Adolescentes e jovens do distrito de Massingir, província de Gaza, estão a ser alvejados a tiro em fazendas localizadas no interior do distrito e no Kruger Park, vizinha África do Sul. Não é conhecido o número de vítimas mortais. Informações colhidas no local referem que cresce o número de viúvas e órfãos. Infelizmente, não se vislumbra o fim da caça furtiva porque os seus praticantes dizem que “morrer a caçar rinocerontes é acidente de trabalho”. Sustentam ainda que “nas minas da África do Sul sempre morrem pessoas e, quando isso sucede, apenas remove-se o corpo e a mineração prossegue. O Governo nunca ordenou o encerramento das minas por causa disso”.
Ninguém sabe dizer ao certo quantas mortes já ocorreram porque parte significativa dos funerais é realizada clandestinamente nas aldeias. Enquanto os mais velhos desesperam perante a sucessão de enterros dos seus filhos, os jovens das cercanias parecem ganhar um novo fôlego para novas investidas que terminam sempre de forma trágica.
De permeio, as autoridades do Parque Nacional do Limpopo (PNL) referem que os níveis da caça furtiva baixaram tanto no distrito de Massingir, assim como na vizinha África do Sul e acredita-se que este decréscimo se deve às acções de sensibilização que são levadas a cabo no local.
Por outro lado, o fortalecimento das medidas de segurança traçadas pelos gestores do Kruger Park parece desmotivar a alguns, uma vez que está determinado que todo o forasteiro que se mover por lá empunhando uma arma de fogo deve ser abatido.
Os sul-africanos não aceitam qualquer conversa porque recentemente alguns caçadores furtivos supostamente moçambicanos, sentindo-se encurralados pelos fiscais do Kruger, que se faziam transportar num helicóptero, tomaram a infeliz decisão de derrubar o aparelho, provocando a morte dos seus ocupantes. A guerra contra os caçadores ilegais foi declarada a partir daí.
A administração do PNL também refere que a redução da caça furtiva também pode estar associada ao desaparecimento do rinoceronte, animal mais procurado nas matas do lado moçambicano e sul-africano. Os populares com quem falámos também reconhecem que o número de caçadores furtivos mortos tende a baixar, mas reiteram que a situação não deixa de ser preocupante.
É que, em muitos casos, os jovens que são mortos neste tipo de operações deixam viúvas e filhos menores que ficam sob o cuidado de anciãos desprovidos de recursos para o sustento da família desafortunada e o sentimento que já se generaliza é o de que se está perante o extermínio de uma geração.
SER MORTO NA CAÇA
É ACIDENTE DE TRABALHO
A situação preocupa igualmente os líderes religiosos que dirigem as cerimónias fúnebres, os quais, nas suas pregações, apelam aos jovens a abandonarem aquela actividade, mas a resposta que têm recebido é: “Para nós, morrer a caçar rinocerontes ou elefantes é acidente de trabalho”, afirmam.
Os jovens de Massingir procuram desmotivar a quem os repreenda afirmando que“nas minas da África do Sul sempre morrem pessoas e, quando isso sucede, apenas remove-se o corpo e a mineração prossegue. O Governo nunca ordenou o encerramento das minas por causa disso”.
Enquanto a juventude daquele distrito recorre àquela justificação, os fiscais, sobretudo os de áreas de conservação privadas, não perdoam. Têm ordens para disparar para matar contra qualquer estranho que for encontrado dentro dos seus limites.
Testemunhámos no local que os fiscais das fazendas de bravio estabelecidas naquela área estão determinados a atirar para matar porque os caçadores furtivos fazem o mesmo quando se apercebem da presença daqueles. “No passado tivemos casos de fiscais mortos por caçadores furtivos. Temos de nos defender”, disse um fiscal.
O caso mais recente da acção dos fiscais deu-se há uma semana, na Fazenda Twin City, próximo da aldeia Cubo, muito perto da linha de fronteira com a África do Sul, para onde afluem alguns rinocerontes e elefantes idos do Kruger Park. Três jovens, moradores daquela aldeia, decidiram ir caçar naquela área, cruzaram-se com uma equipa de fiscais e deu-se mais uma tragédia.
Quando os fiscais se deram conta da presença da tripla de furtivos dispararam para o ar e, no lugar de abandonarem a mata, os três jovens responderam disparando contra o grupo de fiscais. Porque a situação se mostrava dramática, um dos fiscais que estava na linha de fogo disparou e atingiu um dos caçadores furtivos e os outros puseram-se em fuga. Os fiscais recuperaram uma arma do tipo Mauser, calibre 485, com 10 munições.
“O indivíduo atingido faleceu naquela mesma noite por falta de assistência, dado que esta troca de tiros aconteceu na calada da noite. Ele perdeu muito sangue. O seu corpo foi achado pelos fiscais, no dia seguinte, domingo”, refere um fiscal que não quis ser identificado.
A nossa Reportagem, que chegou a Massingir poucos dias depois, assistiu ao clima de agitação que se viveu na aldeia de Cubo logo depois do funeral, porque os jovens locais entendiam que era preciso vingar a morte deste, uma vez que o seu irmão mais velho morreu há cerca de dois meses em circunstâncias semelhantes.
Em retaliação, vários jovens tentaram, sem sucesso, invadir a fazenda Twin City, alegando que os seus irmãos e amigos estão a ser mortos rotineiramente naquele recinto. Para fazer face àquela situação e prevenir o seu agravamento, os responsáveis da fazenda solicitaram a intervenção das forças policiais estabelecidas na sede do distrito.
Aliás, e por aquilo que nos foi dado a testemunhar, os jovens começaram a preparar a invasão àquela área de conservação durante o funeral. Depois das cerimónias fúnebres, quando nos deslocámos àquela comunidade, os jovens avisaram-nos para não circularmos por ali no dia seguinte (quarta-feira) porque seria interdita a entrada e saída de viaturas e pessoas estranhas a Cubo.
Na altura referiram que “muitos jovens estão a ser mortos naquela fazenda. Sentimo-nos limitados na nossa própria terra, pois desde que os sul-africanos começaram a operar aquela foi-nos proibido andar à procura de algo para a nossa subsistência. É ali onde pastávamos os animais e praticávamos a agricultura. O pior é que quem tenta desafiar é morto pelos fiscais que, na sua maioria, são residentes daqui”.
SOFRIMENTO
Enquanto os jovens mantêm a sua determinação de caçar rinocerontes e elefantes, os seus familiares desesperam. “Pedimos ajuda de quem de direito para assistir às viúvas e órfãos. Somos obrigados a cuidar dos nossos netos e noras quando não temos recursos e nem energias para tanto, pior num ano como este em que não há o que comer por causa da seca”.
Num outro desenvolvimento, os nossos entrevistados lamentam o facto dos seus filhos ignorarem os seus conselhos em relação aos riscos da prática da caça furtiva.
José Vugueis é agricultor e residente na aldeia de Chimangue, posto administrativo de Mavoze. Conta que no mês de Agosto do ano passado, 2015, perdeu no mesmo dia dois filhos de 28 a 30 anos, nas matas da África do Sul. Na altura estavam juntos a caçar quando foram surpreendidos pelas forças de fiscalização locais.
O nosso entrevistado não quis revelar como é que os seus filhos tiveram acesso a armas e munições, mas jurou a pés juntos que aquela era a primeira investida dos seus filhos.
“Quando saíram avisaram às suas esposas que iam para o distrito de Mapai. Mais tarde, recebemos a informação de que tinham sido mortos nas matas sul-africanas. Primeiro foi difícil acreditar porque sempre os aconselhei para não seguirem aquela via, mas, infelizmente, nenhum deles me quis ouvir. A morte deles surpreendeu-me”, disse.
O nosso entrevistado disse ainda que, para além da infelicidade de ver os seus filhos mortos, agora arca com o dever de cuidar das duas noras e três netos. “Estou a atravessar um momento muito complicado. Construí duas casas no meu quintal onde morram as minhas noras com os seus filhos. Não é fácil, mas também não posso expulsá-las”,disse.
Por sua vez, Jaime Manhique, agricultor da aldeia Cubo, também perdeu dois filhos no presente ano, 2016, no território nacional, na Fazenda Twin City. O último caso verificou-se na semana passada, e o primeiro nos princípios do presente semestre.
Manhique desmente que os seus filhos tenham sido encontrados a caçar naquele recinto e opta por acusar os fiscais de estarem a agir de má-fé, porque tanto os fiscais como os jovens que têm sido mortos por ali são vizinhos.
“Parece-me que há aqui uma guerra qualquer entre os fiscais e os nossos filhos. Mataram os meus filhos, e agora tenho essa dupla ou tripla missão, que é cuidar da minha casa, para além das minhas noras e netos. O mais velho deixou quatro filhos e o mais novo três, todos esses estão na minha responsabilidade”,disse.
CAÇA AO ELEFANTE AUMENTA
Dados em nosso poder indicam que a caça ao elefante tem vindo a aumentar nos últimos tempos no PNL, pois, nas patrulhas terrestres efectuadas, foram encontrados nove animais mortos, alguns destes abatidos recentemente. Logo de seguida foi feita uma missão aérea que culminou com a localização de 24 carcaças.
Fonte do PNL disse que no mês de Novembro foram encontrados dois pares de pontas de marfim abandonados, sendo um dentro do PNL e outro fora, na zona de Mukatine. Os mesmos terão sido abandonados por caçadores furtivos que estavam a ser perseguidos pelos fiscais do parque.
Por um lado, acredita-se que o aumento da procura desta espécie esteja associada à elevada procura de marfim que se regista em alguns pontos do mundo, sobretudo entre os países asiáticos e, por outro, pensa-se que o fenómeno pode estar associado à proximidade da quadra festiva, e os jovens podem estar interessados em garantir dinheiro para as festas.
Há informações segundo as quais os compradores desta mercadoria estão instalados nos distritos de Chókwè, Chicualacuala e Mapai, todos da província de Gaza. Aliás, há dias foi neutralizado, em Chókwè, Matias Langa com duas pontas de marfim. O mesmo provinha de Chicualacuala, onde reside e desenvolve a actividade cambial informal.
A caça ao elefante está a deixar as autoridades do PNL preocupadas, pois até num passado recente a procura desta espécie tinha baixado e a população animal já estava a crescer. Na altura, as espécies mais sacrificadas eram os rinocerontes, mas estes já desapareceram do mapa.
Nos trabalhos de patrulhamento feitos recentemente foram localizadas duas carcaças nas matas do parque, sem os respectivos marfins. A avaliar a forma como foram estriados os marfins os fiscais acreditam que os malfeitores são indivíduos inexperientes.
As carcaças foram achadas em locais próximos de lagoas, o que faz presumir que os animais foram interceptados quando estavam a caminhar para aquele ponto para beber água.
Para fazer face à situação, as autoridades locais, em coordenação com os fiscais, intensificam medidas de patrulhamento e palestras nas comunidades.
De acordo com dados facultados pelo Parque Nacional de Limpopo ainda no mês passado de Novembro foram interceptados dois indivíduos armados, sendo um de nacionalidade sul-africana e outro moçambicano que seguiam munidos de armas licenciadas, sendo a do sul-africano de calibre 375 com 7 munições, a do outro de calibre 500-Safari com 10 munições.
SITUAÇÃO CONTROLADA
O agente das Relações Públicas do Comando Distrital da Polícia da República de Moçambique, em Massingir, Biguene Castelo, disse que a sua corporação tem vindo a trabalhar com a comunidade de forma a neutralizar os praticantes da caça furtiva naquele distrito.
Como resposta, no presente ano foi detido um cidadão, residente na aldeia Canhane, na posse de 12,5 quilogramas de corno de rinoceronte. O mesmo foi encaminhado à justiça.
Segundo Castelo, ainda neste ano foram neutralizados dois indivíduos saindo doKruger Park. Os dois traziam duas armas do tipo Mauser, calibre 375 e 458.
“Mas a situação está controlada. Tivemos um incidente há dias de troca de tiro entre fiscais duma fazenda e a comunidade de Cubo, onde um indivíduo foi alvejado mortalmente. A informação que temos é que na altura do incidente eram três, dos quais dois fugiram. Neste momento estamos a trabalhar no sentido de localizá-los e neutralizá-los. Este é o primeiro caso que registámos”,disse.
Texto de Abibo Selemane
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