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Abertas novas relações com o BID

Por admin

As relações entre o Estado moçambicano e o Banco Islâmico de Desenvolvimento (BID) ganharam um novo ímpeto na semana passada com a realização da 40ª reunião anual daquela instituição financeira em Maputo. Para além de ter acedido ao maior volume de investimento aprovado pelo Conselho de Administração Executivo deste banco, o país manifestou interesse em servir de rampa de acesso desta instituição à África Austral.

Moçambique é accionista do Banco Islâmico de Desenvolvimento desde 1995 e é, até agora, o único país da África Austral que lida com esta instituição financeira. Porém, a maior parte dos moçambicanos nunca tinha entendido o que o país ganha ou pode ganhar com este relacionamento.

Para complicar as contas de muitos, o BID funciona com base na Charia ou Xaria, que é o corpo Lei Islâmica, rotulada por meio mundo como norma feroz, justamente por ser pouco conhecida, mal interpretada e estigmatizada.

Contra esta norma pesa o facto de, na hora da punição, seja para homem ou para a mulher, se aplicarem chibatadas, pedradas e, no auge da punição, amputa-se os membros superiores do infractor, o que parece pré-histórico para uns, e excessivamente violento para outros.

Ao contrário do que muitos pensam, a Charia, que significa “caminho” ou “rota para a fonte de água”, abarca e lida com vários aspectos do quotidiano, nomeadamente com a política, economia, bancos, negócios, contractos, família, sexualidade, higiene e questões sociais, com regras próprias que se distinguem das regras de vida do mundo ocidental.

No domínio da economia, que envolve a banca, negócios, contratos e finanças, a Charia ordena que não sejam cobrados juros pela concessão de empréstimos, facto que se revela como um autêntico contraste com a realidade que se vive no sistema bancário comum.

De igual modo, a Lei Islâmica impede o financiamento a actividades ligadas à hotelaria por entender que a esta estão associadas à prostituição, venda e consumo de bebidas alcoólicas, negócios de armas e explosivos, entre outras. Melhor dizendo, na óptica da Lei Islâmica, tudo isto é pecado, ou “Haram”.

Assim sendo, o BID concede fundos concessionais e ordinários aos estados accionistas e para o sector privado e cobra aquilo a que é chamado de comissão de serviço que, na verdade, tem por objectivo garantir a assistência aos projectos onde o dinheiro vai ser aplicado.

O moçambicano António Fernando Laíce, que representou o nosso país naquela instituição nos últimos anos, e que ajudou o Ministério de Economia e Finanças a organizar a reunião da semana passada, revelou que as comissões de serviço cobradas pelo BID situam-se sempre abaixo das taxas de juro cobradas, por exemplo, pelo Banco Mundial, ou pelos bancos comerciais comuns.

Aliás, o BID, durante 12 anos consecutivos, recebeu a classificação mais elevada (AAA) das três principais agências de notação de crédito internacionais, nomeadamente a Standard & Poors, Fitch e Moody, o que é de todo sintomático.

Por estas e outras razões, o Presidente da República, Filipe Nyusi, manifestou o desejo de, a médio prazo, ver este banco estabelecer a sua presença física em território nacional “para que possa contribuir para a manutenção da estabilidade do sector financeiro, aumentar o acesso aos serviços e produtos financeiros e constituir alternativa para a oferta de capital para apoiar o desenvolvimento do nosso sector privado”.

Segundo o Chefe de Estado, é desejo de Moçambique que a médio prazo a presença do BID também se sinta ao nível do nosso sistema financeiro, de forma a contribuir para a manutenção da estabilidade do sector financeiro, aumentar o acesso aos serviços e produtos financeiros e constituir alternativa para a oferta de capital para apoiar o desenvolvimento do nosso sector privado.

Neste contexto, a instalação de uma representação do BID e a implantação das suas finanças no país serão de capital importância para a materialização de parte destes objectivos”, frisou.

Para o Presidente Nyusi, “a instalação de uma representação do BID e a implantação das suas finanças no país serão de capital importância para a materialização de parte destes objectivos. Por isso estamos confiantes que hoje, tal como no passado, o contributo dos nossos parceiros de cooperação continuará a jogar um papel importante na execução de projectos de investimentos previstos no nosso programa de governação”.

Aliás, o interesse de Moçambique acolher uma “dependência” do BID foi manifestada nas audiências que o presidente deste banco, Mohammed Ali, teve com o Presidente da República, Filipe Nyusi, e com ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleane, onde se alegou que esta seria uma janela de acesso à África Austral.

É que, apesar de Moçambique estar vinculado a este banco há cerca de 20 anos, e de ter suas quotas em dia, beneficia muito pouco do que o BID pode oferecer. António Laice afirma que até ao momento, só o sector público acede a alguns créditos concessionais.

Estamos a beneficiar pouco da parte dos créditos ordinários que é a fracção que tem mais dinheiro para infra-estruturas. Queremos evoluir para o financiamento ordinário que não depende só do banco nem da nossa vontade”, disse Laice.

Conforme apurámos, o alcance deste objectivo depende do nível de desenvolvimento económico que o país deve alcançar nos próximos anos, pois, até agora, Moçambique é classificado como de rendimento baixo para médio, apesar de também estar a anos a gerir uma taxa de crescimento de cerca de sete por cento ao ano, o que é um feito notório no mundo inteiro.

Quando o país tiver, por exemplo, rendimentos efectivos da exploração dos seus abundantes recursos minerais, incluindo o gás natural, aí sim, será possível se financiar para a implementação de projectos de infra-estruturas de grande volume que interessam para o desenvolvimento do nosso país e para a redução da pobreza.

O Presidente Nyusi disse que para a materialização dos objectivos estratégicos e aumento de emprego, da produtividade e da competitividade gerando riqueza e desenvolvimento inclusivo que o nosso país almeja, o aprofundamento da cooperação do governo com o grupo do BID é fundamental.

Para a materialização e a subsequente implementação adequada das prioridades estratégicas anunciadas para o nosso Programa Quinquenal do Governo vai exigir um volume de investimento cada vez mais elevado, sendo fundamental, a parte do uso dos recursos internos, a contribuição dos parceiros, a cooperação na prossecução do nosso desiderato de transformação estrutural da nossa economia e aposta firme da industrialização e alinhamento com estratégias da SADC e da União Africana”, sublinhou.

SECTOR PRIVADO QUASE INVISÍVEL

Se ao nível do sector público o acesso aos créditos pode ser tido como razoável, por ter recebido apenas 300 milhões de dólares em cerca de 20 anos, o sector privado não pode dizer o mesmo. As intervenções feitas são tão poucas que António Laice não consegue afastá-las do “quase invisível”.

Nos seminários realizados ao longo da semana os agentes económicos puderam conhecer as políticas do banco, como os recursos são providenciados e interagiram com os funcionários do banco para saber como as coisas são. Esperamos que o sector privado possa ser mais activo na procura de financiamento”, disse Laice.

Apesar de esta ser a expectativa do governo como um todo, os agentes económicos nacionais estão proibidos de pensar que estão perante uma fonte fácil, capaz de dar dinheiro à toa. Aqui há regras e a primeira é que todo o projecto que careça de um financiamento que se situe abaixo de cinco milhões de dólares é tratado como Pequena e Média Empresa (PME). O chamado financiamento directo é para iniciativas acima daquele valor.

Como a maior parte dos operadores privados nacionais estão classificados como PME´s, o governo pretende apostar na facilitação do acesso destes a linhas de crédito. “Estamos a ver se podemos negociar com o BID e obter linhas de crédito que possam ser utilizadas pelas PME’s. Esperamos também ter alguns bancos nacionais que possam ter esse crédito do banco para estas empresas. É uma linha muito grande para o apoio para o sector privado”.

No que se refere às parcerias público- privadas, que em geral culminam com a construção de grandes infra-estruturas, o BID oferece linhas de investimento tidas como boas e grandes que o país pode acolher sem grandes dificuldades.

DUZENTOS MILHÕES DE DÓLARES

O ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleane era um homem visivelmente satisfeito com os resultados cada vez mais animadores da 40ª reunião anual do BID. Tanto é que de uma assentada foi rubricado um importante acordo de concessão de crédito destinado ao financiamento de um projecto de construção da Linha de Transporte de Energia.

Este projecto, vital para a industrialização da região norte do país, com particular destaque para a Zona Económica Especial de Nacala, vai ligar a subestação de Chimuara, na Zambézia, à cidade portuária de Nacala, na província de Nampula, e tem o valor de 200 milhões de dólares que devem ser aplicados pela Electricidade de Moçambique (EDM).

No mesmo âmbito, Adriano Maleane presenciou à assinatura de um acordo entre o Instituto Islâmico de Pesquisa e Cooperação com o Banco de Moçambique para cooperação na área de formação. Logo a seguir, o Instituto Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique (ISCIM) também assinou um acordo para a formação de quadros e o Banco Nacional de Investimentos fez o mesmo com o CEO do BID.

O importante é que este banco financie a construção de infra-estruturas e tudo aquilo que faz crescer o desenvolvimento humano, porque isto é o que consta no nosso programa e é isso que temos que garantir que a sociedade moçambicana, ao fim de cinco anos, viva melhores dias”, disse.

Para além da assinatura do acordo de financiamento para a construção da linha de transporte Chimuarra-Nacala, Maleane conseguiu fazer passar ao Conselho de Administração do BID, alto, em bom som e em directo para a comunicação social, o desafio deste banco mobilizar fundos com os seus parceiros para financiar um troço que tem 176 quilómetros que vai permitir a ligação entre a sede do distrito de Mueda com a Ponte da Unidade, que fica no distrito de Negomano, em Cabo Delgado.

Caso o BID aceite este desafio, ficarão definitivamente criadas as condições para a ligação rodoviária efectiva entre a cidade do Cabo, na parte mais a sul da Africa do Sul, ao Cairo, no extremo norte do continente africano. “Seria uma contribuição muito grande para a aproximação da solidariedade para a troca de comércio”, concluiu.

Texto de Jorge Rungo, Angelina Mahumane e Fotos de Jerónimo Muianga

 

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