingir tem mais gado bovino do que população humana que é de 33 mil habitantes”, aponta.

Outra inovação que se assiste neste distrito é a circulação de viaturas com tracção às quatro rodas. Mas não é qualquer viatura. Por ali andam Land Cruiser, Land Rover e Toyota Prado. Entre os supostos caçadores furtivos, quem anda de Toyota Hilux D4D é tido como de escalão intermédio e os que só têm Toyota Mark II, Starlet ou Corolla são “miúdos”.

Quando chegamos a este distrito, várias fontes revelaram que alguns dos supostos caçadores gerem verdadeiras fortunas guardadas em malas, caixotes e sacos. “Para provarem que estão financeiramente acima da média, não desligam os motores das viaturas enquanto estão nos bares e barracas a trocar copos”. Aos nossos ouvidos isso soou a exagero.

Porém, enquanto tomávamos uma refeição numa das casas de pasto local apareceu uma viatura pick-up (caixa aberta) nova, de marca Land Cruiser, com motor HZ, mas de dupla cabine. Segundo entendidos na matéria, a empresa representante da Toyota na África do Sul produzia este tipo de carros por encomenda.

O jovem que ia ao volante abandonou a viatura e nem se importou em desligá-la. Entrou para o lado do bar e por lá permaneceu em amena cavaqueira durante o tempo que quis. Entreolhámo-nos. Os minutos rolaram e o carro permanecia ali a fazer aquele vruuumm… interminável. Rendemo-nos. Era verdade.

Ainda no que se refere à circulação de viaturas, observa-se que Massingir passou a ter oficinas que são autênticos cemitérios de viaturas com todo o tipo de avarias, mas o que salta à vista é que muitas sofreram embates e outras apresentam sinais de terem sido amolgadas em situações de violentos capotamentos.

Conta-se por ali que a maior parte das viaturas avariaram por circular durante horas com a mesma mudança engrenada, o que conduz à destruição das caixas de velocidade. “Muitos conseguem dinheiro para comprar viaturas, mas nunca foram à escola de condução. Só andam e o resultado é este”.

Para além de carros, aqueles jovens estão empenhados em construir grandes propriedades dentro e fora do PNL, a começar pelo mercado local onde pontificam lojas, restaurantes, hotéis, discotecas e bares. Outros investem em residências de dois pisos, numa competição que seria saudável se não resultasse da caça furtiva.

O que deixa a comunidade de Massingir aterrada é o facto de adolescentes e jovens estarem a movimentar muitos milhões de meticais. Diz-se que um dos caçadores mais notáveis possui cerca de 35 milhões de meticais dentro de casa.

Receamos que quando se estancar a caça furtiva e eles sentirem que o dinheiro está a acabar, comecem a fazer assaltos e ajustes de contas, dado que muitos possuem armas de fogo”, disse Alberto Valói, presidente do Comité Comunitário do Parque, corroborado pelo administrador Artur Macamo.

Enquanto esse dia não chega, a comunidade assiste a um cenário cinematográfico de jovens em carros de sonho, que percorrem as ruas poeirentas cheias de fezes de bovinos à grande velocidade. Logo a seguir metem os carros nas estações de serviço para limpeza interior e exterior.

Trata-se de adolescentes e jovens que (já) só bebem cerveja importada, sobretudo Heineken, que pagam bebidas alcoólicas a rodos, passeiam com as raparigas mais lindas dali e “importadas” de Chókwè, enfim, fazem tudo o que um bolso farto permite. 

 

 

Agiotas da caça furtiva

 

O mundo dos caçadores furtivos de Massingir está prenhe de estórias trágicas que são contadas com bastante pesar, sobretudo porque a maior parte dos que se dão mal são jovens de 16 a 25 anos, que são abatidos pela força especial sul-africana estabelecida ao longo da fronteira entre o PNL e o Kruger Park.

De 2008 a esta parte, pelo menos 289 jovens moçambicanos foram mortos depois de surpreendidos a caçar no interior da África do Sul. É que do outro lado da fronteira, a lei estabelece que um caçador furtivo é um criminoso, enquanto deste lado, é apenas um infractor, cuja penitência se faz por intermédio do pagamento duma multa.

Se para o mundo inteiro a morte de um adolescente ou jovem é uma tremenda perda, para os fomentadores da caça furtiva a explicação é simples. “Não foi bem tratado ou não cumpriu com as instruções dadas pelo curandeiro”.

Mas o pior está reservado para aqueles que conseguem escapar das balas disparadas pelo exército sul-africano e, na debandada, perdem a caçadeira. A vida começa a amargar, pois devem explicações aos mandantes e fornecedores de armas e munições.

A partir de então, os “sobreviventes” devem procurar uma arma por sua conta e risco e regressar ao mato para caçar uma ponta digna desse nome para poderem amortizar a dívida da arma perdida. Porque “a sorte não bate a porta duas vezes”, acabam sendo abatidos força militar sul-africana. Com alguma sorte são bem-sucedidos e “tiram o pé da lama”. Poucos dias, passam a ser donos de extraordinários Land Cruiser e gordos “pocket money” (dinheiro de bolso).

A fúria dos sul-africanos resulta ainda do facto de o Kruger Park ser um dos raros habitáculos de rinocerontes em África e no mundo, pois este animal está em vias de extinção, o que faz dele um importante atractivo turístico e, por isso, gerador de importantes receitas para aquele Estado.

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