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Guerra ao Califado

Por admin

Os estados Unidos e os seus aliados preparam-se para Atacar o bastião do grupo terrorista no Iraque, mas o verdadeiro desafio é os caos que pode instalar-se depois.

Às portas de Mossul, a maior cidade sob controlo do autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS), há uma exército de cerca de 25 mil homens que representam de forma transversal a sociedade iraquiana: sunitas determinados a livrarem-se eles próprios de sunitas fanáticos; milícias xiitas ávidas de reafirmar a autoridade de Bagdade; peshmergas, os duros combatentes curdos, prontos a cortar rotas de fuga e de reabastecimento da cidade.

A última vez que o ISIS enfrentou o exército iraquiano em Mossul – em Junho de 2014 -, os soldados do governo derreteram como gelados ao sol. O pânico instalado ajudou a derrubar o primeiro-ministro, Nouri-al-Maliki, e ameaçou por um breve período a capital Bagdade. No entanto, agora as tropas serão treinadas de fresco, argumentam os EUA, e estarão bem comandadas. Vão combater com o apoio aéreo de drones e bombardeiros norte-americanos, e é provável que tenham forças de elite ocidentais lado a lado, para identificar alvos e definir táticas. Juntos formarão um conjunto esmagador.

De acordo com uma apresentação do Comando Central Americano (Centcom), dois mil efectivos do ISIS estão em Mossul. A doutrina militar diz que são precisos cinco homens para desalojar um combatente inimigo de uma posição fortificada. Esta força vai ter o dobro. “Vai haver cinco brigadas iraquianas. Três brigadas mais pequenas que incluem uma força de reserva” diz o oficial do Centcom. “Vai haver três brigadas de peshmergas que ajudarão a assumir o controlo a partir do Norte e a isolar a cidade a partir do Oeste. E haverá o que nós chamamos uma força de combate de Mossul”, constituída por antigos polícias de Mossul. Uma brigada de especialistas iraquianos em contraterrorismo completa as forças de ataque.

Os senadores republicanos John McCain, do Arizona, e Lindsey Graham, da Carolina  do Sul, criticaram a decisão do Pentágono de revelar tanto os planos, mas os americanos  estavam a enviar a mensagem de que não é só um lado que joga o jogo da intimidação. O oficial do Centcom fez notar, com a intenção de neutralizar a propaganda do ISIS, que a batalha de Mossul surge depois de meses a isolar as posições do ISIS, com uma força multinacional aérea, liderada por caças e bombardeiros americanos. Os voos de reconhecimento já chegam aos milhares, dizem fontes militares; as bombas da coligação destruíram milhares de alvos – veículos, edifícios, refinarias de petróleo, mesmo posições mais pequenas, como trincheiras. Estima-se que seis mil ou até mais combatentes do ISIS tenham morrido e seriam bastantes mais, não fosse o facto de os terroristas terem medo de aparecer em número suficiente para serem atingidos.

O ISIS com medo? Isto é novo. Um exército terrorista cercado, a enfrentar um contra-ataque poderoso, perturba a imagem que se tornou comum: legiões destemidas e em crescimento, com soberania sobre um território equivalente a metade de Portugal, que exibem terroristas do Líbano ao Paquistão. Mais espantosos do que os seus precursores da Al Qaeda, na opinião de muitos especialistas, o ISIS é mais do que uma rede de células terroristas ou mesmo uma milícia: é quase uma nação. Nas áreas sob o seu domínio, cobra impostos e presta serviços públicos com uma mão, enquanto com a outra abate prisioneiros e exige resgates. Os seus exércitos são formados por arsenais roubados, pagos com dinheiro de saques a bancos.

Bin Laden falou da criação de um novo califado para liderar todos os muçulmanos do Mundo. O líder do ISIS, Abu Bakr al-Baghdadi, declarou-se a si próprio o novo califa em Junho passado – e milhares de jihadistas juraram lealdade à bandeira preta em todo o mundo. Os apoiantes só vêem força na propaganda ultraviolenta do movimento, que tira partido dos Media do século XXI para comunicar a visão do Armagedão, do século VII.

Os ataques da coligação ainda não conseguiram interromper o fluxo contínuo dos vídeos cuidadosamente encenados. Quem filma não poupa os pormenores, mostrando homens ocidentais encapuzados como que a dizer que o ISIS está em todo o lado. Conseguem captar as atenções na Internet variando o tipo de atrocidades que mostram – da decapitação de prisioneiros sozinhos a um piloto jordano queimado vivo, passando pela execução em massa de 21 cristãos coptas egípcios, na líbia. Vestem as vítimas com macacões laranja, evocando os prisioneiros de Guantánamo.

“Estão a tentar estabelecer-se como a organização terrorista de vanguarda que está  em guerra com o Ocidente, em nome do Islão”, explica Ben Rhodes, conselheiro de segurança nacional do Presidente Obama. “Por essa razão, precisam de atrair toda a atenção que conseguirem.” Contudo, qual é a imagem do ISIS que está mais próxima da realidade? É a força vacilante atingida por bombas da coligação? Ou é o califado triunfante exibido nos vídeos do ISIS? A resposta reside num emaranhado complexo algures a meio caminho. Como força militar, o ISIS só tem força do vazio que ocupa. Onde reina a anarquia, as unidades pequenas mas implacáveis podem acumular vitórias rápidas. Mas contra inimigos disciplinados e bem equipados, o ISIS desaparece. Como ideologia, o movimento é talvez demasiado violento para conseguir  uma adesão substancial. O ISIS alimenta-se do caos. É provável que o Ocidente veja mais lobos solitários a dedicar actos de violência aos jihadistas do ISIS. Mas, por agora, a organização de Al-baghdadi prefere recrutar ocidentais para os campos de batalha da Síria e do Iraque, em vez de lhes atribuir missões terroristas nos países de origem. Foi o que sucedeu a 25 de Fevereiro, quando três residentes de Brooklyn – um cazaque e dois uzbeques- foram presos e acusados de tentares apoiar o ISIS.

A grande ameaça do ISIS- mesmo para os desgraçados que vivem sob as suas regras são os danos imprevisíveis que podem surgir depois de se tentar erradicar o grupo. Um número crescente de países parece determinado a derrotar o ISIS, ainda que o grupo continue a provocar os inimigos. Porquê? Um labirinto de acasos e imprevistos separa a batalha de Mossul do fim do conflito, cujos efeitos se desconhecem. O ISIS está a atrair o mundo para uma armadilha. O sempre conturbado Médio Oriente enfrenta crises em todas as frentes: Primavera árabe em farrapos; conflito em ebulição entre sunitas e xiitas; milhões de refugiados provocados pela guerra civil síria;  Iémen e líbia sem governo; o Sinai a escapar à soberania do Egipto; o Irão, apesar de fustigado pelas sensações económicas, a conseguir afastar os EUA de Israel. O ISIS tem ligações a todos estes conflitos. Não será fácil controlar essas ligações sem tornar tudo ainda pior. É exactamente o que o ISIS quer: tornar tudo pior.

A NATUREZA DA AMEAÇA

O ISIS responde por vários nomes: Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS), Estado Islâmico do Iraque e do Levante ou simplesmente Estado Islâmico. Os seus inimigos árabes referem-no, num tom irónico, como Daesh. A história do grupo é quase tão variada como os nomes que exibe. Nasceu nos finais dos anos 90, como uma célula jihadista sob a liderança de um radical jordano, conhecido como Abu Musab al-Zarqawi. E encontrou a sua missão como um ramo da Al Qaeda no Iraque, depois da invasão americana de 2003. Mesmo para os padrões desse tempo e desse lugar, a Al Qaeda no Iraque (AQI) era sedenta de sangue; desencadeou uma série de atentados suicidas e decapitações gravadas em vídeo, com xiitas como alvos principais. É possível que alguns companheiros sunitas de Al-Zarqawi, do comando central da Al-Qaeda, não tenham gostado dos seus métodos; diz-se que foi uma fonte da Al-Qaeda que denunciou a sua localização pouco antes de  ter sido morto no esconderijo, por um par de  bombas inteligentes americanas, em 2006. Os dois sucessores de Al-Zarqawi foram mortos em 2010, altura em que Al-Baghdadi assumiu o comando. Figura misteriosa, não se sabe se soldado ou clérigo, preferiu seguir a cartilha de Al-Zarqawi, cometendo assassínios em massa. Fê-lo, ainda que as tácticas excessivas da AQI tenham estado na origem da revolta de 2005, conhecida como Despertar Sunita, que levou as tribos a erguerem-se contra os terroristas, na esperança de um futuro menos violento. Alguns dos melhores soldados de Al-Baghdadi acabaram na vizinha Síria, onde foram parar à prisão, sob ordens do ditador pró-xiita Bashar Al-Assad. Mas foi então que sucedeu uma coisa estranha. Depois da onda de protestos contra tiranos corruptos que varreu o Médio Oriente em 2011, Assad viu-se numa luta desesperada pelo poder. Para justificar a repressão brutal que se seguiu, soltou os jihadistas, sabendo que iriam juntar-se à luta contra o seu governo. Quando o fizeram, disfarçou a repressão dos seus inimigos sob um manto de antiterrorista.  

Enquanto isso, os americanos saíram do Iraque e o primeiro-ministro, o xiita Al-Maliki, atacou os sunitas mal partiram. Os líderes políticos sunitas foram afastados e os  protestos sunitas violentamente contidos. Vozes críticas acusaram Al-Maliki de fechar os olhos ao trabalho dos esquadrões da morte xiitas. Oprimidas e ressentidas, as mesmas tribos de Anbar que afestaram a AQI durante o despertar Sunita  apoiaram o regresso do grupo, agora liderado por AL-Baghdadi. O ambiente estava preparado para o ISIS entrer em força no Iraque. O apoio das povoações surgiu em primeiro lugar como uma reação normal à injustiça que os sunitas tinham enfrentado de diferentes governos iraquianos – especialmente do governo de Al-Maliki, diz Muthasher al-Samuraei, antigo governador da província de Saladino, agora controladada em grande parte pelos homens de AI-Baghdadi. “O ISIS disse aos sunitas que estava aqui para os apoiar.”

A questão era muito mais simples do que podia parecer. As tropas de Al-Baghdadi correram aos longo do Noroeste do Iraque em direcção a Bagdade, não por serem uma força militar imparável mas porque ninguém as queria parar. Cidade após cidade, encontraram povoações sedentas de um campeão. Foi um verdadeiro passeio.

Uma força pequena, uns 25 mil a 30 mil homens, espalhou-se pelos dois países, de acordo com os serviços secretos americanos – o ISIS capitalizou o conflito na Síria e no Iraque para parecer muito maior. A Marginalização e o ressentimento que grassam em áreas sunitas são verdadeiros”, diz Aron Lund, editor do Blogue A Síria em Crise, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional: E desde que persistam, o ISIS tem como existir.

O triunfo militar pode ter sido menor do que parecia, mas o ISIS tem sido brilhante a Vender a ilusão da invencibilidade. Muitos milhares de futuros jihadistas, que frequentam mesquitas improvisadas e salas de chat na Internte, ou seguem o ISIS no Twitter, olham para o grupo de AI-Baghdadi como o primeiro cavalo vencedor a aparecer em anos.

A AI Qaeda perdeu o poder de atracão no imaginário radical. Aqui estava o ISIS, sangrento e destemido, a querer por em prática as visões medievais dos filósofos jihadistas.

Em Ilford, subúrbio de Londres Oriental, um simpatizante do ISIS e defensor activo da JIhad, Anjem Choudary, conversa com a Time para explicar o apelo que vê no movimento. Tudo se resume aos textos sagrados, diz. Os assassínios em massa e as imolações são exigidas, acredita, por certas passagens do Corão. Quando se começam a ver certas coisas, como crucificações e decapitações, as pessoas dizem: “nunca vi isso antes!”, diz Choudary.”Mas sempre estiveram no Corão.” O que é novo é o califado restaurado, o qual, diz, muda as regras de como essas punições podem ser aplicadas, de acordo com uma interpretação extrema de textos antigos. Antes não houve uma realidade em que um califa pudesse pôr em prática esses aspectos do código penal.”

Esta leitura do texto fundador do Islão está longe de leitura dominante. Mas se a orgia de matança de AI-Baghdadi causa repulsa em milhões de muçulmanos, também atraiu uns milhares de ocidentais para a Síria e o Iraque, para defender o Califado. A questão é se a violência extrema trava a dinâmica do ISI, diz Fawaz Gerges, professor da cadeira “Emirados”, de estudos contemporâneos do Médio Oriente, da London School of Economics. “O ISIS granjeou apoios ao conquistar territórios aos governos do Iraque e da Síria, mostrando, por obras e acções – nós apenas pela retórica -, que é capaz de ajudar as comunidades sunitas a defenderam-se a si próprias”, diz.

In Visão

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