O teatro e os seus fazedores celebraram, na última quinta-feira, um pouco por todo o mundo, o Dia Mundial do Teatro. Entre nós, como já fez escola, actores e outros aficionados, juntaram-se, aqui e ali, para celebrarem a data. No meio de tantas dificuldades, os homens e mulheres do nosso teatro, persistem e teimam em desbravar um caminho cheio de escolhos e pedregulhos. Acreditam piamente que as vezes vale sofrer por um sonho, uma paixão. Viva o teatro!
O cenário muitas vezes é desanimador. Escasseia tudo ou quase tudo. Os espaços para a prática do teatro tendem a minguar a olhos vistos mas, na razão inversa, a paixão por esta arte continua em crescendo. Há uma interessante “Cavaqueira do Poste”, justamente quando “As Máquinas Param…” enquanto “É hora de mudar” tendo em conta que umBeijo no Asfalto é algo surpreendente…
As iniciativas multiplicam-se. Os actores e encenadores bem como os apreciadores teimam em gritar que estão bem vivos. A introdução do curso de teatro no ensino superior na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane é sintomática. Há vontade fazer as coisas acontecerem.
Exemplo disso é o Festival de Teatro da Beira (FestBeira) que já vai na terceira edição. Este ano o Festival junta grupos de teatro de todas as Províncias do país. Até ao fecho da nossa edição, os grupos Beira – Haya-Haya, Makaliro e Makorokoto; Dondo- Grupo Polivalente; Maputo – Mahamba; Inhambane –Xifiridjelo e EthuKheto; Manica – kwaedza; Tete – Cabvuma; Quelimane – Kassória e Retratistas; Nampula – Hopangalatana, já estavam na cidade da Beira colorindo o festival.
O FestBeira tem como objectivo geral Comemorar o dia Mundial do teatro (27 de Março) e mais especificamente divulgar o produto artístico dos Grupos Culturais, formar actores e artistas em matéria de teatro, impulsionar o associativismo cultural, Proporcionar o intercâmbio e a troca de experiências entre os grupos, Proporcionar oportunidades de formação dos actores em matérias básicas de teatro, encenação, dramaturgia, cenografia, gestão cultural, etc.
A formação é outra vertente do festival. Para a presente edição o FestBeira convidou o professor de teatro, actor e músico, Dadivo José que irá orientar várias oficinas para actores e encenadores. Na primeira edição Silva Dunduro e António Sarmento foram as figuras que orientaram os workshops
Este ano, a semelhança das anteriores edições, o festival abraça também uma causa social através da angariação alimentos, vestuários e calçados para apoiar pessoas desfavorecidas.
Chamuarianda Teatro e Entretenimento é uma associação que tem como objectivos sensibilizar e informar a comunidade em geral sobre o HIV-SIDA e outras doenças, a droga, o meio ambiente, a corrupção em geral, direitos humanos, advocacia e lobby e implementar acções para o desenvolvimento comunitário através de todas expressões artísticas e principalmente através do teatro. O colectivo é liderado por Apingar Garcia.
Fundado em 2004 como grupo de teatro, o Chamuarianga tem vindo a organizar vários eventos culturais na cidade da Beira. Em 2012, decide organizar um festival de teatro, como forma de exaltar o teatro alusivo ao dia Mundial de teatro. Nascia assim o FestBeira, Festival de Teatro da Beira.
Porque organizar festival requer dinheiro, o Presidente do Conselho Municipal da Cidade da Beira Daviz Simango, através dos Serviços Municipais de Cultura, aliou-se a iniciativa do Chamuarianga, suportando parte das despesas Festibeira.
Na primeira edição do Festbeira, participaram os Seguintes grupos: Beira – Chamuarianga, Haya-Haya, Kurarama, Só Mulheres, Acarte e Companhia Municipal; Maputo – Grupo teatral do Instituto Superior de Artes e Cultura (ISARC); Inhambane – Grupo teatral Gunduru Gumbene; Manica – Grupo de teatro e dança Kwaedza; Zambezia – Kassória; Nampula – Axinene.
O FestBeira encerra hoje com a actuação do Grupo Teatral Mahamba, de Maputo, que irá mostrar a peça “Lá na Morgue”, encenada por Mara Atália e interpretada por Dadivo José e Milsa Ussene.
O Dia Mundial do Teatro por Brett Bailey
Todos os anos, cabe a algum profissional do teatro, de qualquer parte do mundo, deixar uma mensagem, um testemunho, para todo o mundo, que reflecte o estado do teatro a nível mundial. Este ano, foi a vez de Brett Bailey, um dramaturgo sul-africano, deixar a sua mensagem, que passamos a citar:
Onde quer que exista a sociedade humana, o seu Espírito irrepreensível de Representação manifesta-se.
Nas pequenas aldeias e em palcos ultra modernos nas grandes metrópoles. Nos espaços de recreio nas escolas, nos campos e em templos; em bairros de lata, em praças nas grandes cidades e nos centros comunitários as pessoas congregam-se para comungar os mundos efémeros do teatro que criamos para exprimir a nossa complexidade humana, a nossa diversidade, a nossa vulnerabilidade, em “carne viva”, em respiração e em voz.
Juntamo-nos para chorar e para relembrar; para rir e para contemplar; para aprender, afirmar e imaginar. Para nos maravilharmos com a destreza técnica e para encarnar os deuses. Para suster o nosso sopro vital perante a nossa capacidade para a beleza, a compaixão, a monstruosidade. Vimos para obter a energia e o poder. Para celebrar a riqueza das nossas culturas tão diferentes, e para dissolver as fronteiras que nos dividem.
Onde quer que exista a sociedade humana, o seu Espírito irrepreensível de Representação manifesta-se. Nascido da comunidade, transporta as máscaras e os costumes das nossas diferentes tradições. Explora as nossas linguagens, os ritmos e os gestos e abre um espaço entre nós.
E nós, os artistas que trabalhamos com este espírito ancestral, sentimo-nos compelidos para o canalizar através dos nossos corações, das nossas ideias e dos nossos corpos para poder revelar as nossas realidades em toda a sua mundanidade e mistério.
Mas, nesta era em que tantos milhões lutam desesperadamente por sobreviver, sofrem sob regimes opressores e capitalismos predatórios, e fogem de conflitos e de provações; em que a nossa privacidade é invadida por serviços secretos e que as nossas palavras são censuradas por governos intrusivos e sem escrúpulos; em que florestas inteiras são aniquiladas, espécies exterminadas e oceanos são envenenados: o que é que é necessário revelar?
Neste mundo de poder desigual em que várias ordens hegemónicas tentam convencer-nos que uma nação, uma raça, um género, uma preferência sexual, uma religião, uma ideologia, uma estrutura cultural é superior a todas as outras, será que podemos afirmar categoricamente que as artes devem estar separadas da agenda social?
Estaremos nós, os artistas das arenas e dos palcos, conformados com as exigências do mercado, ou deveremos usar o poder que temos para abrir um espaço de reflexão no coração e na mente das sociedades, para unir as pessoas em torno de nós, para inspirá-las, encantá-las e informa-las, criando um mundo de esperança e de solidariedade sincera?
Belmiro Adamugy