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“Espíritos” começam a perseguir rapazes

Por admin

Texto de Abibo Selemane e Fotos de Jerónimo Muianga

A onda de desmaios que tem deixado a comunidade escolar da cidade e província de Maputo em alvoroço está de volta. Desta vez, os “espíritos” estão a fazer das suas na Escola Secundária da Manhiça.

Pelo menos 100 alunas perderam temporariamente os sentidos nas últimas três semanas. Ao contrário do habitual, desta vez há rapazes entre as vítimas. Sem explicações científicas, buscam-se respostas em tudo o que se mexe pela frente.

O clima que se vive na Escola Secundária da Manhiça, a norte da província de Maputo, é de pânico, pois, a pergunta que todos se colocam é “quem será o próximo”, tendo em conta que já desmaiaram mais de 100 raparigas e mais dois rapazes engrossaram a já longa lista durante a semana passada.

O fenómeno que está a apavorar aquela escola está a somar vítimas desde o último trimestre do ano passado. Naquela altura os registos diários eram poucos, variavam entre duas a três alunas e ocorriam de forma alternada. Portanto, um mês sim, outro não. Porém, o quadro não foi reportado por razões desconhecidas.

Entretanto, nas últimas três semanas o cenário se agravou e já ninguém consegue guardar segredo pois, para além de vitimar muitas adolescentes, está a tirar o fôlego a todos porque os desmaios acontecem todos os dias, sobretudo, no período da tarde.

Aliás, desde que a onda de desmaios recomeçou, as vítimas eram apenas do sexo feminino e que frequentam a 10ª, 11ª e 12ª classe. Na semana passada, os “espíritos” decidiram mudar de estratégia e começaram a atacar também aos rapazes. Os únicos que continuam a ser exceção são os professores e funcionários.

Dados colhidos no local indicam que num só dia podem desmaiar entre 10 a 20 alunas na sala de aula, no pátio, durante os intervalos lectivos, outros ainda durante as aulas de educação física e o estágio de falta e consciência pode durar de 30 minutos a três horas.

Quando recobram os sentidos, os alunos até aqui afectados apresentam comportamentos variáveis e quase sempre anormais, sendo que alguns se tornam excessivamente violentos contra os colegas que procuram prestar alguma assistência, outros proferem palavrões de baixo calão e outros ficam muito fracos como se tivessem estado a realizar uma difícil e extenuante tarefa.

O que torna o ambiente ainda mais assustador é o facto de não se conhecerem as causas deste fenómeno. Diz-se que num primeiro momento, os professores terão associado aqueles desmaios a espíritos das famílias de cada aluna e também à epilepsia, doença que também provoca estágios de desmaio, por vezes acompanhados de espasmos, entre outras manifestações.

CIÊNCIA NÃO RESPONDE

A ciência diz que os desmaios ou síncope (como os médicos chamam) podem resultar de muitas causas e, diagnosticar a causa exacta pode ser difícil. Acrescentam os médicos que “a síncope ou desmaio não é uma doença em si, mas sim um sintoma provocado por diversas patologias”.

Apesar de não elevarem este quadro ao estatuto de doença, os cultores da medicina definem o desmaio como a “perda súbita e transitória da consciência e consequentemente da postura devido à redução da irrigação de sangue para o cérebro e que a recuperação é sempre espontânea”.

Com a própria ciência a encolher os ombros perante este tipo de ocorrência, a comunidade escolar da Manhiça começa a olhar para todos os quadrantes à procura de respostas e similaridades com casos ocorridos em outras escolas da província.

Num passado recente, a cidade de Maputo registou um alvoroço na sequência de 70 casos de desmaios havidos na Escola Secundária Quisse Mavota. Logo a seguir, a Escola Secundária Noroeste-I assistiu a 10 desmaios de alunas por dia e, em todos estes casos, a medicina ficou pelo “parece que”, enquanto os médicos tradicionais exorcizavam supostos fantasmas para que a normalidade regressasse. E, de facto, regressou.

Dados em nosso poder indicam que também em Angola, o Presidente José Eduardo dos Santos terá criado, em Agosto de 2011, uma comissão de inquérito para investigar centenas de desmaios colectivos que se tinham verificado em escolas de várias províncias que, segundo consta, afetaram cerca de 800 raparigas.

A tal comissão incluía especialistas em medicina, psicologia clínica, psiquiatria, entre outros (não se fala em médicos tradicionais) mas, naquele caso, a origem do problema era atribuída, numa primeira fase, à inalação de substâncias tóxicas de origem desconhecida.

Por cá, a hipótese de inalação de substâncias tóxicas está posta de parte pois, se assim fosse, os alunos, professores, serventes e população residente nas cercanias desmaiariam igualmente. Aliás, a nossa equipa de Reportagem, que trabalhou há dias naquela escola por cerca de duas horas, também teria desmaiado se o problema residisse no ar.

Tudo o que pudemos sentir foi um intenso calafrio por estarmos num meio onde pelo menos 10 alunos desmaiaram à nossa volta. Conforme apurámos no local, a direcção da escola teria convidado os pais e encarregados de educação das vítimas para explicar sobre o que estava a acontecer, para além de procurar entender se nas famílias havia casos de maus espíritos ou de epilepsia.

domingosoube ainda que no ano passado, depois de um desses encontros, alguns pais anularam matrícula das suas filhas para encaminharem-nas para tratamentos em unidades sanitárias e em clínicas tradicionais.

“ESTA ESCOLA TEM

MUITOS PROBLEMAS”

Enquanto a ciência aguarda por melhores dias para explicar este estranho fenómeno, alguns membros da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO) na Manhiça avançam algumas pistas metafísicas que tem tanto de sério como de cómico.

Os médicos tradicionais locais dizem que aqueles casos ocorrem porque os professores daquela escola andam em disputas por cargos de direcção e cada um traz os seus amuletos e deposita nos cantos mais recônditos na tentativa de ascender ao poder.

Porque esta desculpa parece movediça, acrescentam que num passado recente a escola terá beneficiado de obras de construção de um muro de vedação que, para além de atravessar uma área que funcionava como cemitério familiar, também separou algumas campas e não houve nenhuma comunicação com os familiares dos finados ali depositados. Por causa disso, os espíritos estarão a exigir a sua reunificação.

Como isto parece pouco, outros analistas do mundo transcendental entendem que aquela vedação não só atravessou campas e separou os defuntos, como também “abocanhou” parte do território alheio à escola, o que está a revoltar aos “espíritos” ali residentes.

Palmira Chihangue, presidente daquela agremiação ao nível da Manhiça disse que a sua equipa trabalhou recentemente naquela escola e constatou que a mesma está envolta em muitos problemas tais como a luta pelo poder, o qual envolve quase todos professores, usurpação de terra e o problema das campas.

Há muitos problemas naquela escola. Por exemplo, o barulho das crianças incomoda os mortos e é ai onde começa a confusão. Por outro lado, construíram o muro e não falaram com os donos das machambas que aqui existiam. É claro que isso enfureceu as pessoas. Por exemplo no ano passado, um professor, já reformado, levantou-se para dizer que foi ele quem plantou mangueiras que estão no recinto da escola em 1961 e nunca comeu as suas mangas, está triste”, contou.

Para solucionar esses e outros problemas, Palmira Chihangue, disse que orientou a direcção da escola e o secretário do bairro para procurarem os familiares dos defuntos ali existentes para saber o que é preciso fazer para a situação voltar à normalidade.

Não nos podemos limitar a pedir aos defuntos. É preciso fazer um trabalho muito profundo. O encontro com a família é importante, uma vez que o local onde estão as campas já está limpo e pode ser difícil localizar todas as campas”, disse.

“Continuem a dar aulas!”

– Artur Chindandale, administrador da Manhiça

Enquanto a AMETRAMO procura uma resposta que pareça coerente, alguns alunos estão a requerer a sua transferência para outras escolas onde os “espíritos” são benignos. Tanto é que a direcção distrital de Educação e daquela escola, assim como as autoridades governamentais mostram-se preocupadas com os prejuízos que aquele cenário começa a trazer para o processo de ensino e aprendizagem.

A azáfama que se vive na Manhiça é de tal ordem fora do comum que começa a haver reuniões um pouco por todo o lado. Na semana passada, por exemplo, foi formada uma comissão composta por seis elementos, sendo alguns pais das vítimas, professores e líderes para investigar as causas deste acontecimento.

O administrador do distrito da Manhiça, Artur Chindandale, também se mostra preocupado com os desmaios na Escola Secundária da Manhiça, sobretudo pelo facto de estarem a circular rumores que indicam que alguns alunos simplesmente deixaram de ir à escola por temerem desfalecer e um dia virarem objecto de zombaria.    

Chindandali lembra que quando tomou conhecimento sobre o fenómeno orientou para que os encarregados e educação fossem envolvidos, assim como a AMETRAMO porque as crianças que desmaiaram tinham sido levadas ao hospital e os exames feitos foram negativos para todas as doenças passíveis de causar desmaios.

Num outro desenvolvimento o administrador referiu que os professores foram orientados a encarar o assunto com a seriedade necessária, “mas em nenhum momento devem deixar de exercer a sua profissão. Sabemos que as crianças estão com o sentimento de medo mas, aconselhamos aos professores para continuarem com as aulas e controlarem o problema”, disse.       

Apesar da direcção da Escola Secundária da Manhiça estar a obedecer à orientação do administrador do distrito, está claro que o processo de ensino e aprendizagem naquela instituição está a caminhar assim-assim pois, há sempre um aluno a desmaiar e as aulas são interrompidas.

O diretor adjunto pedagógico do segundo ciclo, Eugénio Muianga, disse que alguns pais e encarregados de educação aceitam que nas suas famílias há problemas de “espíritos” e até admitem que vão resolver. Mas,…

“…e se desmaiarmos e

nunca mais reanimarmos?”

– dizem as vítimas

Algumas vítimas deste fenómeno revelam à nossa equipa de Reportagem que estão cansadas e preocupadas e apelam a direcção da escola para que o problema seja solucionado o mais rápido possível porque temem que a situação se agrave a tal ponto que se torne irreversível. “Receamos que alguém desmaie e não consiga se reanimar mais”, afirmam.

Sheila Machava, aluna na 12ª classe conta que caiu pela primeira vez no ano passado e não sabe dizer como. Apenas se lembra que estava na sala de aula e sentiu-se mal, parecia que estava a ser apertada. Começou a perder ar e pediu o professor para sair. Quando já estava a caminhar, ainda na sala, caiu.

Apenas sei que não consegui sair da sala de aula. Disseram que fiquei desmaiada por uns 30 minutos. Quando me levantei fui dispensada, dali fui levada ao hospital para fazer exames que deram negativos”, disse tendo acrescentado que continua sob observação médica.

Por sua vez, Ivone Pires disse que começou a ter problemas em Junho de 2013, dia em que faleceu o seu pai. Conta que perdeu força e ar ficou desmaiada durante três horas. “Levaram-me ao hospital onde mais tarde recuperei. Não sei porque isso está a acontecer comigo. Estou preocupada porque sempre que estou na escola não me sinto à vontade. Este ano já cai várias vezes”, disse.

Marta Nucha disse que já caiu várias vezes e quando recupera fica como uma pessoa possuída. “A pessoa sente que está a ser apertada por alguém. O seu corpo começa a doer, e fica sem ar. A seguir sente que está a ser forçada para fazer algo e desmaia. Quando levanta já está com espírito de outra pessoa”, contou.

Desmaios também

acontecem na SADC

Os desmaios em massa que agora ocorrem na Escola Secundária da Manhiça, também já aconteceram em diferentes escolas do mesmo nível localizadas em plena cidade de Maputo, nomeadamente na “Quisse Mavota” e na “Noroeste-I”. Em ambos os casos, o fenómeno deixou a sociedade boquiaberta.

Para a resolução destes casos, as autoridades administrativas locais recorreram aos préstimos de médicos tradicionais, os quais realizaram cerimónias de apelo aos “espíritos” para se acalmarem e deixarem a escola aberta às aulas. Batucadas e apitadelas ecoaram. Canções e evocações foram enunciadas e, para a tranquilidade geral, episódios do género nunca mais voltaram às páginas dos jornais.

Para o presente caso, que ocorre na Manhiça, diz-se que se trata de histeria colectiva que é um distúrbio psicológico em que um grupo de pessoas passa a ter um comportamento estranho ou a adoecer, ao mesmo tempo, sem uma causa aparente.

Quando o caso se deu em Angola, em Agosto de 2011, foi publicado um artigo intitulado “o mistério das mulheres desmaiadas”, o qual resultou em vários outros artigos subsequentes, do qual destacamos a explicação dada no artigo “Desmaios nas escolas”, escrito por Carlos Roque.

Os surtos de histeria colectiva, também conhecida por doença psicogénica de massa, são mais frequentes em grupos fechados, como alunos de uma mesma escola ou trabalhadores da mesma empresa, embora também acometa a população em geral”, diz.

Entre outras manifestações, esta doença faz com que as pessoas fiquem ansiosas e percam o controlo sobre os seus actos e emoções, além de perturbar os sentidos, como o tacto, olfacto, paladar e ainda gerar sintomas de náusea, tontura, fraqueza, falta de ar e desmaio.

Tal como referimos antes, estes fenómenos não se desenrolam apenas no nosso país. Em Angola, centenas de mulheres desmaiaram em eventos diferentes e em dias também diferentes. Consta que em 2008, cerca de 20 meninas de uma escola da Tanzânia também desmaiaram.

Só não se sabe porque é que a histeria colectiva ataca (quase) sempre a pessoas do sexo feminino, embora na Manhiça os “espíritos” tenham enveredado por um novo caminho, ao atacar dois adolescentes na semana passada.

Abibo Selemane

habsulei@gmail.com

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