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O comboio da vida

Por admin

O comboio que estabelece ligação entre Maputo e Chicualacuala, dois dias por semana, sustenta a vida de muitas famílias. Iniciativas de subsistência libertam-se em diferentes carruagens logo que inicia a viagem de 525 quilómetros rumo ao extremo Norte de Gaza.

 São muitas horas de viagem, cansativas, mas repletas de histórias de vida. domingo fez o percurso e conta como tem sido a vida nesse trajecto.

A estação central da empresa (Portos e) Caminhos de Ferro de Moçambique fervilhava de gente munida de trouxas, colemans, entre outros tantos embrulhos, tentando o acesso às duas bilheteiras para compra de passagens para Chicualacuala.

Quinze minutos antes da hora da partida, acomodamo-nos nos compartimentos de uma carruagem de primeira classe, na qual seguiríamos viagem, num percurso de cerca de 525 quilómetros.

Quando soou a sinalética na Estação dos Caminhos de Ferro (colocar hífens), os ponteiros marcavam precisamente treze horas. Foi nesse momento que se sentiu os rodados a deslizarem sobre os carris, debaixo de uma temperatura que rondava os 36 graus centígrados.

O deslizamento foi lento até à Estação de Infulene, zona tipicamente virada à actividade agrícola, na qual se pôde contemplar o verde das culturas que se desenvolvem na região.

Trinta e sete minutos após a partida, a composição chega à zona da “Gare de Mercadorias”, onde parece existir espécie de segunda estação central, com muita gente a entrar aos saltos para o interior da meia dúzia de carruagens da terceira classe.

Cerca de 45 minutos depois, o comboio se faz novamente à marcha, mas tão logo se apercebe como muitas vidas se realizam no interior daquela composição ferroviária.

NEGÓCIO PURO

Crianças, jovens e adultos vão circulando no interior das carruagens, vendendo refrigerantes, bolachas, bolos, pão com “badjia”, sumos, comida confeccionada, roupa usada.

Sara Celestino é uma vendedeira já experiente. Mãe de três filhos e residente na “Zona Verde”, faz negócio no interior de comboios que estabelecem a ligação Maputo-Chicualacuala desde 2007. Ocupa, todas as semanas, um pequeno lugar numa das carruagens, onde coloca os produtos que vai comercializando ao longo da viagem.

Disse tratar-se de um “trabalho cansativo”, mas “não é como ficar em casa sem fazer nada”. O comboio faz a ligação entre Maputo e Chicualacuala às quartas-feiras e domingos de cada semana.

De referir que aos vendedores é imposta como veste uma bata ao longo da viagem e, praticamente, não chegam a dormir porque cada momento é uma oportunidade de negócio.

Trata-se de negócio que não é feito somente por moçambicanos. No interior do comboio, vimos cidadãos de origem zimbabweana que viajam com o objectivo de “ganhar a vida”.

Robson Arunga, que é natural de Guero, no Zimbabwe, disse ser residente da Vila Eduardo Mondlane, sede do distrito de Chicualacuala, e aproveita a circulação do comboio para transportar roupa usada com a finalidade de fazer negócio.

Disse à nossa Reportagem que a chegada do comboio à Chicualacuala coincide com a vinda de uma outra composição ferroviária, proveniente de Bulawaio, facto que torna a ocasião numa óptima oportunidade para realização de trocas comerciais.    

Chegado à Estação da Manhiça, na província de Maputo, o comboio observa um prolongado período de paragem, tempo suficiente para notar que há vidas que estão intimamente ligadas à circulação daquela composição ferroviária. Mulheres, em grande maioria, posicionam-se junto das carruagens com sacos, “colemans” e baldes para tentar vender alguma coisa aos passageiros.

Junto do comboio, ficam expostos diversos produtos que representam o potencial produtivo da Manhiça, na província de Maputo, destacando-se o ananás, a banana, o amendoim e a batata-doce. Passageiros descem das carruagens e procuram comprar aquilo que possam necessitar para o resto da viagem.

Ruma-se agora em direcção à Estação de Magude, onde escalamos cerca das 17.00 horas. A distância percorrida não representava nem a metade do que havia ainda por percorrer. Muitas senhoras acampam no recinto da estação com panelas cheias de comida, podendo cada passageiro comprar uma refeição, que pode ser servida num recipiente de “take-away”.

A BELEZA DA PAISAGEM

Até Motaze, vislumbra-se o potencial do distrito de Magude, desde a diversidade de produtos agrícolas, do gado bovino, destacando-se, igualmente, a “micaia”, espécie vegetativa rica naquela região da província de Maputo.

Ao longo do percurso ainda se pode ver o estado de concentração da água nos afluentes do rio Incomáti, bem como de rolas e cegonhas que, em voo rasante, acompanham o deslizamento do comboio. As galinhas do mato, não escondem o seu medo quando ouvem o barulho do comboio sobre os carris, enquanto no céu já se indicia que aquele dia de quarta-feira estava a entrar para o período da noite.

Cerca das 19.00 horas, na entrada de Lionde, arredores da cidade de Chókwè, a visibilidade do dia desaparece e a noite passa a ser “companheira” para todos os passageiros que viajam no comboio. Funcionando como rebocadores, isto em linguagem marítima, um bando de andorinhas escolta o comboio, voando sobre campos que na década de oitenta produziam milhares de toneladas de arroz.

Chókwé funciona como posto de reabastecimento, onde se quase vende tudo, sendo que a permanência do comboio é de quase uma hora, visto que a locomotiva tem que realizar manobras para acoplar dois vagões de carga na composição. Ali tivemos a indicação de que, até ao destino, que era Chicualacuala, a viagem teria uma outra característica.

RISCOS DA LINHA

Cerca de trinta minutos depois das zero, na zona de Niza, distrito de Mabalane, a viagem teve que ser forçosamente interrompida, visto que um dos vagões havia se descarrilado. Uma das “boggies” que tinha sido rebocada em Chókwè, saltara dos carris, junto de um ponto de mudança de linha, facto que chegou a fazer com que uma composição de carga ficasse retida na região por falta de passagem na chamada Linha do Limpopo.

A equipa do sector da Via e Obra dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), só chega ao local para prestar socorro cerca de duas após o descarrilamento quando aguns passageiros acampavam na mata para passar a noite e apanhar o ar natural. A temperatura rondava os 36 graus centígrados.

Técnicos ligados ao serviço ferroviário alertaram-nos que naquele percurso o estado da linha inspirava cuidados, visto que se podem registar descarrilamentos. O acidente mais recente acontecera em Dezembro passado, onde uma composição de carga ficou completamente danificada.

A viagem retoma às 4.00 horas do dia seguinte. A previsão de chegada à Chicualacuala sofrera automaticamente alteração devido ao tempo perdido no processo de carrilamento da “boggie” do vagão.

Nas estações de Mabalane, Combomuni, Mpuzi e de Mapai, as paragens são de certo modo alongadas, visto que há mercadorias de passageiros que são carregadas para o comboio. Com particular incidência são carregados sacos de carvão e paus de lenha, principais recursos comercializáveis daquelas regiões.

Às 11.00 horas da manhã do dia seguinte, debaixo de um sol abrasador , o comboio chega à Estação Ferroviária de Mapai, onde fica cercado por milhares de pessoas, com muitos artigos para vender. Castanha e refrescos são os produtos que mais se vendem junto das janelas.

REGRESSO ESTAFANTE

Às 7.30 horas do dia de regresso, chega à Chicualacuala o comboio no qual iríamos efectuar a viagem de retorno à capital do país, cujo início estava anunciado para as 10.00 horas.

Cumpridas as formalidades de embarque, arrancou o processo de rodagem sobre os carris e estava assim dado o início da viagem de regresso para a cidade de Maputo, mais concretamente para a estação localizada na Praça dos Trabalhadores.

Por volta das 12.00 horas de domingo, chegamos à Estação de Mapai, onde nos foi confidenciado que o regresso seria marcado por muitas paragens, visto que tantas pessoas aproveitam os baixos preços do comboio para transportar seus produtos para a venda.

A apetência pelo comboio também se deve ao facto de ser meio que pode transportar grandes quantidades de mercadoria mediante preços acessíveis. Carvão e lenha são carregados para o interior dos vagões, havendo jovens especializados para flexibilizar os carregamentos, os quais, durante a viagem, “retemperam”  energias com bebidas como “Tentação” e “Boss Whisky”.

Às 17.30 horas, com o sol a brilhar e o calor a se fazer sentir, chega-se à Estação de Mabalane, que funciona como espécie de posto de reabastecimento por parte dos passageiros, servindo-se refeições num antigo armazém, transformado num “autêntico” restaurante. Os passageiros, aproveitam para retemperar as gargantas com cerveja, sumo, refrescos ou comprar comida em “take aways”.

No troço Mabalane-Chókwè, voltamos a sentir que a deslocação do comboio inspira cuidados em certas zonas, onde o maquinista se vê forçado a abrandar a marcha para evitar um descarrilamento.

Quinze minutos depois das 21.00 horas, o comboio chegou à Estação de Chókwè, onde o tempo de paragem volta a ser de uma hora, em virtude das manobras que a locomotiva “Diesel” tem que realizar.

A chegada à Manhiça acontece por volta das 3.45 horas da madrugada, onde tomamos o conhecimento de que o período de permanência prolongar-se-ia até por volta das 7.00 horas para evitar a interferência com a circulação do comboio de passageiros que faz a ligação diária Marracuene-Maputo, um serviço que acontece a partir das 5.00 horas.

Outra paragem prolongada ocorre na zona da “Gare de Mercadorias”, onde todos os produtos destinados à comercialização são descarregados, requerendo, por parte da locomotiva, manobras para desligar alguns vagões da composição.

Por volta das 13.00 horas do dia seguinte, chegamos à Estação Central de Maputo.

 

Benjamim Wilson

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