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Nacala-a-Velha já não é para funcionários punidos

Por admin

Era o distrito dos mais atrasados da província de Nampula, naquela altura fazia parelha com Lalaua, que até eram o destino de funcionários indisciplinados. Ser colocado em Nacala-a-Velha, era uma espécie de punição. Hoje é para quem é mais disciplinado, todos querem ir ou gostariam de ser colocados em Nacala-a-velha.

Nacala-a-Velha era um distrito que sofria ciclicamente de fome, até 2009, ano em que Daniel Chapo chega àquela região para assumir as funções de administrador, razão por que o domingo procurou-o, para entender onde estava o problema. Explica o que aconteceu:

“Começamos uma época agrícola em que era imprescindível o envolvimento dos líderes comunitários. A direccao máxima do distrito andou de aldeia em aldeia, com cordas para medição de áreas de cultivo, para tentar interessar a muita gente, para que, pelo menos cada líder tivesse um hectare”, explica Chapo.

Havia na verdade o preconceito de que Nacala-a-Velha, Nacala-Porto, Memba, Ilha de Moçambique, Mossuril, Mogincual, a maioria dos distritos do litoral em geral, era assolada ciclicamente pela fome. Chapo diz ter ouvido dizer que havia calendário fixado em alguns órgãos de comunicação social, que dizia: a partir de Setembro a Novembro, um repórter devia, invariavelmente, ir a Nacala-a-Velha fazer uma reportagem sobre a fome. Estava lá fixo, era agenda das redaccões.

 A diferença terá partido da percepção de que, por um lado era um mito e por outro, um preconceito, porque, conforme sustenta Daniel Chapo, não percebe como uma ideia errada se tenha apossado até do colectivo do conselho consultivo do distrito que naquele ano insurgiu-se contra o facto de o administrador ter sugerido a aprovação da aquisição de um tractor com respectivas alfaias para um posto administrativo.

“Disseram-me que era um desperdício a compra de um tractor, pois na opinião dominante não serviria para nada. Todavia, nós apostamos e alocamos a um agricultor, de nome José Quadros, que abriu uma área de cerca de 100 hectares, a cerca de 200 metros das águas do mar, na Localidade de Namalala e realmente produziu comida”.

Os técnicos do Instituto de Investigação Agrária, segundo se lembra o administrador, acusaram-no de ter posto em causa os seus relatórios anteriores que davam como áridos todos os solos daquela região. Afinal, tratou-se duma área onde em tempos idos, inclusive, produzia sisal.

Depois desta prova, desencadeou-se uma espécie de romaria à área do já referido agricultor, feita até pelos líderes comunitários que não concordavam com tal possibilidade, o que fez cair o mito, a partir do que, já em 2010, aprovou-se mais um tractor, desta feita para o outro posto administrativo, na região de Mangane e logo a seguir para Kovó, até que as pessoas se convenceram que era possível produzir comida em muitas regiões de Nacala-a-Velha.

“ A partir daí o enigma foi quebrado, a fome passou à história, não se fala de fome nem de bolsas de fome, agora quando os jornalistas vão a Nacala-a-Velha procuram outros assuntos, mais felizes e divertidos, até”, diz Chapo.

Terminal de carvão de Moatize

O outro factor que terá catapultado Nacala-a-Velha, já a nível macro, foi o processo da implantação do terminal de carvão em exploração na província central de Tete, no distrito de Moatize. Se para muitas regiões onde houve a necessidade de reassentamento da população em razão da acomodação dos grandes projectos, nasceram tumultos populares, o administrador daquele distrito nampulense diz que lá não aconteceu.

Quanto ao projecto, as informações que apareciam davam conta de que o terminal seria em Nacala-Porto, falou-se poucas vezes de Nacala-a-Velha. Foi necessário grande exercício para fazer entender que seria deste lado, o que incluiu um marketing territorial, segundo o qual Nacala-a-Velha era o futuro da zona económica especial de Nacala e a porta de saída do carvão de Moatize. Esse lema estava colocado em painéis publicitários em locais estratégicos”.

Tudo foi feito para que os grandes interesses económicos se posicionasse atempadamente em Nacala-a-Velha e na verdade anteciparam-se à construção do porto, provocando a explosão que depois se viu. Por outro lado, de acordo com a fonte, foi necessário preparar as pessoas do que poderia vir a acontecer, como consequência desse “ boom” à espreita.

O porto começou a ser construído em 2012 e ficou concluído dois anos depois, mas já em 2010 estávamos a trabalhar com as populações para lhes fazer perceber do que o futuro nos reservava. Não foi fácil, os primeiros investidores foram titubeantes, mas acabaram convencendo-se de que de facto era verdade”, conta Chapo.

Gabinete do administrador

era onde se via o único carro

As dificuldades por que passou o distrito foram sentidas mesmo pelos primeiros investidores que tiveram fé no que se dizia, depois dos quais vieram os indecisos que esperavam para ver.

Lembro-me do primeiro homem da Vale que veio para a consulta comunitária, que ficou atónito quando perguntou onde era o gabinete do administrador. Apontaram-lhe uma direccao depois da qual viraria para a esquerda, a seguir à direita e no local onde encontrasse uma viatura, era exactamente o gabinete ou o administrador estaria por ali, simplesmente porque era o único carro do distrito”, diz.

Daniel Chapo conta, entretanto, que o administrador era um simples fiel depositário, visto que a viatura era multiuso, pois, umas vezes servia de ambulância, outras para ajudar a polícia na sua tarefa de manutenção da lei e ordem e logicamente servia ao administrador nas suas viagens, principalmente para as reuniões provinciais, com uma botija de água, para ir arrefecendo o radiador durante a viagem.

O troço de estrada que liga o cruzamento de Nacala-Porto, segundo aquele dirigente, de 20 quilómetros de distância, era impraticável de tal forma que se levava uma hora para ligar os dois lugares, o mesmo tempo que se leva hoje para atingir Namialo, distrito de Meconta, cerca de 110 quilómetros.

 

Hoje uma viatura não pode ser referência em Nacala-a-Velha e se me perguntar quantas há, não vou saber responder. Tal como me lembro do local onde está o porto hoje, quando fomos fazer a consulta comunitária, deixamos uma viatura no local e à volta não conseguimos localizar, não era ali, estava escondida pelo capim alto, afinal estava muito distante donde pensávamos que a tivéssemos deixado, levamos uma hora à procura”, conta.

O primeiro delegado da Zona Económica de Nacala, diz o administrador Daniel Chapo, foi confrontado em Nacala-a-Velha com a indicação de que não havia de comer a sandes de ovo que pretendia, porque não a havia encomendado.

“Foi na única barraca que tínhamos em Nacala-a-Velha e argumentaram que tanto o ovo como o pão eram adquiridos em Nacala-Porto, bem assim não havia a certeza de clientela, pelo que àquela hora já não se podia atender ao seu pedido”.

Mudanças sem sobressaltos

Vários exemplos são dados pelo administrador de Nacala-a-Velha, para espelhar o caminho percorrido para a actual situação do distrito, em particular a sua sede, hoje assediada.

Quisemos saber de Daniel Chapo como foi possível gerir profundas mudanças estruturais duma região sem que houvesse desentendimentos que resultassem em tumultos, como infelizmente tem sido pelo país, sempre que a palavra de ordem é reassentamento.

“ Todos perguntam isso, mas a resposta é que dou tem sido comunicação, o único segredo que se pode repetir por tantas vezes quantas forem necessárias. Todas as mudanças desse quilate se não forem acompanhadas por uma estratégia de comunicação desembocam invariavelmente em tumultos”.

Em Nacala-a-Velha, segundo o nosso interlocutor, houve na verdade, quatro tipos de reassentamento, designadamente, de pessoas, onde era preciso construir casas, de lugar para mortos (cemitério), zona para as machambas e de locais sagrados.

Na zona onde está o terminal estavam 47 cemitérios, não campas, porque culturalmente aqui há muitos cemitérios familiares, era preciso acomodá-los. Os locais sagrados, tiveram o mesmo tratamento. Era preciso respeitar tudo isso e concordar com as propostas apresentadas pelas próprias populações. Tudo isso como foi feito com uma comunicação permanente, afastou, desde logo, o espectro de qualquer tipo de levantamento”.

Como exemplo, foi curioso ver as pessoas reassentadas a reprovarem casas aparentemente modernas, com casa de banho interior e outros benefícios que se achavam pertinentes, mas foram liminarmente preteridas por não fazerem parte, logo à partida, dos hábitos e costumes locais.

“Como eles participaram em tudo isso, não receberam ordens sobre modelos a aplicar, não havia razão de se rebelarem contra o que fosse nesse processo. No caso de casa-banho interior, disseram mesmo que não fazia sentido na sua cultura e depois não havia a certeza de canalização. Quanto à cozinha foi o mesmo raciocínio”.

Nesta senda até o tipo de cobertura foi questionado, tendo sido recusado para ajustar ao que se parece com as suas casas tradicionais, normalmente cobertas ao estilo 4 e, finalmente, não quiseram que as casas tivessem duas portas, alegadamente porque “quando as portas são muitas o controlo é deficiente, os homens pretendem saber, permanentemente, quem entra e quem sai”.

Por outro lado, as populações negaram que as casas fosse de três quartos, mas sim de dois, sendo que a sala deveria ser muito espaçosa para permitir que coubessem os seus produtos quando fosse tempo de colheita.

“Até a janela foi questionada, por termos proposto que fosse de vidro. Foi uma mulher que argumentou com três desvantagens: necessidade de comprar uma cortina, ser transparente e que seria fácil partir, tendo sugerido logo janelas de madeira”.

Na opinião de Chapo, ai reside a subjectividade do conceito felicidade se bem que o resultado de todo esse exercício resultou numa satisfação dos beneficiários, ainda que as casas resultassem em custos relativamente mais baixos.

As pessoas ficaram felizes, porque foi realizado o que desejariam e participaram na decisão que deu lugar à nova forma de vida em Nacala-a-Velha, sobretudo porque também o ajudante de cada empreiteiro era elemento de cada família beneficiária.

“Eles se apropriaram da casa desde o início e desde a montante estiveram a fazer a sua casa. Foi, sinceramente, uma experiência interessante, não nos metemos no erro de contratar empreiteiros para fazerem casas que depois são distribuídas, coisa que na opinião social, não é normal”.

Texto de Pedro Nacuo

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