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Marina: um milagre brasileiro

Por admin

Saiu da floresta amazónica para abalar a politica brasileira. Mestiça sonhou ser freira, aprendeu a ler só aos 16 anos, foi empregada doméstica, mas chegou a senadora e a ministra. Um acaso do destino colocou-a na corrida presidencial e o seu desempenho está a surpreender tudo e todos. Se for eleita, como as sondagens apontam, Marina Silva promete conciliar a defesa do ambiente com desenvolvimento económico, pós-partidarismo com conservadorismo evangélico. Resistirá o Brasil a este fenómeno?

 

A sete dias das eleições, o Brasil continua atónito com o desempenho eleitoral de Marina Silva. Ele venceu a cor, o analfabetismo, a pobreza, a doença e até o improvável nome de Osmarina. Superou o seu contexto e promete mudança, mas se eleita Presidente do Brasil será capaz de resolver os problemas de um país com mais de 200 milhões de habitantes e às voltas com um crescimento económico que não convence?

A mãe de Maria Osmarina Silva de Souza era Branca, o pai uma mistura de negros e índios. Formavam um casal de emigrantes nordestinos à procura da promessa verde, agarrados às árvores amazónicas, de onde extraíam o sustento. Marina nasceu Osmarina e o nome que tornaria conhecida só surge décadas mais tarde. Nasceu em 1958, ano em que o Brasil conquista o primeiro título mundial de futebol. A casa da família era erguida sobre palafitas, paus que tentavam preservar o lar dos terrenos alagados de Breu Velho, a 70 quilómetros de Rio Branco, capital do longínquo estado do Acre, sinónimo de fim do mundo para os brasileiros.

Foram 11 os filhos do casal, mas só oito resistiram, e a vida foi a primeira prova de Osmarina. Em 1967, a família parte para Manaus, com o sonho de abrir uma taberna. Cinco meses mais tarde, voltam a partir, para o Pará e, em 1969, regressam a Breu Velho. Endividados. Aos 10 anos, a pequena Osmarina começa a trabalhar na recolha de borracha.

Acordava às quatro da manha para apanhar madeira e acender o fogo que aqueceria o parco café, acompanhado de banana e ovo. Depois, com as seis irmãs e irmão, partia para o seringal, para cortar o tronco das árvores e prender as tigelinhas que recolheriam a seiva. No fim da tarde, nova ronda para recolher o látex, matéria-prima da borracha. Não sabia ler, mas conhecia as quatro operações matemáticas, a única forma de não ser enganada pelos patrões que calculavam o peso e o preço do látex.

Com 14 anos, perde a mãe. E aos 15 vai para Rio Branco com três missões: tratar da saúde debilitada pelas malárias e pela hepatite, aprender a ler e tornar-se freira. Um sonho nascido dos ensinamentos da avó, que lhe garantira que as religiosas não podiam ser analfabetas. Em 1974 Osmarina era acolhida na casa das Servas de Maria. Para pagar os estudos, no âmbito do Mobral – o Programa de educação funcional de adultos criado pela ditadura militar –, trabalha como empregada doméstica e troca a religião pela luta social. Aos 16 anos está alfabetizada e precisa de mais dez anos para acabar a escolaridade e licenciar-se em História. Mais tarde viria a especializar-se em teoria psicanalítica e em psicopedagogia.

DA RELIGIÃO

À MILITANCIA

Os primeiros passos na militância política são dados no Partido Revolucionário Comunista, organização marxista que se abrigava sob o chapéu do Partido dos Trabalhadores (PT), liderada na altura pelo Histórico José Genoíno, hoje uma dos presos no âmbito do Processo do Mensalão.

Ainda Osmarina, trabalha como professora do secundário e participa em movimentos sindicais. Torna-se companheira de luta de Chico Mendes, fundando com o internacionalmente reconhecido ambientalista a delegação no Acre da Central Única dos Trabalhadores (CUT), organização fortemente associada a Luiz Inácio Lula da Silva. E com Chico Mendes e as famílias de seringueiros participa nos Chamados “empates”, correntes Humanas que abraçavam as árvores da floresta, tentando evitar a sua destruição.

Em 1986 filia-se no PT e candidata-se a deputada federal, mas não é eleita. Mas dá um passo que lhe seria definitivo: muda de nome para Marina silva, alcunha dada por uma tia, valendo-se da legislação que impedia os candidatos de utilizarem alcunhas como elementos de identificação junto dos eleitores. A mesma estratégia utilizada por outro Silva de destino célebre: Luiz Inácio Lula da Silva. Dois anos mais tarde seria a vereadora mais votada na capital do Acre. É neste ano que perde Chico Mendes, assassinado, mas nada a afasta do seu percurso. Em 1990 chega a deputada estadual e, em 1994, é eleita senadora, com o maior número de votos, tornando-se, aos 36 anos, na pessoa mais jovem a ocupar aquele cargo. É o seu passo de gigante, quando abandona a floresta e finalmente chega ao centro do Brasil. Em 2002 triplica o número de votos, mas sai do senado para entrar no governo de Lula. Marina é nomeada para a pasta do Ambiente e começam os seus conflitos com outros ministros, especialmente o responsável pela pasta da Agricultura, para quem perde a batalha contra os alimentos transgénicos. Mas é contra Dilma Rousseff – primeiro ministra das Minas e Energia e mais tarde da Casa Civil – que as batalhas seriam mais agrestes, revelando a sua perda de espaço no governo Lula, que encara a floresta amazónica como fonte de exploração, enquanto Marina a vê como alvo de preservação.

Em 2009 deixa então o PT, desagradada com a opção do Partido pelo “crescimento material a qualquer custo”. Onze dias mais tarde, filia-se ao Partido Verde e antecipam-se os momentos mais importantes da sua vida. Na campanha para as eleições presidenciais de 2010, Marina Silva tem apenas 1 minuto e 23 segundos de campanha eleitoral na televisão, mesmo assim, conquista 20 milhões de votos. Muitos dos quais através de acções desenvolvidas nas redes sociais, estratégia até então pouco utilizada no Brasil. Apesar da notoriedade, poucos brasileiros têm conhecimento da sua vida privada. Em 1980 casa-se pela primeira vez. Esta união de que nada se sabe, dura cinco anos e traz-lhe dois filhos: Shalon, psicóloga, e Danilo, empresário na área do marketing. Em 1986, volta a casar – se, com Fábio Vaz, técnico agrícola, de quem terá mais duas filhas: Moara, advogada, e Mayara, Licenciada em comunicação. Onze anos mais tarde, outro passo fundamental quando decide converter-se ao cristianismo evangélico, tornando-se membro da maior comunidade protestante do Brasil, a Assembleia de Deus.

Consolida a sua reputação de ambientalista e, na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, lá está Marina Silva no grupo de notáveis de todo o mundo que carregam a bandeira de anéis coloridos, lado a lado com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ou o maestro argentino de origem judaica Daniel Barenboim.

AMBIÇÃO MÁXIMA

O que faltava a esta mulher? Liderar o Brasil. Depois do surpreendente terceiro lugar nas eleições presidenciais de 2010, mas sem um partido forte para a apoiar, Marina aceita ser vice de Eduardo Campos, representante da elite de esquerda de Pernambuco. Filia-se ao Partido socialista Brasileiro (PSB), mas não parece capaz de empurrar o candidato para expressivas intenções de voto, que não ultrapassam os 9 porcentos. Até o destino bater à sua porta.

O avião em que deveria ter embarcado com Campos cai no Estado de São Paulo e as eleições, que pareciam garantidas para Dilma Rousseff, viram de pernas para o ar. Escolhida para substituir Eduardo Campos, Marina tem até 5 de Outubro para se reinventar, sem perder a essência que a define.

Contrária à legalização da maconha, ao aborto e ao casamento de pessoas do mesmo sexo, Marina Silva tem tentado transformar o que os críticos acusam de um excessivo conservadorismo social, decorrente da sua condição de evangélica, na manifestação de que é representante da chamada “política nova”. E anuncia que questões fracturantes para a sociedade brasileira devem ser decididas através da realização de referendos.

SALTO PARA

A LIDERANÇA

A concorrência não gostou de ver Marina saltar para a liderança das sondagens (Dilma Venceria no primeiro turno, mas seria obrigada a uma segunda volta, na qual Marina leva vantagem). A actual Presidente e o terceiro candidato, o herdeiro de Fernando Henrique Cardoso e candidato das elites económicas, Aécio Neves, reagem. Os rendimentos de Marina passam então a fazer parte das polémicas da campanha. Marina vive da realização de conferências em instituições, de escolas a bancos, como o Santander ou o Crédit Suisse ou empresas multinacionais como a Unilever. Mas, desde que se candidatou à Presidência, recebe um salário do PSB, com que paga o aluguer da casa numa área nobre de Brasília e ocupa um apartamento em São Paulo, emprestado por um empresário.

Outra polémica é a actividade profissional do seu marido. Fábio Vaz de Lima, foi Secretário-adjunto de Desenvolvimento Florestal, Indústria, Comércio e Serviços Sustentáveis do governo “petista” do Acre, tendo sido acusado de contrabando de um lote de seis mil toros de mogno.

As sondagens mais recentes continuam a apontar para uma polarização entre Marina Silva e Dilma Rousseff, cada uma com um terço dos votos, ficando Aécio Neves na terceira posição, com 15% das intenções dos eleitores. Num segundo turno, a divisão acirra-se, com Marina a chegar aos 46 porcento e Dilma a ficar-se pelos 39 porcento, de acordo com o Instituto brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE).

Apesar das origens rurais, a novidade da candidatura de Marina Silva está na sua capacidade de congregar o apoio de jovens urbanos, desiludidos com a política e a corrupção, com o conservadorismo dos eleitores evangélicos. Mas a batalha está longe de estar ganha. A poderosa máquina eleitoral do PT, há 20 anos no poder e sem nenhuma vontade de o abandonar, não vai perder uma única oportunidade de destruir Marina. Mas, a seu favor, a candidata dos PSB tem o cansaço de Brasileiros com os 20 anos de governação PT, com os eleitores a verem em Marina Silva a oportunidade de um voto de protesto, mais do que uma afirmação de confiança nas suas propostas, na montanha russa da campanha presidencial Brasileira, há sempre novidades emocionantes. Há uma semana, a soturna capa vermelha e negra da revista”veja” obrigou a um reposicionamento estratégico dos candidatos. As denúncias feitas por um ex-diretor da petrobrás, preso desde Junho, sujaram ainda mais a candidatura de Dilma Rosseff com acusações de corrupção. Paulo Roberto Costa apresentou uma lista com cerca de 30 nomes de políticos envolvidos num esquema de pagamento de propinas milionárias (3% de comissão sobre o valor dos contratos da empresa pública).

Praticamente todos os acusados fazem parte do governo ou são aliados da actual Presidente Brasileira, mas o nome de Eduardo Campos não ficou de fora, salpicando assim também a candidatura de Marina Silva. Os analistas políticos consideram que esta poderá ser a última oportunidade de Aécio Neves tentar mudar o jogo eleitoral e sair da terceira posição a que parece relegado. Entretanto, tentando afastar-se dela mesma e do seu legado, Dilma Rousseff promete profundas mudanças na equipa ministerial, com a certeza de que Guido Mantega, actual ministro das finanças, será o primeiro a partir.

E se a fé evangélica de Marina Silva é considerada como um elemento difícil de absorver para uma parte da sociedade, não é de ignorar a força eleitoral dos protestantes naquele país, que já representam 22 porcento dos votos brasileiros. Em 2010, não eram mais de 9 porcento. O número de parlamentares evangélicos tem crescido ao impressionante ritmo de 20 porcento a cada eleição presidencial. Hoje já são 73 os parlamentares que professam esta fé, mas há quem pensa que 100. Apesar da expressividade dos números, não se podem contar os votos evangélicos como um bloco certo nas urnas de Marina Silva. A heterogeneidade do grupo não dá garantias. Não se pode esquecer que Dilma Rousseff conta com o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus. E que, há menos de duas semanas, quando os assessores de Marina se desdobravam para estancar a crise aberta pela revisão do programa eleitoral do PSB, com a recusa do casamento homossexual, a intenção de voto em Marina Silva passou de 41 porcento para 39 porcento entre os evangélicos.

APOIOS E DESILUSÕES

Quem se juntou aos críticos de Marina Silva foi Leonardo Boff, intelectual de referência no Brasil, conhecido sobretudo pela sua militância em nome da Teologia da libertação, que fez dele um alvo do Vaticano (durante o papado de João Paulo II). Boff que conhece Marina silva desde o Acre, não poupa nas críticas à candidata: “Está cada vez mais claro que tem um projecto pessoal de ser Presidente, custe o que custar.”

Apoiada por Caetano Veloso, por militares e pela socióloga Maria Alice Setúbal, a Neca, Representante da poderosa família proprietária do Banco Itaú, Marina diz que o Brasil Merece mais do que um gerente e diz-se disponível para governar com “homens e mulheres de bem”, sem especificar o que quer dizer com isso. As maiores críticas vão justamente para o seu discurso, considerado vago e com recurso a expressões ocas como “quero a democratização da democracia”.

“Um dos pontos de interrogação em torno da sua candidatura é se Marina Silva, como religiosa, será capaz de respeitar a laicidade do Estado, caso seja eleita. Como seria o governo de Marina Silva é uma incógnita, o que pode significar uma possibilidades e transformação, mas também estagnação, repetição ou até mesmo fracasso.

As pesquisas têm mostrado que, pelo menos até agora, há uma parcela significativa de brasileiros propensas a escolher o risco em vez de certezas que preferem rejeitar. Essa é a eleição mais fascinante desde a primeira de Lula, em 2002. Desta vez, também pelas viradas repentinas e mudanças de curso na campanha. “Até 5 de Outubro nada é certo e muito pode acontecer”, explica ao expresso Eliane Brum, escritura Brasileira. Marina Silva jamais esteve tão próxima da Presidência do Brasil. Com o seu ar severo e as suas roupas sóbrias de detalhes étnicos e o carrapito preso atrás da cabeça, é alérgica a produtos industrializados e diz que sempre que o ecossistema se altera, algo nela sofre e que, por isso, usa uma batom feito por ela mesma, à base de suco de beterraba. Confiante, desfila um estilo que lhe é próprio e que sinaliza para o mundo uma síntese que terá de provar ser capaz de concretizar no arenoso terreno da política.

MARINA

No dia 5 de Outubro, contrariamente ao que muita gente pensa, não há só presidenciais, antes eleições para 1627 cargos, a que concorrem 24 mil candidatos de 32 partidos ou coligações! Serão, designadamente, eleitos os 513 deputados federais e um terço (27) dos senadores, essenciais para a formação de maioria (s) que viabilizem a acção do Executivo, 27 governadores de estado e 1509 deputados estaduais.

in revista – expresso

 

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