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Sangue nas estradas!

Por admin

Nas nossas estradas está em marcha uma “guerra sangrenta”, ainda que não haja soldados no terreno, nem veículos militares. Os números falam por si. 743 mortos e 2028 feridos, entre graves e

ligeiros,  só no primeiro semestre do anoem curso. É luto de mais. 

A explicação para o elevado número de acidentes de viação continua por aparecer. As hipóteses são muitas. Há quem fale do estado das rodovias. Da qualidade dos pneus. Da condução em estado de embriaguez. Pouca perícia dos automobilistas, principalmente os recém-encartados, uso do telemóvel em plena condução, falta de uma acção/abordagem preventiva dos agentes e reguladores do trânsito e muito mais. A única certeza é que a estatística não mente. Morre-se às dezenas nas nossas estradas. Quase todos os dias. No mês que terminou na passada quarta-feira foram 63 pessoas.

Eduardo Duvane, instrutor da Escola de Condução Karina, há 20 anos, tem uma tese pragmática para o que está a acontecer: há excesso de velocidade nas nossas estradas.

Tenho a sensação de que muitos automobilistas andam apressados e não observam e nem praticam a condução defensiva. Ninguém tem tempo para cumprir com as regras elementares do Código de Estrada. Depois há automobilistas que não dominam os sinais na via pública, porque não amadureceram o suficiente nas escolas de condução. Conseguiram a nota mínima para passar no exame teórico, mas sem terem encaixado devidamente a teoria. Há dias, na província da Zambézia, ocorreu um acidente, quando um camião e um turismo quiseram passar sobre uma passagem estreita (ponte) ao mesmo tempo. É este tipo de coisas que não dev(ia)e acontecer.” 

Dércio Xichongue, da Escola de Condução Lali, entende que os acidentes que sulcam as estradas moçambicanas se devem à dualidade de comportamento dos automobilistas, quando conduzem no país e quando o fazem no estrangeiro.

Dificilmente ouvimos dizer que um automobilista moçambicano foi autuado por condução deficiente na África do Sul, na Suazilândia, ou no Zimbabwe. Para mim, o factor humano é que é a causa dos acidentes rodoviários”, defende.

Sobre a hipótese dos recém-encartados, que estão a sair das escolas de condução sem a habilidade suficiente, Duvane refuta-a redundantemente. “Os nossos instruendos, quando terminam a formação, têm habilidade para circular. Agora, outra coisa, bem diferente, é o que vai na cabeça de cada um, quando pega no volante.”

Efectivamente, há os que quando pegam o carro só pensam em correr. Em chegar. Por conseguinte fazem todo o tipo de manobras proibitivas. Galgam passeio. Não respeitam os limites de velocidade nas entradas das localidades, povoações e cidades. É sempre prego no fundo, quando alguns são novatos na condução.

Paulo Tembe, mecânico de profissão e condutor desde 1977, convidado pelo domingo a opinar sobre o tema, disse que quando tirou a sua licença de condução era ensinado ao instruendo alguns itens para uma melhor performance de condução.

“Por exemplo, era nos ensinado a ver se o pneu está vazio ou cheio. Se o óleo de motor está no nível. Se o carro tem água. Também eram ministrados os primeiros socorros para sabermos como agir num caso de acidente de viação em que alguém ficasse aleijado. Actualmente, noto, e com alguma preocupação, que algumas pessoas não sabem sequer ver se o carro tem ou não óleo de travão. Simplesmente pegam no carro e andam. Depois há os que tiram as cartas em casa. Assim fica difícil”, disse Tembe.

Aqui está um ponto para reflexão. Com efeito, quem conduz e anda de olhos bem abertos pelas nossas estradas nota que alguns automobilistas têm extrema dificuldade para estacionar sem galgar o passeio, para interpretar os sinais de trânsito (regras de prioridade), para posicionar o carro na faixa correcta numa rotunda, entre outros pormenores.

Observa-se ainda que alguns automobilistas, nas noites, circulam com os faróis ligados ao máximo, criando dificuldades de visibilidade para os que seguem no sentido contrário.

CARROS AUTOMÁTICOS

Com o intuito de descobrirmos o busílis da questão, perguntámos ao mecânico/condutor  Paulo Tembe, se a proliferação de carros automáticos, onde “é só acelerar”, ou melhor, o automobilista só usa duas mudanças, uma para retroceder e outra para seguir em frente, não seria também um factor a ter em conta para o elevado número de sinistros.

“Não tem nada a ver. Agora há gente que efectivamente não sabe conduzir carros manuais, mas andam com o automático. Sobretudo as senhoras. Nas escolas de condução, que eu saiba, não há carros automáticos. Então essa pessoa onde aprendeu a conduzir? Ou tirou a carta em casa?”

Eduardo Duvane entende que o automático é um carro mimado. “É só acelerar e travar. São carros com poucos cuidados, porque não têm embraiagem. O perigo pode estar aí, uma vez que quando a pessoa calcula mal o “timing” da injecção do acelerador, o carro pode não lhe obedecer e dar-se a colisão entre as viaturas.”

Por outro lado, apurámos em conversa quase casual com automobilistas, que, de facto, há condutores que não dominam o Código de Estrada, por isso os sinais não lhes dizem nada. Limitam-se a usar as mesmas vias quando se fazem à estrada, para não terem complicações. Outros limitam-se a imitar o comportamento de quem vai à frente e não conduzem com base na sinalização.

Aspecto curioso foi ver alguns automobilistas em grandes correrias quando um dos quatro pneus era de dimensão diminuta (sobressalente). Roda pequenina igual às usadas em alguns carrinhos de mão (wil-bar), de cor amarela.

Esses pneuzitos são para uso temporário. Isto é, o pneu furou, colocámos aquele e, na oficina seguinte, repomos o pneu definitivo. Porém, nas correrias de hoje, ficamos com a nítida sensação de que os condutores se esquecem completamente desse pormenor e vivem com o pneuzinho “sine die”.

MULTAS LEVES

Ainda na senda da busca de explicação para o sangue que “jorra” nas estradas do país, questionámos o instrutor Dércio Xichongue se as penalizações por transgressão às regras de trânsito no país não seriam bastante leves, razão porque os automobilistas pouco se ralam quando são autuados. A resposta não se fez esperar: “não creio que as penalizações sejam leves. A multa mais baixa é de 500 meticais. E algumas vão até dois mil meticais.”

Outro factor que está intrinsecamente ligado aos numerosos acidentes de viação é a condução em total estado de embriaguez. Aos fins-de-semana é o fim. As primeiras horas da amanhã virou rotina ver carros amachucados a serem rebocados por breakdown (carro reboque). Os proprietários desses veículos de socorro cobram entre 3 a 5 mil meticais.

PNEUS EM 2ª, 3ª OU ÚLTIMA MÃO

Esta dos pneus é a mais recente acha que foi lançada para a fogueira dos acidentes de viação. Dércio Xichongue disse que para se falar com conhecimento de causa sobre pneus, que, nalguns casos contribuem efectivamente para a ocorrência de acidentes, o ideal seria que se criasse uma unidade que zelasse pela qualidade de pneus que são importados para o país.

Carlos Tavira, habilitado a conduzir desde 1974, recordou que o trilho que o fabricante coloca no pneu não é por mero acaso. “Aumenta a aderência ao asfalto. Quando o pneu é liso o atrito e a aderência são nulos”, esclareceu.

O que parece escapar a alguns automobilistas que adquirem pneus em segunda mão, desses que são vendidos em massa nos passeios, com particular destaque para a Avenida Acordos de Lusaka, em plena cidade de Maputo, é que os vendedores agem com uma habilidade espantosa para dar a entender que se está perante um produto aceitável, quando é engodo autêntico.

Na verdade, aqueles vendedores recorrem a objectos de metal em brasa para redesenhar o trilho dos pneus, passam graxa até a roda reluzir e colocam-nos nas bancas como se merecessem o escalão de pneus de segunda mão. Depois de submetidos ao calor da rotação no asfalto, é comum aparecerem bolhas que vão rebentar alguns quilómetros depois.

Condutor que não sabe trocar um simples pneu

Aqui não conseguimos debitar culpa em ninguém. Sucede que alguns motoristas não sabem sequer trocar um simples pneu. Quando lhes acontece terem um furo seguem uma destas duas opções: forçam a marcha até uma estação de serviço ou a uma garagem a céu aberto (debaixo de uma mangueira ou mafureira). Às vezes, a opção é pedir auxílio a um transeunte ou a miúdos, que, regra geral, se prestam logo a ajudar a troco de cinco a dez meticais.

Carlos Tavira recordou que recebeu além das aulas de condução, algumas noções de mecânica, do tipo como tirar roda, ver se há algum problema no carro, controlar o óleo, etc. Também se ensinava sobre problemas no motor que pudessem ser resolvidos imediatamente. “Por exemplo, um tubo de gasolina que saiu do carburador e outros.”

Reconheceu não saber o nível de qualidade de ensino actualmente prestado pelas escolas de condução, “mas quando um indivíduo possui carta de condução, tem de estar ciente de que uma grande responsabilidade pesa nas mãos dele.”

O que irrita mesmo Tavira é ver alguns automobilistas falando ao telemóvel enquanto há uma ambulância ou um carro de bombeiros a pedir permissão para passar. “Há pessoas que não são capazes de movimentar os carros para que ele passe. Isso dói-me. E não custa nada. É só galgar o passeio.

Polícia de trânsito vs motoristas

A Polícia de Trânsito (PT) entende ser incapaz de estancar, só por si, a onda de acidentes de viação que resultam em mortes e avultados danos materiais, o que não deixa de ser verdade. Porém, queremos que apesar de toda a teimosia e irresponsabilidade manifesta por alguns condutores, os reguladores de trânsito têm de se empenhar mais. E já vamos aos exemplos.

Para quem regularmente tem de passar pela zona do Hulene Expresso, quer vindo da Praça dos Combatentes (Xiquelene) ou de Magoanine nota que a Polícia de Trânsito nem sempre está posicionada naquela via, sobretudo depois das 17 horas. Moral da estória, todos os dias acontece o óbvio: alguns motoristas cansados de esperar na fila, enquanto os chapa -100 e outros vão passando pelos lados, acabam se impacientando e, de repente, é tudo a andar em contramão. Circulam-se rentinho aos quintais e nas paredes das casas e como não seria de estranhar uma e outra criança, um e outro adulto, um e outro idoso é colhido por um carro.

Isso não acontece apenas naquela esquina. Na avenida 19 de Outubro, nas horas de ponta, sobretudo ao cair da noite, passa-se a mesma coisa. Basta os motoristas mais “zaragateiros” souberem que não há Polícia ao longo da via, para começarem fazer das suas até ao entroncamento do Inhagóia. Isto só para citar dois exemplos na relação Polícia e condutores.

Nºs da tragédia em Julho

1/7/2013 – Massinga/Inhambane: 7 óbitos e 2 feridos

14/7/2013- Zavala/Inhambane: 10 mortos

15/7/2013- Alto Molócuè/Zambézia: 8 mortos

21/7/2013- Changara/Tete: 12 mortos e 1 ferido

21/7/2013- Jangamo/Inhambnane: 7 óbitos

21/7/2013- Chibuto/Gaza: 4 mortos

23/7/ 2013 – Ile/Zambézia – 15 mortos e 9 feridos

André Matola

 

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