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DOS CRIMES DO COLONIALISMO E DO SEU RESSARCIMENTO

Por admin

Não há nada encoberto que não venha a descobrir-se, nem há nada escondido que não venha a saber-se” Mateus 10:26

Dando continuidade à conversa da semana passada sobre as autoridades tradicionais e a sua actuação, confesso que desde a nossa independência nacional a esta parte ando cá com uma espécie de “abcesso” na garganta, um nódulo muito doloroso, vermelho, inflamatório, endurecido e quente, que não me deixa respirar ar puro. Conforme escrevi semana passada, a nossa povoação de Makanza, situada debaixo duma duna, coberta de cajueiros, mafureiras e outras plantas indígenas locais, entre a Lagoa Poelela e o Oceano Índico a Sul do distrito de Inharrime, na década 50 do século passado o líder da mesma era Nguilazi Makupulana Makanza, pai do meu progenitor. Na altura da sua morte andaria eu entre sete e oito anos e ele por aí uns oitenta anos. Era o único no seu reduto capaz de falar com os nossos antepassados Makanza VaM'Zimene. Durante aquelesmeus primeiros anos de vida, ele nunca se desgrudou de mim, pois eu era uma espécie de “Mascote” inspirador naquele seu pequeno “Reino”, e ele um verdadeiro REI M'Koma. Dormíamos juntos na mesma esteira, cobrindo o mesmo lençol já carcomido. Entre ele e a minha avó, só prevalecia a “irmandade” visto que a menopausa e andropausa era a aliança (ou divisão!) entre ambos. Fosse ele um feiticeiro, na certa eu seria um dos seus discípulos predilectos, visto ser o primeiro neto varão do seu primeiro filho, portanto um indiscutível seu sucessor. O facto é que durante aqueles meus primeiros anitos de vida (para ele, eram os últimos), preocupava-se em transmitir tudo sobre a nossa tradição. Vai daqui que, quando a autoridade colonial exigiu dele o fornecimento de mão-de-obra para os trabalhos forçados no Porto de Lourenço Marques (Maputo), em tratando-se dos seus próprios filhos, acobertou-os a fugir para longe da nossa povoação. Foi por isso que todos os seus oito filhos, incluindo o meu progenitor, rumaram para a terra do Rand. Foi por isso que o administrador mandou os seus sequazes recolher o meu avô para o calabouço, após aquela extraordinária sessão de palmatórias. Contou-me ter levado dez palmatoadas em cada mão, resultando na infecção da mão direita, provocando-lhe uma intensa dor e uma ferida, no que os médicos hoje diagnosticariam um cancro ou carcinoma (morte das células epiteliais que revestem a mão). Faleceu seis meses depois dessa sessão de verdadeira tortura. Sucedeu-lhe na condução do nosso Clã, o seu irmão um septuagenário de seu nome Johane Makanza Txikhondwe, por sinal pai da viúva do meu falecido Pai. (casavam entre famílias do mesmo Clã).Ele também não tardou a ganhar o seu quinhão de palmatoadas, e “deportação” para o Xibalo algures em Lourenço Marques, onde veio a falecer sendo o diagnóstico da sua morte,inflamação crónica de vias aéreas, (Asma), já que os seus filhos também andaram fugitivos. Já sem ninguém para dirigir o nosso Clã disperso, o próximo sobrevivente adulto era o meu tio Penyane Ngilazi Makanza filho “caçule” do meu avô, nessa altura na casa dos trinta e cinco anos. Logo após a primeira sessão de dez Palmatórias (cinco em cada mão), imediatamente foi “deportado”, da nossa aldeia, indo parar também, primeiro nas obras de construção do Porto do Maputo (Pólwe ka Nwanzengele), e após uma queda que quase o matava, mudou do local de trabalho para a então Câmara Municipal de Lourenço Marques, (hoje CMCM), para um trabalho “moderado”, que consistia na retirada dos baldes de fezes nos bairros periféricos da capital, interditados de cavar latrinas. Tanto o meu tio Penyane Ngilazi Makanza, quanto ao seu (dele) tio Johane Makanza Txikhondwe faleceram como indigentes.Johane Makanza Txikhondwe, foi enterrado numa Vala comum no Cemitério de Hlanguene. Fui a tempo de dar um enterro condigno ao meu tio Penyane Nguilazi Makanza, no Hlanguene em 2012, mas, longe do seu Povo. Recordo-me dos nomes de três administradores que na década sessenta “reinaram” no nosso distrito: Mário Marques de Matos, (Mabulukwane), Rodrigues Ramires Pombeiro, (Sibhakele) e um tal de Vasconcelos, o bêbado (D'i D'evi), todos eles em parte incerta em Portugal!?. Quem restitui o nosso Clã? E quem irá ressarcir-nos Eis a questão!

Kandiyane Wa Matuva Kandiya

nyangatane@gmail.com

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