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“Vai haver uma votação massiva”

Por admin

Texto de Alfredo Dacala e Fotos de António Luís

O académico Hermenegildo Loiane, psicólogo e docente da Universidade Pedagógica, na cidade da Beira, província de Sofala, afirma que as presentes eleições terão um alto nível de participação popular porque decorrem num momento de “fervilhar de debate político sobre o fim das hostilidades.

(…) Então, as pessoas vão querer participar como forma de tomada de decisão nessa discussão”. Siga a entrevista em discurso directo.

A campanha eleitoral está já no fim. Esta é a última semana. Fora os discursos políticos, como é que viu este processo?

Comparativamente aos processos anteriores, nós que passamos por eleições autárquicas no ano passado, podemos dizer que, no geral, a campanha decorreu da forma como os moçambicanos queriam. Cada um usou o discurso dele, usou-se a caravana, sem grandes incidentes, sem insultos (fora os casos reportados em Gaza e Nampula), o que demonstra um certo nível de maturidade do eleitorado. Penso que isso também é produto do acordo que os partidos políticos fizeram sobre o código de conduta e da campanha de educação cívica que os próprios partidos fazem. O outro factor, penso que é o discurso não provocador. As pessoas, os políticos, os partidos transmitiram a sua mensagem política, sem provocação, sem aqueles ataques pessoais, contrariamente ao que vínhamos vendo nos anteriores processos.

Em relação à cidade da Beira, a disputa aqui pode ser feroz, o que acha sobre o seu desfecho? 

Lá por fora diz-se que Sofala parece um centro político, não só o centro do país. Eu penso que as coisas vão ser renhidas. Com a entrada da Renamo, penso que os resultados não serão tão bons assim para o MDM, porque como se sabe, boa parte dos militantes são dissidentes da Renamo. Até os quadros seniores do MDM provém da Renamo. Então, com a entrada em cena da Renamo pode ser complicado para MDM. Depois, a Frelimo terá o seu eleitorado sempre em dia. Acho que aqui, a vantagem é para a Frelimo.

Em relação a Sofala, portanto, a toda a província, as pessoas conviveram muito com a Renamo. Boa parte dos distritos de Sofala, até certo ponto, simpatiza com a Renamo. Não esqueçamos que, apesar de não ser esse o nosso sonho, sempre há um toque, nos países africanos, nós não somos excepção, de voto tribalista, etnicista, etc. A Renamo, nos distritos onde esteve muito tempo durante a guerra dos 16 anos, tem simpatia, seguramente. Com a criação do MDM, começou a perder um pouco esse eleitorado. Mas, seja qual for o cenário, eu penso que quem sai a ganhar com tudo isso é a Frelimo, quer na cidade, quer no campo. Aqui na cidade da Beira, faz-se contratempo com a entrada da Renamo e no campo com a entrada do MDM.

Que cenário político teríamos no país, com um eventual grande equilíbrio no Parlamento entre as principais forças políticas?

Supondo isso, acho que seria o coroamento do acordo de cessação das hostilidades. Portanto, todos aqueles documentos, aquelas reclamações da Renamo que foram acomodadas. Seria a implementação de todas aquelas reclamações. Quer dizer, se nenhum dos partidos tiver a maioria absoluta, então será a continuidade do diálogo. No Parlamento, haveria diálogo constante e não imposição do tipo, se não quiserem participar, podem sair, mas a lei fica aprovada.

Tendo visto agora a campanha eleitoral, pensa que um cenário desses é possível?

Nós não conhecemos os conteúdos das pastas assinadas na “Joaquim Chissano”. Mas podemos pensar que, através das garantias desse acordo, a população, os próprios políticos, a maturidade dos políticos, tudo fica um pouco mais aberto. A forma de pensar, o dever político, vai ficar um pouco diferente daquilo que vínhamos assistindo. Mesmo não sendo desse jeito, mesmo que um dos partidos tenha a maioria parlamentar, o acordo também vai influenciar, do ponto de vista psicológico, a maneira de se tratarem uns aos outros em público. Sabemos que, pessoalmente, em privado, tratam-se muito bem, em relação ao quando vem a público.

FALTA UM DISCURSO DIFERENTE

Como é que vê o discurso político actual. Como é que ouve os conteúdos dos discursos nesta etapa final? Como é que analisa o que eles dizem? 

Falta-nos um discurso diferente. Esse discurso diferente para mim seria falar de coisas intangíveis. Nem só do pão vive o homem. Existem coisas que se falam nos bastidores. Por exemplo, vi um dia uma reportagem sobre de dissidentes do MDM que foram para a Frelimo ou para a Renamo. A justificação é de que aqueles ali nos tratam de forma tribalista. E quando saem da Frelimo dizem que “ali me desprezaram”. Tudo isso para mim é reflexo duma coisa que não se diz. As pessoas sabem que seja quem for a governar se não tiver dinheiro não pode fazer nada.

Então, o discurso que se faz é discurso de base. Quando é a Frelimo é “Unidade Nacional”. Se pegarmos o MDM é “Moçambique para Todos”. São sinónimos. “Moçambique para Todos” é o mesmo que “Unidade Nacional”. Quer a Renamo, tirando o discurso belicista que havia de dividir Moçambique a partir do rio Save, o discurso actual é também de unidade. Quer a Frelimo, quer a Renamo, quer o MDM estão a falar de paz. As promessas que se fazem podem resumir-se no bem-estar e desenvolvimento. Nesse sentido, os eleitores, se compreendem, então sabem que a mensagem é a mesma. Então, a questão do voto é uma questão de simpatia. A mensagem é a mesma: Unidade Nacional, seja que nome quer-se dar. A mensagem é paz e desenvolvimento.

Então chegamos à conclusão de que a escolha é por simpatia, não tanto pela mensagem. Naturalmente, a Frelimo sai a ganhar com isso, porque dizem que a primeira impressão é que fica. A Frelimo começou com constitucionalidade, desenvolvimento, entre outros, há muito tempo.

Então, este tipo de discurso satisfaz o eleitorado, na sua opinião?

Penso que o discurso dos políticos devia ser outro. Por exemplo, se alguém disser que há tribalismo devia mostrar dados. Dizer olha, as pessoas que tomam realmente as decisões em Moçambique estão na Sommerschield. Ou, por exemplo, ministros, antigos ministros, Chefe do Estado, de onde é que realmente são provenientes? Esses dados deviam ser mostrados para se falar com propriedade. Existe tendência generalizada no centro, alguns jornalistas até já fazem umas entrelinhas sobre isso, e já escutei na RM no programa café da manhã, a dizer-se que só se está a desenvolver o sul do país, no norte não se vê nada. Mas se você tiver dados concretos, então pode mostrar que aqui houve investimento de tantos milhões de dólares. Aquele investimento em Tete não está no sul. O nível de crescimento da Linha de Sena, não está no sul. Falta esse discurso pragmático para combater algumas tendências que vão contra as três linhas fundamentais do discurso da campanha.

Se escondem estes dados. Cada político chega e diz: vou fazer mais estradas, mais linhas férreas e vou trazer mais energia. Mas você vai fazer como? Falta-nos essa parte nas promessas de alguns candidatos. Quando é vai fazer? Com quem vai fazer? Quais são os meios? Não é prometer por prometer.

“SHOWMÍCIOS” NA ÚLTIMA SEMANA

Acha que este tipo de discurso não cansa o eleitorado? Todos os dias a bater na mesma tecla?

Penso que os políticos devem ter assessores à altura de lerem comportamentos sociais. Acho que nesta parte final vai-se mudar de estratégias. Em vez da campanha porta-a-porta, vai-se entrar na fase dos showmicios. As pessoas vão dançar e comer, essa é outra estratégia de arrebatar eleitores. Essa é outra forma de fazer as coisas, dançando mais, no lugar de andar na rua. Veja que há coincidências nas coisas. Um exemplo simples: a coincidência do candidato Nyusi e do candidato Simango. Os dois começaram em Nampula. Depois, os dois foram para Tete. Isso significa que os analistas ou programadores das suas campanhas vêem mais ou menos o cenário da mesma maneira. O Dlhakama, que ficou atrasado, começou em Manica. Mas essa coincidência demonstra um certo nível de semelhança naquilo que se pretende, na maneira como se vê o país.

Os níveis de abstenção vão cair                    

O grande monstro da política sobretudo nas eleições, é a abstenção. Será que estas eleições serão muito participadas ou os níveis de abstenção vão continuar relativamente altos?

Não. Os níveis de abstenção não vão ser os mesmos das eleições anteriores. Acho que vai haver maior nível de participação dos eleitores, porque as eleições vão decorrer num cenário em que os meses anteriores estavam a fervilhar de debate político sobre o fim das hostilidades. Uns diziam: a Frelimo não quer saber disto, não quer flexibilizar, outros que a Renamo está a fazer exigências exageradas, está a matar pessoas, etc. Essas coisas todas despertam a vontade política das pessoas. É como se a política estivesse ainda muito fresca. Os assuntos políticos ainda são muito frescos para as pessoas estarem a parte disto. As entrevistas que são feitas na rádio, jornal e televisão, os debates públicos, são ainda muito vivos. As pessoas vão querer participar como forma de tomada de decisão nessa discussão. 

 

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