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A revolta dos agricultores

Por admin

Os preços de produtos frescos estão a subir na África do Sul em consequência da demanda interna e da pressão exercida pelos mercados de países como Moçambique, Tanzânia e Zimbabwe.

A conjuntura abre espaço para inflação em Moçambique. Os preços de produtos frescos estão a disparar.

Preocupado, o Governo apela ao aumento da produção interna. Grande parte dos campos agrícolas só tem capim seco. Não temos tomate, cebola e até batata. 

O Ministro da Indústria e Comércio deslocou-se à Moamba, um dos “celeiros” do país, com intenção de in loco verificar como funciona a cadeia de produção de produtos frescos, onde particular destaque vai para a batata, tomate e cebola.

Produtos frescos comercializados no Mercado Grossista do Zimpeto, em Maputo, são na sua maioria importados da vizinha África do Sul. Batata, cebola, tomate, tudo importado. O rand está a valorizar-se. O que estava a 30 randes está agora a 75. Próxima semana o cenário pode mudar de cor.

Agricultores dizem que a produção nacional caiu em declínio porque os seus produtos são vendidos a baixo preço no Mercado Grossista do Zimpeto, muito aquém do investimento aplicado na compra da semente, fertilizantes e rega.

Sublinham que vão parar com a produção até o Governo acabar com os “gay gay”, homens que obrigam produtores a praticarem preços baixos.

Nas páginas que se seguem, domingo aborda o assunto com mais detalhes.

Os parasitas do Zimpeto

Moçambique gasta anualmente 340 milhões de dólares por ano na importação de produtos como arroz, trigo, milho, não obstante o vasto potencial agrícola que detém. Produtores da Moamba, um dos “celeiros” do país, dizem que tal facto se deve à existência de barreiras na comercialização de produtos frescos no Mercado do Zimpeto, por sinal o único mercado grossista da zona sul. Aqui entram em acção os “gay gay” descritos como parasitas que operam numa rede ilegal que obriga a praticar preços baixos para revenda de produtos pelo dobro.

Os ingleses chamam isto de “dumping”, palavra que em termos comerciais designa a prática de colocar no mercado produtos abaixo do custo com intuito de eliminar a concorrência e aumentar as quotas de mercado.

Por outras palavras, os “gay gay” do Zimpeto compram os produtos a um preço extremamente baixo, muitas vezes inferior ao custo de produção para revenda a preços proibitivos.

Estão claramente a enriquecer enquanto os donos da produção acumulam dívidas e empobrecem continuamente.

O “dumping” é uma prática desleal e devia ser proibida em termos comerciais. Os produtores ameaçam continuar a não produzir nada, porque dizem que a venda de produtos frescos no Zimpeto não traz retorno. Só dá prejuízos.

Apelam ao Governo para adoptar regras “anti-dumping”, medidas que devem ser esboçadas com o objectivo de evitar que os produtores nacionais continuem a ser prejudicados pela acção dos “gay gay”.

Membros da Associação de Produtores do Bloco I, na Moamba, mostraram a sua insatisfação semana passada ao Ministro da Indústria e Comércio, Max Tonela.

Composta por 250 membros, a associação trabalha numa área de 480 hectares. “Estamos estagnados devido às dívidas”, disse Angélica Chissano, secretária da agremiação.

Acrescentou que alguma coisa está a falhar na cadeia de produção. “A água está aqui. Os produtores estão aqui. As sementes também. O pouco que produzimos esbarra na rede de comercialização. Obrigam-nos, às vezes, a vender caixa de tomate produzido por dez meticais. Esse dinheiro é gasto na colheita do próprio tomate e na compra da semente”, sublinhou.

“O preço que me aceitam no Zimpeto não paga a semente, nem a água. Meio hectare da produção de tomate não paga a água”,disse ainda Angélica Chissano, salientando que :“por este andar, prefiro vender um fardo de roupa na estrada”.

Ressalvou que 480 hectares de terra “não é brincadeira”. “Podíamos resolver os problemas de falta de produtos nacionais. No Zimpeto obrigam-nos a vender certo produto por 200 meticais. Os “gay gay” aumentam 100 meticais e vão enriquecendo perante a nossa desgraça”, rematou.

Joshua Sitói, presidente da Associação dos Agricultores da Moamba e membro da Associação dos Produtores do Bloco II, disse por sua vez que dispõe de 485 hectares de regadio. Na presente época, a associação apenas trabalhou numa área de 200 hectares  devido à estiagem e descapitalização dos membros.

Disse que no ano passado produziram muita batata, mas o preço imposto no Zimpeto pelos “gay gay” deitou por terra todo o investimento na produção. Resultado: “este ano não temos dinheiro e não temos absolutamente nada nas machambas. Só capim seco”, apontou.

Explicou que devido às condições impostas no Mercado do Zimpeto, apenas ganha 150 mil meticais por cada hectare de batata, contudo as despesas de produção ascendem os 400 mil meticais.

A acção dos “gay gay” está manifestamente a quebrar a produção de todo um país. Vários ministros de Comércio tentaram no passado desmantelar a rede no Zimpeto.

A resposta tarda a chegar não obstante a pressão exercida pelos produtores e pela Confederação das Associações Económicas (CTA) que por várias vezes bateram a porta no Centro de Promoção da Agricultura (CEPAGRI).

Hortelão Matusse, produtor, disse também que o retorno à produção está dependente da reorganização do Mercado Grossista do Zimpeto, a soldo de “bandidos”. “Por que eles não vem comprar o  nosso produto nas nossas machambas” ?, questionou, acrescentando: “nós facilitamos. Levamos o produto até Maputo. Compram-no a preço baixíssimo. Somos obrigados a entregar porque trata-se de produtos frescos, que apodrecem”

Hortelão explicou que os “gay gay” compram uma caixa de tomate por 150 meticais e vão vender a 300, o que não é aceitável para um intermediário. “O nosso produto fica a valer menos que o custo de produção”, afirmou.

Resultado: “este ano ninguém produziu nada e o mercado está a gemer”, rematou o nosso entrevistado.

Referiu que as reservas existentes na Moamba não chegam nem para um mês.

Para ele, Zimpeto tem uma organização criminosa e urge investigar o que está a acontecer. “Os “gay gay” acham que a nossa capitalização obsta o seu crescimento. O nosso tomate deve ser sempre barato. Estão a retirar a nossa capacidade de produção para importar produtos em nome da falta de produção interna”, sentenciou.

Manuel Baptista, outro produtor, disse que a produção pode ser relançada se o Governo encontrar soluções de armazenamento de produtos frescos e resolver o problema da comercialização.

Francisco Machiana disse por seu turno que não pode ser aceitável que alguém produza algo por dez meticais e venda a 2 meticais. “Os “gay gay” estão a sufocar-nos. Ninguém tem nada nas machambas. É raro ver maçaroca”, anotou.

Referiu que quando os produtores negam o preço praticado no Zimpeto, os “gay gay” chegam a dizer o seguinte: “O teu tomate não entra aqui”.

Para Margarida Lemos, o Centro de Promoção da Agricultura (CEPAGRI) e o Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA) devem estudar mecanismos de gestão visando soluções no agroprocessamento e conservação de produtos frescos, sem descurar o problema que é apontado por todos: furos na cadeia de comercialização.

Margarida Lemos foi mais longe ao afirmar que os produtores só deviam ser produtores. Isto é: alguém (Por exemplo o Instituto Nacional de Cereais) devia comprar e comercializar. “Neste caso não haveria “gay gays””, sublinhou.

Acrescentou que os “gay gay” levam acima de 100 meticais por cada caixa de tomate.  “Nós é que damos trabalho a eles. Chegam a ganhar trinta mil meticais e nós voltamos com dez mil meticais, explicou.

Os produtores destacam, por outro lado, a necessidade de criação de condições de conservação de produtos frescos. Paradoxalmente, existem na Moamba contentores de frio. Estão a 6, 7 anos sem funcionar.

Tais contentores seriam espécie de distribuidor de produtos frescos munidos de estufa com temperatura média favorável à conservação durante seis meses. Dizem que só assim se pode ter produtos disponíveis ao longo de todo ano e a preço justo.

De referir que semana passada uma caixa de tomate (25 quilogramas) era vendida entre 850 a 1000 meticais.

Os grossistas dizem que são forçados a deslocar-se ao mercado sul-africano porque o país não produziu nada este ano.

Camiões com produtos

frescos tendem a reduzir

A frota de camiões que escala o Mercado Grossista do Zimpeto tende a reduzir em consequência da estiagem que grassa Moçambique e África do Sul e consequência do fenómeno El Nino.

O país não produz comida suficiente para satisfazer as necessidades da sua população. No sul e no centro do país a crise já é evidente.

A seca fustiga também a África do Sul, cujo mercado tem abastecido o sul e o centro de Moçambique.

Ou seja: a escassez de produtos frescos afecta o próprio mercado sul-africano, sob evidente pressão de países como Tanzânia e Zimbabwe.

Os preços na África do Sul estão a subir, o que, obviamente, coloca Moçambique sob alerta de grande inflação.

Moçambique com água e bastante terra arável depende de terceiros para ter segurança alimentar.

Mandatado pelo Governo, o Ministro da Indústria e Comércio, Max Tonela, deslocou-se à Moamba para perceber os desafios que Moçambique tem na produção agrícola e na comercialização.

“Temos que aumentar a produção para não dependermos das importações. Não produzimos o suficiente para o país. Queremos que Moamba aumente a produção de cebola, tomate, batata”, apelou o Ministro da Indústria e Comércio.

Governo e produtores deverão encontrar soluções para que a comercialização de produtos frescos seja praticada a preço justo.

O baixo preço praticado na comercialização de produtos frescos desincentiva a produção.

Neste momento, o Mercado Grossista do Zimpeto não tem produtos frescos nacionais. Grande parte dos produtos vem da África do Sul. Moçambique perde divisas nas importações.

O Ministro da Indústria e Comércio admitiu que o país está perante o desafio de preencher toda a cadeia de produção e garantiu que o Ministério da Indústria e Comércio, bem como o da Agricultura e Segurança Alimentar estão a trabalhar em conjunto para encontrar soluções sustentáveis.

O Governo busca soluções sustentáveis, a médio prazo, para estimular a produção agrícola no país com o objectivo de limitar as importações.

Esse papel era despenhado pelo Instituto de Cereais de Moçambique. O Ministro convidou o sector privado para se interessar pelo ramo de comercialização agrícola.

A falta de condições de conservação limita também capacidade de negociar preço justo.

Vamos agir

– garante Ministro da Indústria e Comércio, Max Tonel

O Ministro da Indústria e Comércio, Max Tonela, garantiu que o Governo vai acabar com a actividade dos “gay gay” no Mercado Grossista do Zimpeto.

Sublinhou que a Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE) vai trabalhar no Zimpeto, devendo, entretanto, articular com o município de Maputo a respeito de procedimentos e fiscalização.

“Vamos agir”,prometeu Max Tonela, assegurando que no processo de fiscalização, os produtores terão uma palavra a dizer.

“O intermediário não pode ter uma margem de 50 por cento”,ressalvou.

Bento Venâncio

Fotos de Inácio Pereira

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