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DISTRITO DA MANHIÇA: “Reis do gado” e de dificuldades

Por admin

O povoado de Mirona, distrito da Manhiça, em Maputo, é um ilustre desconhecido para a maioria dos moçambicanos. É tão discreto que o acesso é complicado. Só se chega àquele destino com viaturas 4X4. Por ali, as dificuldades se multiplicam como praga, pior com a ajuda da seca. Alegra ver as imensas manadas de gado bovino que estão a sobreviver graças à recente construção de um furo multifuncional pelo projecto ProSUL. Senão seria o caos.

O povoado de Mirona, localizado no interior do Distrito de Manhiça, está situado no meio do nada. Predomina a areia solta, com mais peugadas de manadas de bois e cabritos que de humanos, floresta serrada e uma escassa população humana que não tem como esconder os sinais do sofrimento, das longas caminhadas, do confinamento, enfim.

Para os residentes, a seca é um dos maiores desafios a superar. Mas as dificuldades não se ficam pela falta de água para o consumo, irrigar as áreas de cultivo e abeberar o gado. O acesso é uma autêntica dor de cabeça. É preciso caminhar naquele areal quente até à estação ferroviária que ninguém sabe dizer com exactidão qual é a distância a percorrer. Uns 10 quilómetros, no mínimo.

Os mais novos falam em duas horas de marcha. Os mais velhos duplicam esse tempo por razões de mobilidade, temperatura, peso da carga que levam às costas, estado de saúde, entre outros. Por tudo isto, ir à sede do distrito equivale a viajar sem garantias de poder regressar no mesmo dia.

Para quem entende chegar à cidade de Maputo, a alternativa é fazer a caminhada até à estação e aguardar pela passagem do comboio que por ali trafega aos finais de semana, mas sem hora marcada. “A única certeza que temos é que virá, mas nunca sabemos a hora. Por vezes chega de madrugada”, contaram.

De outro modo, a população de Mirona faz figas para que apareça uma viatura que lhes dê boleia até à vila. Porém, esse exercício tem mais contras que prós devido à incerteza que é peculiar a uma espera pelo “Deus dará”. O que complica o quesito transporte é o facto da via não ser adequada para a passagem de qualquer viatura. Só four by four (4X4).

Assim sendo, muitos confiam nos pés. Caminham a bom caminhar até à Estrada Nacional número Um (EN1) onde chegam naturalmente exaustos tendo em dívida de fazer o mesmo exercício no regresso. Pura tortura.

Na ligação entre a EN1 e aquele povoado, a única infraestrutura visível é a linha férrea do Limpopo, que permite a ligação Maputo-Chókwè-Chicualacuala. O resto é aquela vegetação agreste. Pessoas a circular? Nem pensar. Durante quase todo o percurso até chegar ao povoado de Mirona não encontramos uma “alma viva” porque muitos usam corta-mato.

Temos falta de transporte, quando temos que ir a Maputo saímos daqui até zona VI (perto da Manhiça) a pé e de lá seguimos de carro. São cerca de quatro horas de caminhada”, lamentou Hélia Carlos, residente de Mirona.

Para além da falta de transporte, cada família busca meios alternativos de energia, uma vez que não nenhuma ligação com a rede nacional de energia. O sinal de telefonia móvel chega tão fraco que mal se recebe chamadas e as mensagens comuns ou das redes sociais ficam “penduradas” a aguardar melhor disponibilidade de rede. No entanto, os residentes já conhecem as “esquinas” onde é possível captar algum sinal.

domingoapurou que a principal actividade que sustenta o povoado de Mirona é a prática da agricultura e a criação de gado, sobretudo o bovino que os residentes só sabem dizer que é muito. “Mil cabeças? Isso não é nada. Temos bastante”, afirmam.

FURO MULTIFUNCIONAL DO ProSUL

domingo apurou que nos últimos anos, a actividade agrícola naquele povoado não tem rendido como era habitual por causa da seca, causada pelo fenómeno El Ninõ, que atingiu uma proporção tal que tem falta de sementes para prosseguir à sementeira caso chova nos próximos tempos.

Ainda como consequência da seca, aquele povoado tem problemas sérios de água. O único sistema de abastecimento de água foi construído em meados de 2015 faz parte do Projecto de Desenvolvimento de Cadeias de Valor nos Corredores do Maputo e Limpopo (ProSul), um programa desenhado pelo Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA).

Com esta iniciativa, o ProSUL pretende mitigar os efeitos da seca nas zonas recônditas através da construção de furos multifuncionais para assegurar a disponibilidade de água para o consumo humano e abeberamento do gado.

Na verdade, o projecto está inserido num contexto muito maior orientado para o alcance da “meta 1c” dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM1c) cuja finalidade é reduzir para menos de metade a percentagem de pessoas que sobre de fome em Moçambique e que é financiado pelo governo moçambicano, União Europeia e pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrário (FIDA).

Este sistema é bem-vindo para nós. Ajudou-nos muito. Antes dependíamos de água de poços e charcos onde disputávamos a água com o gado. Hoje não nos queixamos propriamente da falta de água, mas sim do funcionamento do sistema que tem ainda algumas deficiências”, disse António Budui, professor de Mirona.

Conforme testemunhamos no local, aquele sistema foi instalado no inverno e os painéis solares que lhe fornecem corrente eléctrica estão orientados para a nascente, quando deviam estar voltados para o ponto onde o sol atinge o apogeu, ao meio dia, o que limita o funcionamento das bombas.

Entretanto acredita-se que este problema poderá ser resolvido nos próximos dias pelo empreiteiro que também foi chamado pelo projecto a instalar baterias e a estabelecer um escritório para os gestores do sistema.

Deviam existir mais projectos destes. Com a abertura do furo multifuncional estamos satisfeitos e temos mais tempo para cumprir com outros afazeres. Agora só queremos que resolvam o problema das baterias e da posição dos painéis solares”, sublinhou Rosa Massunga, residente.

O sistema de abastecimento multifuncional é composto por um conjunto de torneiras para o consumo humano, bebedouros para o gado com capacidade para dar de beber a pouco mais de 60 bovinos ao mesmo tempo e um espaço com tanques para lavar roupas e que pode receber cinco famílias em simultâneo.

Ainda para fazer face à seca, os residentes de Mirona aprenderam técnicas de preparação de fardos de feno para a suplementação alimentar do gado bovino, o que vai facilitar a alimentação dos animais nos meses mais críticos de falta de pastagens.

ESCOLA PRIMÁRIA

COM APENAS 98 ALUNOS

Em Mirona existe uma escola primária completa (lecciona da primeira a sétima classe) que só tem 98 alunos, sendo que as turmas mais numerosas têm em média 18 alunos. Este efectivo escolar é assistido por cinco professores.

Esta é a realidade da população escolar daqui de Mirona. Somos muito poucos e não temos casos de crianças que não estudam ou de abandono escolar. Somos felizes nesse aspecto”, sublinhou António Budui.

A nossa Reportagem apurou que por falta de uma escola secundária em Mirona a maior parte dos alunos termina a sétima classe e dificilmente prossegue com os estudos porque as escolas do nível seguinte estão localizadas longe dali.

Aliás, para o caso das meninas acabam optando pelo casamento, tal como aconteceu com uma das nossas entrevistadas, Hélia Carlos, de 18 anos, com filha. Para além de cuidar do lar, dedica-se à produção de carvão vegetal. “Eu já não vou a escola porque terminei a sétima classe e para continuar com os estudos precisava ir a Maputo ou Manhiça e não tinha condições”, lamentou.

DRAMA DE SALÁRIOS

Em Mirona, tal como acontece em todo o país, existem funcionários públicos, nomeadamente professores, enfermeiros e serventes da pequena unidade sanitária local, os quais são forçados a realizar deslocações regulares para Manhiça ou Maputo para levantarem os respectivos salários.

Por causa da falta de transportes quando chega esta época tanto os professores como os enfermeiros e serventes do centro de saúde vão até a vila e as vezes não tem como regressar, pois dependem unicamente do comboio e de boleias que raramente aparecem.

Quando isso acontece os doentes ficam praticamente sem atendimento e os alunos sem aulas. Esse facto deixa os pais e ou encarregados de educação agastados, uma vez que sabem que os seus filhos não completam a matéria do ano lectivo.

Quando os poucos funcionários públicos saem e não conseguem transporte para regressar, os alunos perdem aulas, os doentes ficam sem a necessária assistência, enfim, mas compreendemos que eles não têm culpa”, adiantou Rosa Massunga.

Mais furos multifuncionais

O Projecto de Desenvolvimento de Cadeias de Valor nos Corredores do Maputo e Limpopo lançou recentemente um concurso público para a abertura de mais 14 furos multifuncionais nas províncias de Maputo, Gaza e Inhambane, no âmbito do Plano de Resiliência Climática que o MASA desenhou e submeteu ao Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrário (FIDA).

Dados em nosso poder indicam que este ano foram abertos dez furos multifuncionais em regiões remotas, sendo dois em Namaacha, um em Mirona, outro em Maluana, na província de Maputo, quatro em Massingir, outro em Chigubo e em Chókwè está em curso abertura de um furo.

A nossa perspectiva é colocar esses furos em pontos mais críticos onde o acesso a água tanto para pessoas como para o gado bovino é difícil. Por exemplo, aqui em Mirona o ponto mais acessível para tirar água dista há uns quatro quilómetros”, disseEgídio Muthimba, assessor para a Área de Adaptação a Mudanças Climáticas no ProSUL.

Segundo Muthimba, cada família beneficiária desembolsa 10 meticais pelo seu consumo mensal e mais 10 meticais por cabeça de boi. “É um valor simbólico para que valorizem a infra-estrutura, caso contrário seria difícil fazer a manutenção sem o cometimento da população”.

Dado o sucesso que esta iniciativa está a registar, um grupo de gestores de iniciativas semelhantes da Etiópia, Botswana, Malawi, Ruanda, Tanzânia, Quénia, Itália, Chile e Uganda foram selecionados por concurso para colherem a experiência do ProSUL que é tida pelo FIDA como bastante positiva e promissora.

O nosso país foi escolhido e a visita serviu para mostrar aquilo que são os furos multifuncionais para melhorar o acesso a água das comunidades assim como o gado bovino”, sublinhou Egídio Muthimba.

Por outro lado, os visitantes tiveram a oportunidade de ver como é que se podem usar estufas para a produção de hortícolas durante todo o ano sem que os agricultores se preocupem com a época quente ou fria, altura em que a produção baixa.

Segundo Muthimba também tiveram a oportunidade de ver a cadeia de mandioca para mostrar como se faz a multiplicação de estacas de variedades tolerantes à seca, mas que também são resistentes a algumas doenças, principalmente o mosaico africano.

Texto de Angelina Mahumane
angelina.mahumane@snoticias.co.mz

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