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Esperança e dor no Centro Arco-Íris

Por admin

Aproxima-se o 1 de Junho, Dia internacional da Criança. Na senda desta celebração, domingo visitou o Centro Arco-Íris, que acolhe crianças que experimentaram o lado cruel da vida. Várias foram as agruras: a perda de seus progenitores, por morte; o abandono em tenra idade e a desconstrução de vínculos afectivos, que em alguns casos, culminou em abusos sexuais.

 

São crianças dos zero aos dezoito anos, que formam uma grande família naquele centro, localizado no bairro do Zimpeto, Maputo. Boa parte, levava a vida desgarrada de princípios nas diferentes artérias da Baixa da cidade de Maputo, da Malanga e na lixeira de Hulene.

Muitos são os argumentos para tamanho desconcerto, mas a instabilidade nos lares tem sido apontada, em vários debates sobre este assunto, como um dos factores que levam a criança à rua. Entretanto, destaque vai para um registo, de certo modo invulgar, efectuado por agentes da Acção Social, aquando dos trabalhos realizados em locais frequentados ou ocupados por pessoas vulneráveis: “Um casal decidiu fixar-se na lixeira do Hulene, ao ar livre”. Ali, alargou a família “fez filho, mesmo vivendo em condições deploráveis”, palavras de Francisco Mandlate, Director Administrativo do Centro de Acolhimento Arco-Íris.

Devido à precariedade do local, e após vários contactos entre esses pais e agentes sociais,“o casal entregou a criança aos cuidados do centro, e nunca a visitou”.   

 Neste momento, o menor é membro de uma família numerosa onde se ajuntam 233 (duzentas e trinta e três) crianças, partilhando os mesmos anseios: conquistar o bem-estar físico e psíquico, e um futuro risonho.

CUIDAR DOS ZERO

AOS DEZOITOS ANOS

O Arco-Íris reluz e mostra seus matizes. Seres cândidos e frágeis lá confluem e formam uma gigantesca teia. “Acolhemos crianças dos zero aos dezoito anos. Há aqui bebés abandonados em hospitais e, até, à porta da nossa morada”, afirma Mandlate.

Com efeito, são vários anos de educação, instrução e amparo. O clima confunde-se com o de qualquer lar natural. “Os mais novinhos chamam as educadoras de mamã”. Estas mães

postiças fazem o papel. Passam a noite com as crianças, cumprem o horário do aleitamento e da administração de medicamentos em crianças com saúde deficiente.

O tempo passa, as crianças crescem, e, à beira dos dezoito anos, o desmame é quase inevitável, mas projectado e executado de forma gradual. Faz parte desse processo a construção de moradias onde esses filhos possam levar a vida de forma adulta, formando as suas famílias com os futuros cônjuges.

 Só para ilustrar, “construímos doze casas no Bairro do Munemo, outras em Massaca. Nesses locais, os filhos da nossa casa vivem com os seus cônjuges. Entretanto, enfrentamos dificuldades na aquisição de espaços. Isto faz com que tenhamos alguns internados com mais de dezoito anos aqui connosco”, refere Mandlate.

ASSISTÊNCIA ATÉ AO NÍVEL SUPERIOR

O Ministério Arco-Íris conta com ajuda de vários padrinhos, com destaque para missionários. A senhora Rose é um exemplo enaltecido: “Levou de Moçambique para Chicago dois irmãos: um, para cursar gestão de empresas e o outro, medicina, ao nível superior”. Um desses jovens, revela Mandlate, graduou no mês passado.

Os que estudam por cá, também ao nível superior, “ingressaram, em diferentes universidades e institutos privados, com a ajuda de padrinhos. Outros estudam em instituições públicas como a Universidade Eduardo na Universidade. Cursam psicologia, sociologia, para além de formações ligadas ao ramo da Acção Social…”.

Os resultados desses esforços dão alento: “Temos exemplos de dois jovens: o Osvaldo, que criou uma empresa de culinária, a Oslar, que forma professores de cozinha e empregadas domésticas. Em vários momentos demonstrou vontade de suplantar as dificuldades encaradas na sua infância, e conseguiu com muita categoria”.

Outro, é a conquista de Sérgio Mondlane, que se formou em Direito.“Actualmente é director do Centro Arco-Íris em Pemba”, testemunha Mandlate.

PERSISTIR (até) NA HORA DO FRACASSO

Alguns dados lançados em diferentes ocasiões pela imprensa, indicam que muitas crianças são largadas pelos pais quando estes se sentem ineptos na tarefa de educar os seus próprios filhos.

Mesmo se sabendo que ‘nem sempre se navega em águas calmas’, instituições de acolhimento como Arco-Íris persistem e buscam alternativas para o concerto. Conforme narra o director administrativo, a dada altura, “acolhemos uma criança, o Balela. Pusemo-lo a estudar, mas não fomos felizes, ele desistiu da escola. A alternativa a este facto foi matriculá-lo num curso profissionalizante. Contudo, mais uma vez, não logramos os nossos intentos”.

A terceira saída, conta Mandlate, foi criar condições para que os pais de Balela, que viviam em Gaza, viessem até Maputo. “Pretendíamos com esta acção reintegrá-lo na sua família de origem”, no entanto, redundou em fracasso.

O plano seguinte consistiu na construção de uma casa tipo dois, na Catembe, onde Balela passou a viver e trabalhar na actividade pesqueira. Mas, contra todas as expectativas “vendeu tudo o que tinha no interior da referida residência e, tempo depois, a própria casa…”. Mais tarde, foi instalado em Khongolote. “Alocamos-lhe um txova para pequenos negócios”. Mas, Balela “vendeu o próprio txova e mandou-se para a África do Sul. Lá contraiu uma grave doença e foi transferido para o Hospital Central de Maputo, onde perdeu a vida”.

Enquanto isso, a vida anda, e a julgar pelo ambiente que se cria à volta das crianças por nós visitadas, a solidão, o desamor, bem como o desmazelo e a crueldade, quase se apagam. É o que se lê nos depoimentos que se seguem. 

QUERO SER DIFERENTE DA MINHA MÃE

– Ernesto Massango, de 16 anos

À semelhança de Mónica e Amélia, a vida em grande família para o menino Ernesto “É boa!”.

Prestativo, gosta de ajudar nas tarefas domésticas, como “varrer o quintal, arrumar a casa…”, mas, quando o assunto é manejar o seu Play Station 3; andar de bicicleta (ainda que a sua esteja avariada) eleva-se o nível de satisfação.

Ernesto é o retrato da felicidade. O seu pacote é encerrado quando a sua “Lassie”, uma cadelinha branca, de pêlos asseados e brilhantes é incluída. Na verdade, o adolescente é apaixonado por animais, de tal forma que, ao nível superior, pretende fazer Veterinária. “Na televisão vejo muitos programas que falam de animais. Na minha própria casa vou criar muitos animais e de diferentes espécies”, diz, animado.

De qualquer modo, o último desejo, remete-nos à fase adulta, na qual pretende dar uma vida digna aos seus filhos. “Quero cuidar dos meus filhos, dar-lhes amor e carinho, diferente do que a minha mãe fez comigo. Ela deixou-me aqui no centro quando eu tinha apenas duas semanas de vida”, afirma.

Ainda assim, a sua condição actual espanta qualquer ressentimento: “sou feliz, até porque considero os educadores meus verdadeiros pais”.

CONSOLAM-ME QUANDO

SINTO SAUDADES DOS PAPÁS

– Amélia Macuvele, 15 anos, órfã

A costura, leitura e as brincadeiras no parque dominam a sua lista de predilecções. Amélia perdeu a mãe e o pai, vítimas de doença.

Das sessões de leituras retira lições de vida. Para citar um exemplo, apontou e recomendou a história dos três porquinhos. “Gosto de falar desta obra porque dela se pode retirar uma lição de vida: ensina-nos a ser inteligentes”.

Às outras crianças lança um recado para que sejam perspicazes e alimentem os seus sonhos. Ela tem os seus e já desenha planos para o futuro: “aplicar o curso de costura, desenhando modelos e fazendo roupas”.

Transmitir técnicas para este ofício, está por conta do centro. Contudo, a serventia desta instituição ultrapassa a educação e instrução. Aqui, Amélia sente-se confortada pois “eles preocupam-se comigo, consolam-me quando sinto falta dos meus pais”

ESTOU FELIZ POR PODER ESTUDAR

– Mónica Machel, de 15 anos, órfã

Internada no Centro, desde pequena, Mónica é órfã de pai e mãe. Actualmente frequenta a 10ª classe na Escola Secundária Arco-Íris.

Sisuda, porém segura da sua condição espiritual, “sou feliz aqui!”, realça a sua paixão pelas artes, ao afirmar que, através da costura, encontra um espaço para extravasar a sua imaginação. Seu faro artístico permite concluir que “acostura tem arte”.

À sua devoção pela criação, junta a paixão pelo basquetebol, voleibol e arquitectura, sendo este o curso eleito para o nível superior.

Entretanto, suas aspirações estendem-se para a construção de um lar “cheio de amor. Quero ter uma boa família, alegre”. Mas, enquanto não chega a fase adulta, envia votos para que “todas as crianças tenham um óptimo 1 de Junho e, acima de tudo, não desistam dos seus sonhos”.

Carol Banze
carolbanze@snoticias.co.mz

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