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Não pedimos coisas impossíveis ao governo- Luís Sitóe

Por admin

Texto de Jorge Rungo e Fotos de Jerónimo Muianga

O governo e o sector privado alcançaram há dias um acordo para a fixação de quatro encontros por ano para garantir que os entendimentos que se vão alcançar sejam materializados, monitorados e que as partes assumam a responsabilidade em caso de incumprimento.

 Para a (CTA) este é um passo vital, pois nos últimos 18 anos foram arroladas 108 questões que não foram atendidas. Eis os principais excertos da entrevista concedida por Luís Sitoe, director executivo desta colectividade empresarial

Nos últimos meses, a CTA fez tudo o que pôde para passar a ter encontros regulares com o Primeiro-ministro, no lugar de reunir com o ministro da Indústria e Comércio. A que se deve esta mudança?

Da análise que fizemos sobre a coordenação do diálogo ao nível do Ministério da Indústria e Comércio (MIC) verificamos que não estava a dar resultados.

Porquê?

Para nós o MIC é um ministério que tem que fazer uma coordenação horizontal pelo que a probabilidade de outros ministros, alguns dos quais seniores em relação ao da Indústria e Comércio, anuírem às decisões este é reduzida.

Só por isso?

Tem mais. O próprio MIC tem assuntos próprios na sua agenda de reforma para fazer, pelo que, na nossa óptica ele estava a funcionar como árbitro e é jogador. Pretendemos que essa coordenação e monitoria mude e que se eleve do ministro da Indústria e Comércio para o Primeiro-ministro, porque tem outro poder sobre os ministros.

Qual é a vantagem?

Ele pode questionar sobre o que está feito, porque não foi feito.

No modelo anterior ninguém questionava?

Questionava-se, mas era uma vez ao ano, quando o mal já estava feito. O que pensamos que vai acontecer, com a regularidade que o próprio Primeiro-ministro aceita dá-nos a certeza de que desta vez podemos ter uma outra dinâmica neste processo do diálogo.

Mas será que os assuntos se acumularam até chegar a 108 só porque estavam a dialogar ao nível do MIC?

Em parte era isso. Também isso pode ter acontecido devido à própria capacidade do governo de fazer algumas reformas que requerem estudos e análises que, sob o nosso ponto de vista, pecavam por não acontecer em tempo útil. Em alguns casos estava claro que os assuntos não eram vistos como prioritários. Os ministros tem suas agendas que as vezes não priorizam aquilo que está na matriz.

A ponto de acumularem 108 questões sem resposta?

Na verdade eram 108 prioridades identificadas depois de uma limpeza feita, porque esse diálogo começou há muito tempo. Os assuntos transitavam de ano para ano e, num dado momento, chegamos a 312 assuntos. Fizemos uma limpeza e chegamos a 108 assuntos. Fizemos mais uma limpeza e algumas coisas foram realizadas e ficamos com 87 matérias.

Mesmo assim, não deixa de ser muito…

Foi por causa disso que em 2013 o sector privado foi chamado a apresentar dois assuntos prioritários de cada pelouro. Chegamos a um conjunto de 22 a 23 preocupações por resolver.

Qual foi o nível de resposta que obtiveram?

Fizemos o balanço em 2014 e o grau de realização foi de 24 por cento.

Muito pouco… Isso mostra que algo não está bem de um dos lados.

Para nós, se há um acidente num cruzamento procuramos as razões no motorista ou na viatura, mas se começamos a ter acidentes constantes, de minuto a minuto, temos que ver o perfil da via. Por outras palavras, acreditamos que se temos acesso a um maior poder político, com maior regularidade e que faz a monitoria, os sectores ver-se-ão induzidos a concretizar os trabalhos que se comprometem a fazer.

Mas para terem tantos assuntos sem resposta devem ter andado a pedir coisas difíceis ou mesmo impossíveis. Não acha?

Estamos a passar de um modelo em que o sector privado vai com um conjunto de acções e diz ao governo “resolva” para um cenário em que discutimos com o governo e apontamos as possíveis soluções. Se o governo responder positivamente definimos uma matriz e aí não há como dizer que estamos a pedir coisas impossíveis porque a matriz tem uma agenda conjunta, aprovada e negociada.

TANTO FEZ OU TANTO FAZ

Uma das coisas que o sector privado contesta é a Inspecção Não Intrusiva, feita pela Kudumba. Não é uma dessas coisas impossíveis que pedem?

A Inspecção Não Intrusiva é uma coisa boa. O problema começa quando o camião do agente económico não passa por nenhum ponto de verificação e, mesmo assim, ele tem que pagar.

Então o problema não é de rejeição das propostas do sector privado…

Não é problema de rejeição. Nós próprios estamos a ir para uma situação em que queremos aprofundar cada assunto que levamos ao governo. Há uma constatação de que os custos de logística são altos e um dos motivos é a Taxa Rodoviária. A proposta de solução é que se faça a cobrança por troços ou por quilometragem, mas estamos a aprofundar a análise deste assunto.

Aí se levanta o problema das vias que não têm portagens…

Pois, por isso é que estamos a dialogar internamente para ver se estamos a propor soluções factíveis ou não. O que sei é que em todos os países onde não há portagens a cobrança por troço não se faz e não é previsível que a curto prazo tenhamos portagens em tudo que é estrada neste país para começarmos a cobrar a Taxa Rodoviária por troços. Por causa disso vamos ter que continuar a discutir qual seria a melhor média da Taxa Rodoviária. Porém, a ideia parecia brilhante no começo. Com as portagens poderíamos controlar em que ponto é que a viatura entrou para estrada e quando é que saiu e poderiam não pagar à entrada, mas sim à saída.

Na nova abordagem falam em responsabilização. Quer decifrar o que é isso?

O estamos a dizer é que se há uma matriz, no momento de balanço o sector que tinha que implementar uma determinada acção esteja em condições de dizer que não fez e porque não fez.

Hoje isso não acontece?

Hoje não é tão bem assim. Se o sector fez está bem, se não fez também não faz muito mal. Não vemos algum nível de responsabilização. Quando este diálogo for formal e a nossa agenda for aprovada a um nível adequado, pelo Conselho de Ministros ou da Assembleia da República, no fim cada sector deverá dizer que fez ou porque não fez. É isto que queremos que aconteça ao nível de monitoria, avaliação e responsabilização.

DEBATE SOBRE ACESSO

AO CRÉDITO TERÁ FIM

Uma das questões rotineiras nos encontros que envolvem o sector privado nacional é o acesso ao financiamento. Quando sairemos dessa discussão?

Penso que este debate vai sofrendo metamorfose em função do nível de desenvolvimento da sociedade e da economia, hoje estamos a discutir a taxa de juro que é alta, estamos a discutir a questão dos colaterais que se exigem para se ter acesso aos créditos. Há medida que a sociedade evolui, vamos encontrando outro tipo de problemas associados ao financiamento. É só ver o que aconteceu nos Estados Unidos, o problema não era de dificuldade de acesso ao crédito, era a grande facilidade de acesso ao crédito que levou ao descalabro financeiro daquela economia.

Isso está claro, mas o assunto é quase vitalício. Nunca sai da mesa…

Há metamorfoses. Hoje estamos a discutir de uma maneira, mas amanhã podemos discutir da outra, o facto é que é uma das grandezas macroeconómicas que vista de uma maneira ou de outra afecta o funcionamento da economia. Penso que um dia chegaremos lá.

De que forma?

Estamos para fazer o diálogo privado-privado.

Isso é uma boa notícia. Quando?

Está para breve.

Que tema vai à mesa na primeira ronda?

Poderão ser as taxas de juro. O banco central dá um indicador que vai reduzindo, mas o impacto disso não se sente ao nível dos bancos comerciais. Significa que, eventualmente, o que a banca comercial está a perceber é que o dinheiro é barato, mas há outros factores de risco que ela quer ver cobertos via taxa de juro.

A ideia é o sector privado passar a procurar algumas soluções para os seus próprios problemas?

Exacto. Teremos que fazer esse diálogo privado-privado para saber em que medida é que a CTA pode ajudar a atacar esses factores que são percebidos pela banca comercial como de risco e que contribuem para a elevação da taxa de juro. Por exemplo, no diálogo com o governo há situações que são levantadas por um determinado sector, mas a solução eventualmente não está no governo. Está no próprio sector privado.

Exemplo?

Quando um exportador diz que a Taxa Rodoviária encarece o seu produto e fica sem capacidade competitiva, a solução pode não residir na extinção da taxa. Esta pode ser uma oportunidade de negócio para os empresários de outras áreas investirem nessa demanda pelo transporte. São esses assuntos que temos que começar a debater entre nós. Começamos nós próprios a promover o diálogo para encontrar as causas dos problemas e ver, se de facto, as soluções estão fora ou dentro.

Mesmo a propósito de problemas. Qual é o pelouro mais problemático ao nível da CTA?

Creio que o sector de finanças apresenta menos problemas.

Perguntei o contrário. O mais problemático?

É difícil de saber. O que lhe posso dizer é que há algumas reformas que devem ser feitas em algumas áreas cruciais.

Quais são essas áreas?

São várias, mas posso destacar que temos uma iniciativa da CTA que foi aceite pelo antigo Ministério das Finanças e pelo Banco Central que visa a criação de Centros Privados de Registo de Crédito que, em nossa opinião, iria reduzir, selecionar e segmentar o nível do risco dos clientes dos bancos, entre os maus pagadores, bons pagadores, pagadores moderados e o tratamento desses, mesmo em termos de exigências de colaterais e de taxa de juro. Isto está no interesse da CTA, da banca e de qualquer cidadão e até mesmo daqueles que não sabem que este instrumento vai ser aprovado.

CONTEÚDO LOCAL

Num passado recente foi introduzido o debate sobre a pertinência de as grandes empresas passarem a fazer negócios com as pequenas e médias empresas (Conteúdo Local). Está satisfeito com os resultados alcançados?

Não estamos satisfeitos, porque se há legislação dispersa que regula esta matéria e aparentemente o sector do petróleo e gás determina o que é o Conteúdo Local, há outros onde isto nem tão pouco acontece. Estamos satisfeitos com o processo, mas não com os resultados que estamos a alcançar até agora, são encorajadores, mas queremos muito mais do que está a acontecer.

Não estão satisfeitos porquê?

Por exemplo, num concurso público é desejável que se diga que ganha aquele que usará mais do recurso interno do que aquele que importa porque está dito que um dólar gasto em Moçambique antes de chegar ao prato do consumidor final tem um maior efeito multiplicador na economia do que o dólar que cai de fora para o prato do consumidor. Se o dólar é gerado aqui, circula, cria emprego, oportunidades de negócios, oportunidade de prestação de serviços, então esse dólar está a dar mais antes de ele chegar ao ponto final.

As grandes empresas “torcem o nariz” por causa da falta de qualidade…

Não estamos a dizer que o beneficiário do serviço que está em concurso aceite má qualidade. O que pretendemos é que se invista na qualidade e se dê prioridade às pequenas e médias empresas que trazem essa incorporação do que é local. Pode ser capital ou matéria-prima mas que tenha origem neste país, só assim vamos coloca-lo a crescer.

Para terminar. Que leitura faz da presente onda de xenofobia que eclodiu na África do Sul. Admite que estamos demasiado dependentes do vizinho?    

Estamos a pensar nisso, mas esta é uma matéria que precisa ser aprofundada dentro da CTA. O que significa sermos auto-suficientes em tudo que importamos? É desejável, mas temos que analisar os ganhos de sermos auto-suficientes em tudo, se estaremos de facto a beneficiar o consumidor ou estaremos a ter um mercado fechado que beneficia um segmento da economia mas prejudicando o outro. É preciso balançar.

Que solução acha que se deve buscar?

O desejável era que produzíssemos tudo o que precisamos, mas não conheço nenhuma economia no mundo que produz e consome o que precisa. Essa interdependência há-de existir, pode ser ao nível de tecnologia, produto final, bens de capital ou de conhecimento. Penso que alguma coisa está a ser mal feita no tecido social. Infelizmente o que está a acontecer na África do Sul é indesejável, mas a aposta deve ser a educação da sociedade. O que sabemos é que a África do sul está a se ressentir da crise económica mundial, e sabe-se que numa “casa onde não há comida todos ralham e ninguém tem razão”.

Fotos de Jerónimo Muianga

Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

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