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Tabus que matam

Por admin

Os distritos de Montepuez, Namuno, Chiúre, Ancuabe e Balama, em Cabo Delgado, são classificados como celeiros da província. Entretanto, o que se come não ajuda.A dieta é tão fraca que o índice de desnutrição crónica é dos mais elevados do país. No lugar de servir comida, os “mais velhos” preferem propagandear tabus que limitam o acesso a alimentos nutritivos.

E também não deixam as meninas crescerem. Com 11, 12, 13 anos de idade já estão casadas com idosos e com filhos ao colo.

Um dos tabus que nos chegou aos ouvidos como um soco na boca do estômago reza que mulheres grávidas não podem amamentar os bebés nos dois primeiros dias após o parto, “porque o leite que sai naqueles dois dias não presta, o que faz com que os bebés não aceitem mamar”.

O que os criadores desta teoria ignoram é que aquele leite é o melhor. É o chamado colostro, que é rico em células imunologicamente activas, carregadas de anticorpos e proteínas protectoras. Este leite funciona como vacina e ajuda a proteger o bebé das infecções.

Esta população também não sabe que no dia do parto, o colostro se apresenta ainda mais rico, daí que as primeiras horas de vida são chamadas por especialistas de glúten hours, o mesmo que horas de glútem.

Impedidas de amamentar, as parturientes trocam o leite materno por remédios tradicionais e água proveniente de fontes duvidosas que são administradas aos recém-nascidos por supostos especialistas na matéria que deambulam pelas aldeias.

O que ajuda a aguçar estas teses é o facto de os recém-nascidos geralmente apresentarem dificuldades naturais de chupar o leite naqueles primeiros instantes de vida pós-parto. Aos olhos da população destas bandas, se o bebé não mama é porque o colostro não serve. Logo, deve ser banido.

A desnutrição crónica é um assunto sério na província de Cabo Delgado. Ela é responsável pelo crescimento insuficiente de 52 por cento das crianças, o que, na verdade, compromete as aptidões mentais e físicas dos futuros jovens e adultos desta parcela do país.

Dados disponíveis indicam que 18 por cento das crianças, com menos de 18 meses (um ano e meio) sofrem de desnutrição crónica. Assusta saber que o problema não resulta da falta de alimentos, pois, a região sul de Cabo Delgado é campeã na produção agrícola.

Conforme apurámos, o problema reside nos tabus que as pessoas mais respeitadas das comunidades, muitos deles anciãos, fazem questão de repassar para os mais novos. São proibições que soam a absurdas, mas que todos fazem questão de seguir à risca, por recearem eventuais consequências.

A nossa Reportagem percorreu o interior do distrito de Namuno, onde, as restrições alimentares levam ao nascimento de crianças muito pequenas, algumas das quais com menos de dois quilogramas. As mães também metem pena. São crianças de 11, 12, 13, 14 anos. Igualmente frágeis. Visivelmente desnutridas. Triste.

TABUS A RODOS

Descemos até ao Centro de Saúde de Nicuita, lugar escolhido pelo Programa de Promoção de Mercados Rurais (PROMER), através da empresa MD/SEPPA, contratada para o efeito, e que está a levar a cabo um programa de Educação Nutricional, por via do qual se pretende virar a desnutrição crónica de avesso.

Aqui, estabelecemos contacto com o médico Paulo José que descreveu que a população acredita que crianças e mulheres grávidas não podem comer ovos porque podem ter uma valente diarreia e ficar com o corpo amarelado pelo resto da vida. Assustadas, as crianças fogem dos ovos a sete pés.

Para as mulheres grávidas há outra desculpa. Não devem se atrever a mexer em ovos porque podem dar a luz a crianças descabeladas. Carecas pelo resto da vida. Tal como a pequenada, as mulheres passam longe dos ovos que acabam sobrando para os criadores e defensores destas teorias. Mas, há mais.

Nesta região do país abunda a chamada banana-macaco. Uma banana enorme, deliciosa e nutritiva. Entretanto, as crianças e mulheres não estão autorizadas a mexer neste produto porque acredita-se que “as crianças podem inchar até ser impossível levá-las ao colo”.

Na entrada do distrito de Namuno foi montada uma enorme placa na qual se pode ler que este é o celeiro da província no que se refere à produção de amendoim e algodão. O director dos Serviços Distritais de Actividades Económicas (SDAE), Manuel Mateto faz questão de sublinhar que “aqui não há bolsas de fome”.

Mateto reitera que este distrito é, de facto, o celeiro de Cabo Delgado. Como exemplo aponta a última campanha agrícola que resultou em cerca de 390 mil toneladas de culturas alimentares diversas, “porém, temos os maiores índices de desnutrição crónica”. Um contraste que dói.

A explicação para este quadro reside nos hábitos alimentares que são rudimentares. Manuel Mateto conta que quando se entende preparar verduras, o tempero raramente é amendoim. Usam cinza. Sim, aquela cinza que sobra da lareira, do fogão à carvão ou da queima de lenha.

Depois de ferver as folhas, adiciona-se água num recipiente com cinza e escorre-se a água acinzentada na panela que contem a hortaliça. E já está. Bom apetite! “O amendoim serve apenas para a venda”.

A proteína animal também merece o seu tratamento. Mário Naveliane, chefe da localidade de Nicuita assegura que raramente as famílias comem as aves ou caprinos que possuem nos quintais. “As galinhas e cabritos são vistos como dinheiro”, sublinhou.

Naviliane acrescentou que o acesso ao peixe é limitado por razões geográficas. Por causa disso, muitos recorrem ao peixe-barba, que abunda em águas paradas, mas as mulheres grávidas estão proibidas de chegar perto porque “podem ter complicações durante o parto”.

“Papinha anti-tabu”

Perante este quadro em que as crianças nascem e encontram regras que atentam contra o seu crescimento saudável e contra mães-adolescentes, o Programa de Promoção de Mercados Rurais (PROMER), por via de um consórcio provedor de serviços, o MD/SEPPA, está a implementar um programa de Educação Nutricional que visa enraizar novos hábitos alimentares na comunidade.

Para lograr os seus intentos, o PROMER selecionou duas escolas primárias e secundárias de cada distrito, organizações de produtores, grupos de mães, num total de mil e 800 beneficiários.

Com recurso a produtos que estão ao alcance da maioria, os provedores de serviços orientam as comunidades abrangidas a prepararem papas feitas de farinha de milho, mas com pequenas doses de feijão-nhemba, moringa, ovos, banana, peixe seco, sal, açúcar, água, amendoim (que pode ser substituído por óleo ou leite de coco).

As sessões de preparação deste tipo de papas são presenciadas por homens e mulheres a quem são servidas pequenas doses. Depois, os provedores convidam os presentes a ensaiarem a receita em casa sob a vigilância de activistas.

Consta que em poucas semanas é possível ver mudanças na fisionomia das crianças, pois estas começam a ganhar peso, a cor do cabelo deixa de ficar aamarelada e ganha um tom mais escuro, as barrigas reduzem de volume e o gráfico do peso começa a subir.

Visitámos a Escola Secundária 15 de Outubro de Montepuez, que é uma das beneficiárias do programa de educação nutricional e onde os alunos são orientados a produzir hortas e a dominar as técnicas de preparo de alimentos nutricionais. De tão animados com o tema, os alunos organizaram uma peça de teatro que fazem questão de exibir a quem chega.

Segundo Caximo Caximo, coordenador do PROMER, nestes cinco distritos, esta iniciativa foi lançada em Outubro do ano passado e tem a duração de dois anos.

Segundo Caximo, o governo moçambicano, em parceria com a União Europeia e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (FIDA) asseguram o financiamento em cerca de 250 mil dólares que se destinam a melhorar o comportamento nutricional através alimentação equilibrada, cuidados de saúde e higiene, agro-processamento, aleitamento materno exclusivo, demonstrações de culinária nutritiva e produção e gestão de hortas.

Ano lectivo de cinco meses

As autoridades do ramo Educação também são chamadas a fazer cobro a várias situações que ocorrem no interior destes cinco distritos onde se inventam motivos de todos os tipos, modelos e tamanhos para contornar a ida à escola.

No começo do ano, as crianças são matriculadas normalmente. Frequentam o mês de Fevereiro, Março, Abril, Maio. Fazem-no com religiosidade à espera do dia 1 de Junho, Dia Internacional da Criança. Nesta data, pais e encarregados de educação organizam uma festa memorável que, em muitos casos, vai até ao dia 2 de Junho.

Depois desta festa de arromba, as escolas ficam vazias. Os alunos reduzem a frequência. Só vai quem quer. “Estamos a fazer um intenso trabalho para reverter este cenário, porque as crianças desistem. Agora impedimos que as festas durem até ao dia seguinte”, disse Mário Naveliane, chefe da localidade de Nicuita.

Apesar de não haver uma explicação clara para este comportamento, o director da Escola Secundária 15 de Outubro de Montepuez, Jorge Ernesto José, disse que este comportamento pode estar associado a vários factores, nomeadamente a realização de cerimónias tradicionais, ritos de iniciação, raspagem de mandioca, entre outros.

Outro dado que nos saltou à vista é que o dia 2 de Novembro, para os cristãos católicos e protestantes é dia dos Fiéis Defuntos ou Dia dos Mortos. Porque na parte sul de Cabo Delgado o cristianismo predomina, ainda que seja dia de trabalho e de aulas, tudo fica paralisado neste dia.

As aldeias ficam vazias. Toda a gente se dirige a pontos previamente definidos para participar de cultos seguidos de uma festa que pode ir até onde o corpo e a mente resistirem. Com direito a música e tudo.  

Jorge Rungo
jrungo@gmail.com

Fotos de Jerónimo Muianga

 

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