Início » Temos de fazer da rapariga a mulher autónoma do amanhã

Temos de fazer da rapariga a mulher autónoma do amanhã

Por admin

A incidência de casamentos prematuros no país está a preocupar o Governo. O caso não é para menos: Moçambique faz parte dos dez países com os piores níveis no mundo. É sobre esta preocupante situação que conversámos com a ministra do Género, Criança e Acção Social que, nas linhas que se seguem, destaca a necessidade de investimento na rapariga para que seja autónoma no futuro.

Os casamentos prematuros estão a atingir níveis alarmantes em Moçambique. Qual é o seu sentimento em relação a esta realidade?

Este cenário é preocupante para o Governo. Sentimos que a rapariga tem estado a enfrentar diversas adversidades. Por isso foi aprovada, no ano passado, uma estratégia de eliminação de casamentos prematuros no Conselho de Ministros, e é com base nesta estratégia que todas as organizações estão a trabalhar para reduzir esses índices e eliminar este tipo de casamento.

As províncias de Nampula e Zambézia lideram a lista de casamentos prematuros. O que é que está a ser feito para reverter a situação?

Temos trabalhado com afinco com as diferentes organizações que se encontram lá para sensibilização e divulgação da estratégia. Coordenamos também com as lideranças comunitárias e religiosas para que todos tenhamos a mesma linguagem no que diz respeito ao combate deste tipo de casamento. Encontrámos mecanismos de retenção das raparigas na escola e isto é muito importante para nós, pois são as bases que elas precisam para amanhã se tornarem autónomas. Estamos, também, a promover o empoderamento económico da própria rapariga, através de formações económicas, o que permite a criação de bases de estabilidade e protecção económica…

Existe alguma pretensão de criação de instrumentos legais que fortaleçam a protecção da rapariga?

Presentemente estamos a fazer um trabalho de protecção legal, porque na nossa lei a rapariga pode se casar aos 16 anos, bastando ter a autorização dos pais. O nosso objectivo é corrigir este facto e trazer os 18 anos como  idade núbil à semelhança de outros países da África Austral.

A prática de ritos de iniciação ainda constitui um dos factores que contribuem para o elevado índice de gravidezes precoces. Como está a ser tratada esta realidade?

Os valores culturais devem ser preservados, pois eles também contribuem para a educação e preservação de valores. Em nenhum momento devemos pô-los em causa. Temos conversado com matronas e madrinhas dos ritos de iniciação no sentido de lhes fazer perceber da importância da rapariga ir à escola e se tornar autónoma um dia. A nossa preocupação é que dentro destes ritos retiremos os valores que se revelem nocivos.

Estão a alcançar os resultados pretendidos?

Sim. Um dos grandes avanços é que, actualmente, estes são realizados ao longo das férias escolares. Agora estamos a trabalhar com as madrinhas e matronas para que os conteúdos dos ritos sejam seleccionados e transmitidos por etapas e de forma diferenciada em função da idade tanto dos rapazes assim como das raparigas. Temos também esta realidade de práticas nocivas em algumas seitas religiosas que estimulam ou encorajam casamentos prematuros. Algumas igrejas, por exemplo, defendem que é possível uma criança ser preservada por um homem mais velho desde que seja para o seu bem. Mas a nossa posição é que qualquer violação do direito da criança deve ser posta em causa e criminalizada.

Está a surgir um novo tipo de prostituição nas cidades em que as adolescentes se envolvem com pessoas mais velhas com objectivo de ganhar dinheiro para satisfazer vaidades e não só. Como vê este fenómeno?

Esta é uma situação que nos preocupa sobremaneira como Governo. Mas a nossa posição é clara quanto aos direitos da criança e o que deve acontecer é a criminalização dos autores deste mal. Pois, a partir do momento em que temos uma pessoa adulta a envolver-se com uma criança, estamos diante de um crime. Mas também devemos fazer a consciencialização da própria rapariga no sentido de perceber que não só é uma prática nociva como também prejudicial para a sua saúde física e mental.

Como sair deste problema?

Um dos objectivos que temos no momento é a formação profissional da rapariga para ela começar a ter esta capacidade económica e financeira. A pobreza tem contribuído para a vulnerabilidade da rapariga, pois em alguns momentos temos crianças que são chefes de família e que não têm ninguém que as ajuda e/ou proteja.

Estará a sociedade no auge da crise de valores?

Penso que sim. Temos de trabalhar para fazer a devolução dos princípios morais. Somos todos convidados a fazer parte desta mobilização e devolução desses valores. É preocupante quando temos crianças que são entregues como pagamento de dívidas a curandeiros, por exemplo. Depois alguns pais olham para a criança, sobretudo para a rapariga, como fonte de riqueza. É preciso que mudemos essa consciência. A criança não é mercadoria.

Foi criado o Centro de Atendimento Integrado às pessoas Vítimas de Violência e hoje as denúncias de mulheres tendem a aumentar. Os homens também têm sido vítimas dessa violência mas têm vergonha de denunciar. Quer comentar?

O que actualmente verificamos é que já há consciencialização de que a violência é um crime.Temos casos de homens que denunciam, porém existe a questão do ego humano que faz com que este homem se retraia e não denuncie porque a sociedade o educou que é a mulher que deve estar submissa ao homem. Daí que quando ele é violentado prefere esconder ou tratar o assunto a nível da família. Mas fica claro que a mulher tem sido a maior vítima. Os centros integrados de atendimento às vítimas de violência foram criados para flexibilizar o atendimento a todas as vítimas sem excepção.

Em alguns centros de atendimento integrado que temos visitado nos deparamos com relatos de jovens e adolescentes vítimas de violência sexual que apresentam denúncia sem a companhia dos pais…

Esta constitui uma preocupação nossa, porque o trabalho que se faz a nível psicossocial deve envolver a família no seu todo. Sensibilizamos para que denunciem o agressor, ainda que seja alguém da família. O importante é fazer perceber que o encobrimento pode levar a que o agressor volte a cometer o mesmo crime com outra menor dentro da família. Existe também a componente saúde no meio deste problema e a família deve estar a par de todo o processo.

Continuamos a ver nas ruas das nossas cidades crianças desamparadas ou abandonadas que vivem da mendicidade. O que é que estão a fazer para colmatar este problema?

A realidade choca com os valores da sociedade, pois estamos a falar de grupos extremamente vulneráveis. Algumas pessoas abandonam os seus lares por maus-tratos. O que temos feito é criar condições para que estas pessoas não estejam expostas. Uma das coisas feitas pelo Governo foi a criação de centros de apoio. A partir destes centros, sejam eles abertos ou fechados, as pessoas estão protegidas e ali desenvolvem diferentes actividades ocupacionais e estudam. Nos casos em que identificamos os familiares trabalhamos com eles para o processo de reinserção quer seja da criança quer do idoso.

À sexta-feira há um movimento desusado de crianças e idosos mendigando nas portas de lojas. Como eliminar este acto?

Temos conversado com as pessoas e feito perceber que estas ofertas que são feitas à porta das lojas podem ser encaminhadas aos centros abertos de acolhimento. Em alguns casos as pessoas alegam não ter tempo para se deslocar até lá. Estamos a trabalhar para ultrapassar esta realidade.

Quantos centros de acolhimento temos a nível nacional?

Temos cerca de 200 centros de acolhimento e damos assistência a pouco mais de 40 mil crianças. Para pessoas idosas temos 24 centros que albergam cerca de 4 mil pessoas idosas e temos 8 infantários públicos que atendem crianças. Apenas Zambézia e Cabo Delgado não têm centros infantários.

Texto de Luísa Jorge
luisa.jorge@snoticicas.co.mz

Você pode também gostar de:

Leave a Comment

Propriedade da Sociedade do Notícias, SA

Direcção, Redacção e Oficinas Rua Joe Slovo, 55 • C. Postal 327

Capa da semana