Opinião

Há gajos bons…

“Nunca toque uma música da mesma forma duas vezes” – Louis Armstrong Tenho diante de mim dois discos… Vana va ndota (2005) e Kudumba (1997). Anda também por perto oMajurugenta (1993).

 Nesta altura do ano, uma compilação destes discos – incluindo Não é preciso empurrar (1994) e Mozambique Relief (2000) – é algo que gostaria de receber. Sério mesmo. Uma espécie de “O Melhor de Ghorwane”. Se bem que acredito nas dificuldades que o produtor teria para escolher as 12 melhores músicas para o álbum. É que são tantas e boas. Xidzavana xa nkanka é uma das minhas favoritas. Xizambiza. Vana Va Ndota. Salabudê. Massotchwa. Sathâna. Beijinho. Sei lá… são tantas.

 

A música que os Ghorwane fazem é a soma de muitas águas. Há ali qualquer coisa de mágico. É possível perceber o país sonoro em cada uma daquelas obras. Muthimba, magika, nfena, jazz; tudo isso é passível de ser encontrado na obra dos “bons Rapazes”. É música moçambipreto, moçambibranco, moçambimulato… acho que está na categoria de “Música do Mundo” porque é, no fundo, uma fusão de sons… de harmonias sentimentais, como diria o meu bom amigo Chico António em “Tetego”.

 

Pois bem, os Ghorwane assinalam este mês 30 anos de estrada. É uma vida. Em trinta anos, quantos pulos deu o mundo? Incontáveis. Porém, se quisermos saber, cronologicamente, quais os grandes acontecimentos no nosso país, bastará ouvir a música deles. Afinal falam, sem falsos pudores, dos grandes eventos do nosso tempo. A fome, a guerra de desestabilização, os desastres ambientais, a paz, a esperança, as eleições… tudo e muito mais está musicalmente documentada. Trovadores. Autênticos trovadores…

 

Reza a história que o grupo nasceu como fruto de vários acasos. Roberto Chitsondzo. Pedro Langa. Zeca Alage. David Macuácua. Tchika. Os irmãos Baza-Baza. Carlitos Gove. Jorge César. Lote. João Schwalbach. Riquito Mafambane. Pessoas de origens e histórias díspares mas irmanados na arte e cultura. O nome de baptismo foi inspirado num pequeno lago, em Gaza, que nunca seca mesmo na estação quente ou na fria. Com um percurso marcado pelo activismo cívico e pela noção crítica, os Ghorwane acentuaram-se contra alguma inércia artística do cenário artístico moçambicano dos anos 80, cantando o dia-a-dia dos cidadãos desta terra. E talvez por isso mesmo, dois dos seus mais destacados membros (Pedro Langa e Zeca Alage) foram assassinados…

 

Morreram os homens mas a obra perdura. Ainda hoje, ouve-se e com muito gosto temas como Massotchwa, Majurugenta, Djandza, Hê Madjhâ, Mamba Ya Malepfu.Os espectáculos – cada vez mais raros, diga-se – quando acontecem, há garantia de casa cheia. Os moçambicanos e não só, têm uma forte paixão pela música dos Ghorwane. Revêem-se nas letras dos “Bons Rapazes”. Aliás, Majurgenta foi gravado na Inglaterra por conta do “amor à primeira vista” de Peter Gabriel que acabou convidando o grupo para tocar no WOMAD, em 1990. É durante esse festival que a etiqueta Realworld, sugere a gravação de um CD.Majurugenta mereceria ampla promoção em Moçambique e na Europa. Na África e no mundo.

 

A música dos Ghorwane, pelo seu impacto e importância transcendental mereceu já vários estudos. Trabalhos académicos (teses, dissertações) foram já realizados sobretudo por estudantes estrangeiros. Há também um trabalho – único, julgo eu – feito por um moçambicano com base na produção musical daquele grupo. Ainda é pouco para a grandeza dos “Bons Rapazes”.

 

Trinta anos são um feito. Há que dar mérito aos “Bons Rapazes”. Cometeram erros? Claro que sim. As vezes, como disse Billie Joe Armstrong, “cometer erros é muito melhor do que não fazer nada”. Mas o mais importante é que os Ghorwanesempre souberam reinventar-se. Não ficaram presos numa redoma do tempo. Alheios aos processos circundantes. Readaptaram-se. Sobreviveram. Estão vivos. Parabéns rapazes.

 

Dizer mais o quê? Há gajos bons…

 

 

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