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SAÚDE: O peso dos primeiros mil dias na vida da criança

Por admin

Afinal o que uma criança ingere nos primeiros mil dias de vida diz muito acerca do que ela será no futuro. Ou seja: mesmo que os seus progenitores invistam mais tarde numa alimentação de luxo, não conseguirão obter bons resultados, e o futuro adulto fica condenado à nascença. Crescerá limitado na sua capacidade intelectual e dele se espera pouco brilho profissional.

Os primeiros mil dias vão
desde a concepção até o
fim do segundo ano de vida.
Durante este período, os
pediatras recomendam intervenções
que garantam nutrição
e desenvolvimento saudáveis, que
trarão benefícios para toda a vida.
Por outras palavras, as crianças devem
receber alimentação adequada por
meio de nutrição pré-natal adequada,
aleitamento materno exclusivo nos primeiros
seis meses, adição de alimentos
complementares adequados e continuação
da amamentação até dois anos.
Não é por mero acaso que o Ministério
da Saúde faz muito “barulho”.
A necessidade de uma nutrição
cuidada impõe-se nos anos subsequentes
onde a criança (pelo menos
até aos cinco anos) deve caprichar no
que consome, apegando-se, entretanto,
ao equilíbrio.
Um exemplo explica tudo: se a
criança não consumir pelo menos um
ovo por dia pode comprometer toda
a sua vida, pois crescerá limitada
intelectualmente. Por mais que venha
mais tarde a consumir dezenas
de ovos num só dia, nada feito. As
circunvoluções cerebrais (que determinam
a capacidade cognitiva, de
conhecimento) já estarão formadas,
em nada valendo o esforço fora da
idade recomendada.
“FOME OCULTA”
O nosso país revela um quadro
comprometedor em matéria de nutrição
em crianças menores de cinco
anos, com uma desnutrição crónica
que comprometeu, compromete e
comprometerá a qualidade do seu
capital humano.
Os mil primeiros dias de muitos
dos seus cidadãos foram marcados
pela deficiência gritante de micronutrientes
(vitaminas e minerais).
Os principais nutrientes para o
perfeito desenvolvimento infantil são,
de acordo com a Organização Mundial
da Saúde (OMS), ferro, cálcio,
vitamina “A”, “C” e “D”, que se assumem
como componentes essenciais,
garantindo o desenvolvimento físico,
mental e auxiliando na protecção
contra doenças e morte prematura.
Segundo oMISAU, cerca de 89 por
cento de crianças moçambicanas de
6 a 24 meses têm deficiência de ferro
e cerca de 68 por cento mostram
carência de vitamina “A”.
O ferro é um nutriente essencial
e a deficiência deste mineral é considerada
a mais comum em todo o
mundo. É um componente essencial
da hemoglobina que transporta o
oxigénio dos pulmões para os tecidos
e mioglobina que fornece oxigénio aos
músculos. É vital no crescimento da
criança. A sua falta causa anemia,
afectando a função cognitiva (relativo
à capacidade intelectual) e imunológica
(defesa do organismo contra
infecções).
Quanto à vitamina “A”, sabe-se
que fortalece a visão, o crescimento,
protege a pele. Previne o envelhecimento
da pele, melhora a visão
nocturna, favorece o crescimento dos
ossos, dentes, cabelos e gengivas.
A sua carência provoca cegueira
nocturna, dor de cabeça, infecções
respiratórias, acne e queda de cabelo.
Outros minerais e vitaminas
recomendados agora pelo Governo
moçambicano são a B12 (essencial
para a maturação de glóbulos vermelhos
na medula óssea) e zinco (fundamental
no funcionamento do sistema
imunológico, protegendo contra um
número grande de doenças), iodo (útil
na regulação do metabolismo celular,
temperatura corporal, crescimento e
desenvolvimento dos órgãos).
O iodo é igualmente importante
durante a pré-concepção, gravidez,
amamentação para que haja bom
desenvolvimento do bebé. Uma boa
maneira de ingerir é substituir sal
normal pelo iodado.
A sua deficiência causa efeitos
adversos no crescimento. E é a
causa mais comum de retardamento

 

mental.
GOVERNO
PREOCUPADO
Segundo o Ministério da Saúde
(MISAU), em Moçambique, 43 por
cento (43 em cada 100) das crianças
menores de 5 anos sofrem de desnutrição
crónica e uma em cada duas não
atinge o seu potencial de crescimento
físico, mental e cognitivo.
O país tem cerca de quatro milhões
de crianças menores de cinco anos,
segundo o último censo da população.
Trata-se de uma situação que,
segundo o MISAU, tem impacto negativo
na vida das pessoas, em toda a
sua vida, pois reduz a sua capacidade
académica, profissional e de contribuírem
na produção e desenvolvimento
da economia.
Cerca de 36 por cento das mortes
em crianças menores de cinco anos
são associados à desnutrição.
O Governo moçambicano, reconhecendo
a desnutrição como um problema
grave, elaborou o Plano de Acção
Multissectorial para a Redução da
Desnutrição Crónica (2011-2015 (20),
onde um dos pilares importantes é o
de melhorar o consumo de alimentos
ricos em micronutrientes e de fortificação
em massa dos alimentos básicos.
O Executivo pretende, com o plano,
acelerar a redução da desnutrição
crónica em menores de cinco anos até
20 por cento em 2020.
A fortificação de alimentos, ou
a adição de vitaminas e minerais a
alimentos de uso massivo visando ingestão
da quantidade diária recomendada,
é um procedimento visto pelo
Governo como eficaz na prevenção de
deficiência de vários micronutrientes
como ferro e vitamina “A”.
O uso de fortificação industrial
tem sido apontado como um dos melhores
processos para o controlo das
carências nutricionais da população
moçambicana.
O plano aprovado pelo Governo
estabelece metas claras a serem atingidas
até 2020 e a sua implementação
abrange diversos sectores, incluindo
as áreas da saúde, agricultura,
educação, acção social, indústria e
comércio.
A fortificação de alimentos visa
contribuir de forma substancial para
preencher a lacuna de nutrientes na
dieta das pessoas em ferro, ácido
fólico, zinco, iodo, vitamima “A” e
vitamina B12.
A primeira fase da fortificação
envolveu, para além das salineiras
fortificando sal (com iodo), as indústrias
de óleo alimentar (vitamina “A”)
e de farinha de trigo para pão (ferro,
zinco, acido fólico e vitamina B12) e
abrangeu 15 unidades industriais do
sector alimentar.
FORTIFICAÇÃO
OBRIGATÓRIA EM
CINCO PRODUTOS
Através do Decreto 9/2016, do
Conselho de Ministros, foi aprovado
o Regulamento de Fortificação de
Alimentos com micronutrientes
industrialmente processados.
domingo apurou que o regulamento
aplica-se “a todos os agentes
económicos que importam,
produzem e comercializam, em
todo o território nacional, farinha
de trigo, farinha de milho,
óleo alimentar, açúcar e sal”.
Deste modo, é obrigatória a
fortificação da farinha de milho,
farinha de trigo, açúcar e sal para
consumo humano e animal, produzidos,
comercializados e importados
de acordo com as normas moçambicanas
em vigor.
Está excluída da presente obrigatoriedade
a farinha de milho
produzida por moageiras de pequena
escala e que apenas prestam
serviço de moagem para consumo
familiar.
Sem prejuízo de sanções de
natureza cível, penal ou estabelecidas
em normas específicas, as
infracções ao regulamento ficam
sujeitas a multa, apreensão de
bens alimentares e revogação de
alvarás.“É chocante o desequilíbrio
 
alimentar que assistimos”

– Francisco Noa, reitor da UniLúrio
Francisco Noa, reitor da Universidade
Lúrio, diz que a desnutrição, a qualidade
e o acesso aos alimentos são um problema
sério e de enorme preocupação na
actualidade.
“Os problemas alimentares e nutricionais
são mais notáveis e profundos
nos países menos desenvolvidos.
Moçambique está incluído no leque
desses países, onde o acesso a uma
alimentação adequada é limitado e
o estado nutricional da população,
especialmente das crianças, é preocupante.
Dados recentes apontam para
uma prevalência de 43 por cento de
desnutrição em Moçambique”, indicou.
Sublinhou que, na perspectiva de
contribuir para a solução dos problemas
associados à desnutrição e à utilização
inadequada de alimentos, a UniLúrio
oferece um curso de Nutrição ao nível
de licenciatura e outro curso de Nutrição
e Segurança Alimentar ao nível de
Mestrado. Além do mais, temos a nossa
FCA, em Lichinga, que tem dado e pode
dar um contributo maior no aumento da
capacidade e na elevação da qualidade
de produção agrícola das comunidades.
“As nossas escolhas alimentares
têm um grande impacto no nosso planeta.
O que significa maior capacidade,
maior educação, maior informação e,
sobretudo, maior capacidade de produção
assente não só na quantidade,
mas muito particularmente na qualidade”,
referiu.
Devemos reduzir as taxas de desnutrição crónica
– Eduarda Mungoi, do Ministério da Indústria e Comércio
“Temos de sair dos 43 por cento e reduzir os
níveis de desnutrição crónica em crianças até 35
por cento segundo recomendação do Governo”,
disse Eduarda Mungoi, doutorada em Ciências de Alimento
e assessora do ministro da Indústria e Comércio.
Sublinhou que tudo passa pela promoção
de campanhas de educação que
devem incluir, sobretudo, as escolas, que
devem introduzir educação nutricional nos
currículos escolares.
A nossa entrevistada disse que algumas
províncias moçambicanas registam uma
desnutrição crónica muito alta, que afecta
acima de 50 por cento da população, apesar
de haver muita produção de comida. “Julgo
que tudo passa por hábitos alimentares”,
avaliou.
Declarou que urge reverter a situação,
e o Governo escolheu cinco produtos para
fortificação obrigatória, visando a correcção
de padrões nutricionais da população.
Explicou que a população de alguns
pontos do país é pouco dada a padrões
nutricionais e pouco aproveita o que produz.
“ Não tem conhecimento de várias dietas
equilibradas, o que resulta na deficiência
de micronutrientes”, afiançou.
Recomendou o consumo de produtos
ricos em vitamina “A”, B12, zinco e outras,
disponíveis em produtos como ovos e batata
com polpa alaranjada.
“Demos um grande passo. Temos
agora uma legislação. O Governo aprovou
o decreto 9/2016 que torna obrigatória
toda a produção nacional dos
cinco produtos e todas as importações,
apostando na fortificação. Devem ser
fortificados obrigatoriamente o sal, a
farinha de trigo, a farinha de milho, o
óleo alimentar e o açúcar”, acrescentou.
Ressalvou que as crianças têm sido as
maiores vítimas, por falta de conhecimento
sobre nutrição por parte de adultos.“Há
adultos com deficiências alimentares
no dia-a-dia que não sabem. Aparentam
serem saudáveis, mas não o são”,
explicou.
A nossa entrevistada refere que o
programa de fortificação de alimentos
trouxe vantagens no agenciamento de
equipamentos. Um número considerável de
microdoseadores foi comprado e doado às
indústrias. Outros foram acoplados à linha
de produção das moageiras.
Presentemente, 38 indústrias estão
envolvidas no programa nas províncias de
Maputo, Maputo-cidade, Sofala, Zambézia,
Tete, Nampula e Manica.
Garantiu que supermercados que importam
óleo, açúcar e sal estão todos a
trabalhar no sentido de orientar os seus
fornecedores para passarem a fortificar na
base da legislação moçambicana.
“Não podemos permitir que fornecedores
continuem a fortificar com base
na legislação dos seus países, porque
as necessidades de Moçambique são
diferentes das da África do Sul, e de
outros países. Temos de garantir as
necessidades definidas pela nossa legislação”,
esclareceu.

 
Texto de Bento Venâncio

 

bento.venancio@snoticicas.co.mz
 

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