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Dom Jaime repousa no Cemitério de Santa Isabel

Por admin

Foram ontem a enterrar no Cemitério de Santa Isabel, cidade da Beira, província de Sofala, os restos mortais de Dom Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo Emérito da Diocese da Beira, falecido na última quarta-feira, dia 6, vítima de doença.

As exéquias fúnebres contaram com a presença do Presidente da República, Filipe Nyusi, acompanhado da Primeira-Dama, Isaura Nyusi. O Chefe do Estado foi render homenagem àquele clérigo que foi um dos mediadores do Acordo Geral de Paz (AGP), assinado em Roma em 1992, pelo então Presidente da República, Joaquim Chissano e pelo líder da Renamo, Afonso Dhlakama.

Foi uma cerimónia carregada de emoção em que para além de dirigentes do Estado e da Igreja a vários níveis contou com a presença de uma grande moldura humana que professa a religião católica e não só, todos com o mesmo objetivo de despedir-se do homem que jogou um papel preponderante para o fim da guerra dos 16 anos ao aproximar as partes em conflito.

As exéquias iniciaram na sexta-feira com uma missa de corpo presente na Sé Catedral onde foram lidos ofícios  e Salmos para que os católicos prevaleçam na fé, bem como várias mensagens enaltecendo a vida e a obra daquele homem influente da Igreja Católica que morreu aos 79 anos.

Em seguida e nas primeiras horas de ontem, o velório decorreu na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima que dista a cerca de 200 metros do Cemitério de Santa Isabel, onde houve uma “chuva” de mensagens evocando a obra e o legado deixado por aquele sacerdote, cujo estado de saúde agravou-se semana finda, tendo sido levado para internamento numa clinica onde viria a perder a vida.

Os seus restos mortais foram sepultados numa cova previamente preparada junto ao local onde repousa o primeiro arcebispo da Diocese da Beira, Dom Sebastião Soares Resende, sendo que a urna foi transportada por um grupo de padres perante os fiéis católicos que lotavam a rua que dá acesso ao cemitério.

Procedeu-se desta maneira porque o malogrado deixara um testamento em que manifestava o seu desejo: “Verifiquei na minha vida que Dom Sebastião estava sozinho em Santa Isabel. Desejo prestar-lhe minha homenagem que acompanhou a minha vocação em Zóbuè, deu-me as ordens menores na Paróquia da Munhava e acompanhei-lhe a Machanga na sua última visita pastoral”.

O testamento prossegue dizendo que: “sepultai-me se puderdes ao lado de Dom Sebastião à maneira de Dom Altino em rampa rasa. Escrevi acima Jaime, primeiro arcebispo da Beira”, e assim cumpriu-se o desejo manifestado pelo malogrado.

Antes e na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima decorreu a missa de despedida dirigida pelo Arcebispo da Beira, Dom Cláudio De La Zaunna, que disse na sua homilia que os católicos precisam de prevalecer na fé cristã e reconhecer que precisam de se reconciliar como irmãos, tese defendida por Dom Jaime.

MANTER VIVO O LEGADO DE DOM JAIME

Na ocasião, foram lidas várias mensagens enaltecendo a vida e obra do malogrado com destaque para a do Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, da família, da Comunidade de Santo Egídio, da Conferência Episcopal de Moçambique, do Conselho Municipal Beira, do partido Renamo, entre outras.

Para o Chefe do Estado, o desaparecimento de Dom Jaime abriu um vazio enorme não só para a Igreja Católica mas para todo o povo moçambicano que está de luto com a morte na madrugada do dia 6 de Abril corrente daquele bispo.

“Deixou-nos fisicamente Dom Jaime Pedro Gonçalves, arcebispo Emérito da Beira. Perante a morte, as palavras tornam-se vazias, secas e estercas, na verdade, a morte inunda-nos na certeza de todas as incertezas”,disse o Presidente da República.

O Chefe de Estado falou da participação de Dom Jaime na busca de paz para os moçambicanos tendo afirmado que falar desta figura era debruçar-se de um moçambicano que com fé e persistência se dedicou aos estudos e traçou o seu percurso selando o seu destino como servidor de Deus e dos Homens.

“Na missão que abraçaste interagiste com a sociedade, despertando a consciência coletiva dos moçambicanos para a necessidade de construirmos uma sociedade de igualdade, justiça, harmonia social paz e reconciliação. Recorrendo às suas orações, nós estamos aqui como parte das ovelhas do rebanho que tão bem soube servir enquanto pastor da igreja”,disse Filipe Nyusi

Acrescentou que estava naquela cerimónia para mais do que despedir-se daquele líder religioso, prestar a derradeira homenagem ao homem que foi um grande patriota. “Ao assistirmos ao retorno do seu corpo ao pó, queremos ser continuadores da sua obra e manter vivo o seu legado”.

Dom Jaime, de corpo e alma te entregaste ao processo negocial, foi com a sua contribuição que volvidos cerca de dois anos das negociações, o mundo e os moçambicanos aprenderam a reconciliar-se assinando o acordo geral de paz”, disse o Presidente da República para quem a moldura humana que se assistia na despedida daquele prelado justificava a importância e a necessidade da preservação da unidade nacional.

“A unidade dos moçambicanos reclama a sua morte, obra de negociação e manutenção da paz que sempre procurastes. Eu me recordo numa das vezes quando passava por aqui e fomos visitar o Dom Jaime ao lado da irmã e disse: tenha paciência para o reencontro dos moçambicanos”,sublinhou o Presidente da República

FALAVA SOBRE A INCLUSÃO

Por sua vez, Catarina Maripa, irmã do falecido, disse em mensagem familiar que uma das coisas que guardava do malogrado foram os ensinamentos sobre a inclusão cujos valores se assentam no amor ao próximo.

“NÓs nunca imaginamos que a sua forma de estar te tornaria um homem de dimensão nacional e internacional. Na família, assistimos e testemunhamos que Jaime não escondia a verdade e nos ensinou que ela cura e que a mentira tem pernas curtas e que destrói a coesão familiar”,destacou Catarina Maripa.

Já o presidente do Conselho Municipal da Beira, Davis Simango disse na sua intervenção que Dom Jaime foi um homem que sempre se bateu pela causa da sociedade, defensor acérrimo dos valores ideais, paz, democracia e unidade nacional.

“Calou-se para sempre uma voz que por algumas vezes não foi compreendida quando defendia que os moçambicanos deveriam se reconciliar e estar em paz. Apagou-se uma voz que foi bastante conhecida pela sua motivação, que não confundia o certo do errado e não se atrapalhava quando fosse para escolher o caminho certo, nem que fosse tão difícil e espinhoso”, afirmou Davis Simango.

Por seu turno, Manuel Bissopo, secretário-geral da Renamo disse que Dom Jaime foi uma pessoa que não só defendeu os valores eclesiásticos, assim como se bateu bastante pelos assuntos candentes da sociedade, entre eles, liberdade, paz e democracia.

Segundo afirmou, em Abril de 1988, aquele prelado aterrou em Marínguè onde deu os primeiros sinais da necessidade do diálogo ao convencer o líder da Renamo a aceitar dialogar com o Governo para se ultrapassar as diferenças.

“Ele sempre defendeu a igualdade entre os homens e é pena que morre numa altura em que os moçambicanos ainda não estão a saborear a paz e precisavam dele para pacificação e isso passa por um diálogo sério como ele nos ensinou”,disse Manuel Bissopo.

De referir que as exéquias fúnebres de Dom Jaime contaram com a presença entre outras personalidades, do antigo Presidente da República, Joaquim Alberto Chissano, do negociador chefe da Renamo, Raul Domingos, da chefe da bancada da Renamo, Ivone Soares, do MDM, Lutero Simango, destacados membros do partido Frelimo radicados na Beira, entre outras figuras do mundo político e académico, entre eles, Brazão Mazula, que ajudou a escrever o livro a Paz dos Moçambicanos da autoria do falecido.

O B.I. de Dom Jaime

Jaime Pedro Gonçalves nasceu a 26 de Novembro de 1936 e foi ordenado sacerdote em 1967 para no ano de 1976 ser consagrado bispo, tornando-se Arcebispo da Diocese da Beira em 1984, cargo que ocupou durante 36 anos. Por limite de idade, reformou em Agosto de 2012, passando a Bispo Emérito, o que lhe deu mais tempo para escrever e publicar uma obra literária intitulada “A Paz dos Moçambicanos”.

Para além da igreja, Dom Jaime dedicou-se à política onde jogou um papel preponderante na busca de caminhos para a paz e reconciliação entre os moçambicanos.

Nessa qualidade, viajou várias vezes à Maringue para convencer o líder da Renamo a aceitar a assinatura do AGP. Aliás, fontes que estiveram em Roma relatam que o acordo estava para ser rubricado no dia 1 de Outubro, mas que Dhlakama gazetara, ao que com o seu punho Dom Jaime escreva uma carta a convencer o líder da “perdiz” a viajar para Roma para assinar o documento.

Texto de Domingos Nhaúle
nhaule2009@gmail.com

Fotos de Ferhat Momade

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