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RECAPITULANDO VIVÊNCIAS SOBRE O SOCIALISMO

Por admin

A intelectualidade, ainda que pequena dos países colonizados, olhava para a URSS e para a China como faróis de amizade na escuridão do isolamento em que viviam. Muitos de nós conhecíamos e partilhávamos a opção ideológica de Ho Chi Minh. Grandes inspiradores da pequena intelectualidade jovem das colónias, as personalidades que respeitávamos como Aimé Césaire ou Paul Vergès pertenciam às fileiras dos partidos comunistas. Dirigentes nacionalistas como Houphöet Boigny e Senghor, Modibo Keita e Sekou Touré, no parlamento francês aliaram-se ao Partido Comunista Francês durante um largo período e até aos finais dos anos cinquenta do século passado.

A independência das colónias esteve no coração da III Internacional que inclusivamente criara a Internacional Para os Povos de Oriente. As Teses Complementares do indiano Roy juntaram-se às da III Internacional. Ho Chi Minh deu uma contribuição para o desenvolvimento da Internacional Para os Povos do Oriente. A África contrariamente à Ásia e o Médio Oriente, mesmo na Internacional Para os Povos de Oriente, ocupou sempre um lugar secundário.

Houve um moçambicano que participou, com um pseudónimo, nalguns trabalhos desta Internacional, segundo me narrou o saudoso Mário Pinto de Andrade. Fazendo com ele um exercício sobre hipóteses da identidade deste nosso compatriota, constatamos que, o grande compositor, Daniel Madivate, mais tarde radicado na África do Sul e com ligações com o PC sul-africano, viveu na época na Rússia soviética, onde estudara composição musical. Pode ou não tratar-se de coincidências, fica a hipótese para os estudiosos.

A passagem da descoberta da teoria para a realidade, para mim e para muitos, passou por várias etapas.

As teses soviéticas tendiam a impor releituras dos ensinamentos dos grandes mestres do socialismo científico, em função dos interesses imediatos do Estado e conduziam ao enfeudamento à sua política externa e interna.

O mal-estar em relação às burocracias da URSS e da Europa de leste levara alguns e, eu próprio, a sentirmo-nos, num primeiro momento, mais próximos das teses maoístas que se afirmavam publicamente nos inícios da década de 60, anunciando o prelúdio do que se veio a tornar a Grande Revolução Cultural. Mas, rapidamente, e rasgando a cortina da propaganda, constatamos que na China, igualmente, o clima vivido não se mostrava o melhor. As teses maoístas de ruptura com os aparelhos seduziam o nosso radicalismo de jovens inexperimentados e sem quaisquer responsabilidades para além do idealismo, da nossa generosidade e boa vontade. A realidade verificada mostrou-se bem diferente.

No momento da independência subestimamos o mundo real. Fizemos uma análise generosa, mas incompleta, quando quisemos dar o salto para a construção socialista a partir duma situação colonial, sem camadas médias, sem acumulação de capital, sem uma classe operária com tradições, sem uma intelectualidade significativa. Acreditámos que a correlação mundial de forças favorecia a aposta.

Havíamos derrotado militarmente as forças colonialistas e em Moçambique e Angola, existia um entusiasmo enorme no seio das massas populares, a FRELIMO e o MPLA apresentavam-se como forças aglutinadoras do povo, capazes de tudo desafiar. A convulsão social que se vivia, a confiança popular em relação às forças que haviam conduzido à vitória contra os regimes opressores e estrangeiros estava prenhe de opções. Esquecemo-nos que o povo ensinava que correr não é chegar. Pecamos caindo num radicalismo infantil de esquerda. A opção realista encontrava-se na revolução democrática nacional e não na revolução socialista. O nome de República Popular de algum modo traduzia a hesitação.

Há que registar, porém, que a opção então feita bloqueou os caminhos da ganância, da corrupção e assegurou uma coesão nacional que venceu as agressões. Se não o fizéssemos certamente que capitularíamos diante das agressões do sistema racista apoiado pelo Ocidente. Se apenas por isso, valeu a pena o nosso infantilismo generoso.

Levantaram-se novos radicalismos na nossa terra, a nossa tecnocracia incipiente e desejosa de mostrar resultados, muitas vezes deitou fora o bebé com a água suja do banho. Muitos correram, das ideias do socialismo que descartaram, para o neoliberalismo que professaram com igual ou maior ardor, revelando nisso a pouca solidez dos seus conhecimentos, convicções e princípios.  

Cito, o Presidente Chirac que, referindo-se ao que testemunhara na Europa, declarará a Pierre Péan no livro Sem Ódios:

Estou convencido de que o liberalismo está destinado ao mesmo fracasso que o comunismo e conduzirá aos mesmos excessos. Um e outro são perversões do pensamento humano.

Pode-se perguntar se a causa do socialismo desapareceu, se estamos perante um Fim de História.

Claro que não existe o fim da história enquanto houver a Humanidade, sempre ansiosa de progresso e mudança.

Um abraço ao sonho da Humanidade.

Sérgio Vieira

P.S. Algumas vozes atacam a reacção das FADM contra as provocações dos energúmenos de Satungira. Infelizmente essas mesmas vozes que numa segunda à tarde denunciam o pretenso belicismo das forças armadas, sempre se calaram aquando das exacções do banditismo contra as populações, camionistas, passageiros das diversas viaturas que circulavam.

Dois pesos, duas medidas? Devemos autorizar o banditismo quando age em nome do padrasto da democracia? Devemos negociar com quem nos quer roubar a carteira ou o celular, em nome das virtudes dum pacifismo abstracto?

Por favor, seriedade e honestidade intelectual e para isso o meu abraço,

SV

R. P.S. Gostaria que a nossa EDM explicasse porque nos demais países não se provocam apagões porque há chuva ou vento, se faz a manutenção de linhas.

Explicar e, sabendo como se faz, aprender e corrigir e para isso o meu abraço,

SV

 

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