.Visita marcada pelos apelos à paz em Moçambique e ao fortalecimento das relações económicas
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, terminou na última esta sexta-feira a visita de Estado de quatro dias a Moçambique, a primeira desta natureza desde que tomou posse, e que foi dominada pelos apelos à paz no país.
A situação económica de Moçambique também marcou a visita do chefe de Estado português… e a cultura, claramente, que não ficou de fora!
Durante os três primeiros dias da visita, o Presidente da República português manteve contactos próximos com a população em várias ocasiões, a maior das quais na quinta-feira, em que conviveu por várias horas com centenas de crianças em duas escolas de Maputo. Também o Acordo Ortográfico foi abordado na deslocação a Moçambique, com o chefe de Estado a considerar que, se países como Moçambique e Angola decidirem não ratificar o Acordo Ortográfico, isso será uma oportunidade para repensar a matéria.
As ligações de Marcelo Rebelo de Sousa a Moçambique, onde o seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, foi governador-geral, no período colonial, foram lembradas, embora o chefe de Estado tenha sublinhado que não foi a nostalgia a razão fundamental para escolher o nosso país para a sua primeira visita de Estado, mas o futuro das relações bilaterais.
Marcelo de Sousa tem um conhecimento profundo do país, e uma forte ligação de quase 50 anos que nasceu no tempo colonial e se estendeu até hoje. Marcelo manteve-se como visita regular, mesmo depois de a família ter saído da então Lourenço Marques, onde o pai foi governador-geral. Cultivou amizades e contactos políticos e quer agora fortalecer pontes empresariais, mas também culturais.
Homenagem
a Marrabenta
Já no ocaso da sua estadia em Moçambique, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma singela homenagem aos artistas moçambicanos, numa gala em que pontificaram escritores, músicos, actores, artistas plásticos, jornalistas.
Na ocasião, que serviu também para atribuição do Grau Oficial da Ordem de Mérito aos músicos Stewart Sukuma, Moreira Chonguiça, Kika Materula, Stela Mendonça e Dilon Djinje, o presidente português fez questão de dizer que “Moçambique é a minha segunda pátria”, ainda que isso soe a politicamente incorrecto para algumas pessoas.
Disse ainda que um povo que não conhece a sua cultura “arrisca-se a perder-se” neste mundo em constantes mutações e onde a circulação de pessoas é cada vez mais determinante para o desenvolvimento.
Revelando um profundo conhecimento cultural do nosso país, contou que “eu comprei o primeiro quadro de Malangatana em 1968 e quero aqui fazer uma singela homenagem a esse grande homem da cultura com o qual tive a honra de privar”, disse dirigindo-se especialmente aos filhos do malogrado pintor.
Falou de Terra Sonâmbula de Mia Couto, de Choriro de Ungulani bhaka khossa, de Balada de Amor ao Vento de Paulina Chiziane, de Chichorro, de Ídasse Tembe e tantos outros; falou do Xigubo, do Tufo e do Mapiko; falou dos cheiros, das árvores, das estradas, das casas e dos prédios de Maputo. Falou das pessoas e muito mais… destacou a importância da marrabenta sem contudo descurar outros géneros musicais do nosso país.
Em ambiente descontraído – pontuado pela música – Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de passar por todas as mesas e cumprimentar directamente todos os convidados.
Diplomacia económica
Aquando da visita de Nyusi a Portgual, ficou estabelecido que os dois países, umbilicalmente ligados por razões históricas e políticas, iriam incrementar as relações económicas. O assunto dominou parte substancial da agenda dos dois estadistas. O entendimento tornado público é o de que é preciso mudar os paradigmas que envolvem questões económicas e que as dificuldades por que passa Moçambique devem ser vistas como oportunidades de negócio.
O presidente Nyusi disse, a propósito, que nas conversações foram abordados todos os aspectos importantes: “o dólar subiu, o preço do petróleo e do gás baixou. Consumimos mais do que produzimos. Temos cheias no Norte e seca no Sul do país. Falamos também da dívida e do que está a ser feito para resolver o problema”.
No verão passado, rebentou no país o escândalo que envolvia uma empresa de pesca de atum (EMATUM) a Proindicus e a MAM. As decisões tomadas pelo anterior Governo foram vindo a público, divulgadas pela imprensa internacional, primeiro o Wall Street Journal e, depois, o Financial Times. Para onde foi o dinheiro é o que falta explicar.
Uma coisa é certa, enquanto existirem dúvidas, os 14 países do grupo de doadores que dá apoio directo ao Orçamento moçambicano não adiantam dinheiro ao país. Na verdade, a desconfiança já alastrou a todos os doadores, uma lista onde se incluem países como a Alemanha, França, Itália, Bélgica, Espanha, Portugal, Suécia, Finlândia, Reno Unido ou mesmo a União Europeia e o Banco Mundial, e que representa quase 30 porcento do Orçamento do Estado. Este já não em apoio directo mas através de projectos de investimento em áreas concretas.
Fundo Monetário Internacional também congelou os apoios ao país nas últimas semanas, pela mesma desconfiança. Recentemente a directora-geral do FMI reuniu-se com o primeiro-ministro de Moçambique, num encontro em Washington onde Carlos Agostinho do Rosário assumiu a divida de mais de mil milhões de dólares à instituição que tem um pacote de assistência financeira ao país. No comunicado final, o FMI admitiu a importância do reconhecimento feito pelo Executivo moçambicano, para o restabelecer da relação de confiança com o país e afirmou ainda que o Fundo continuará a “trabalhar construtivamente” com o Governo para “avaliar as implicações macroeconómicas desta ocultação de informação e identificar os passos para a estabilidade financeira”.
Sobre o assunto, o Presidente Nyusi disse que não havia razões para desesperar; “o Governo assumiu que existe a dívida e, mais importante “essas empresas existem; tanto a EMATUM, como a Proindicus e a MAM e são, até prova contrária, as responsáveis pela situação. Que se saiba, a pesca de atum é um negócio rentável”.
Entretanto o ministro Maleane disse que o executivo estava já a tomar medidas tendentes a minimizar o impacto da decisão do G-14, do FMI e do Banco Mundial, por meio de cortes financeiros nalguns sectores e o redireccionamento dos fundos estatais para os chamados sectores vitais.
Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou, a este propósito, que o grupo de doadores internacionais suspendeu a ajuda "para efeitos de esclarecimento de situações", e não de forma definitiva, tendo apelado ao reforço do investimento português em Moçambique. Na vertente política, os apelos à paz foram uma constante, desde o início, nos discursos do Presidente da República, numa altura em que Moçambique vive uma situação de tensão político-militar entre o Governo da Frelimo e a oposição da Renamo.
Segurança
E falando de segurança, importa lembrar que nas vésperas da visita de Estado do Presidente português, o Presidente Filipe Nyusi participou numa cimeira tripartida com Malawi e a Zâmbia, onde o assunto dos refugiados esteve em discussão. Do encontro com o presidente do Malawi, Peter Mutharika, saiu um acordo para a instalação de umacomissão conjunta para a questão dos refugiados.
Ora a questão da defesa e segurança foi um dos temas do encontro entre os dois chefes de Estado. O presidente Nyusi voltou, uma vez mais a reiterar a sua disponibilidade para o diálogo com a Renamo e o respectivo líder. Marcelo também alinhou pelo mesmo diapasão, referindo ainda que tal não pode, entretanto, violar a Constituição da República.
“Nós estamos a trabalhar nesse sentido. Há encontros que estão a ser feitos quer interna, quer externamente. O presidente Marcelo manifestou disponibilidade para apoiar-nos”, disse Nyusi.
Importa referenciar que antes escalar Maputo, Marcelo passou por Roma para uma estadia rápida de dois dias. A visita terminou na última segunda-feira. Depois o presidente da república portuguesa embarcou para Maputo. É necessário notar que foi em Roma que, em Outubro de 1992, foi assinado o Acordo Geral de Paz para Moçambique, entre Joaquim Chissano (então presidente da república de Moçambique e líder da Frelimo) e Afonso Dhlakama, líder da Renamo.
Infelizmente, 20 anos depois, Moçambique ainda vive no sobressalto da memória da guerra, que se tornou mais viva nos últimos anos, nomeadamente desde 2012, altura em que Dhlakama se instalou na antiga base da Renamo na Gorongosa, a norte do país. Começaram as ameaças constantes de regresso à guerra e agora há registo de mortes e destruição de bens.
Normalmente, as queixas da Renamo, o maior partido da oposição, vêm na sequência de eleições gerais (o regime é presidencialista), sempre com acusações de fraude à Frelimo, que incluem também a Comissão Nacional de Eleições. Foram tentadas negociações, numa primeira fase, mas falharam sempre. Dhlakama aceitou reunir-se com o presidente Nyusi mas acaba sempre por voltar à base e manter elevada a tensão do conflito.
Olhar para frente
No jantar que lhe foi oferecido na quarta-feira pelo seu homólogo moçambicano, Filipe Nyusi – uma de várias ocasiões em que ambos estiveram lado a lado durante esta visita -, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que as divergências devem ser expressas livremente através do parlamento e da comunicação social livre e independente, e condenando o recurso à violência.
“O presidente Nyusi é frontal e ciente dos passos a dar. Portugal, naturalmente, está disponível para apoiar todas as iniciativas que conduzam a uma paz séria e duradoura mas não a custa de violações da Constituição da República em vigor em Moçambique”, disse Marcelo.
O Presidente Filipe Nyusi manifestou o "desejo de voltar a viver a paz absoluta" e defendeu que é preciso dialogar com a Renamo, antes de se falar de mediação internacional.
Noutro momento, Filipe Nyusi disse Palavras que, tal como Vossa Excelência disse, foram “feitas de memória, lealdade, afecto, fidelidade a um destino comum”. Acrescentou que dirão alguns, mais pragmáticos, que não bastam afectos para construir uma cooperação. Os afectos não bastam. Mas se eles existem e se existe na dimensão que é a da nossa história, então esses criam uma vizinhança que vai bem para além da geografia e das circunstâncias do momento.
Acrescentou que “o Povo Moçambicano e o Povo Português devem tirar vantagens desta relação secular. Lutámos juntos contra um mesmo regime que oprimia os nossos dois povos. Derramamos o mesmo sangue contra a injustiça e a discriminação. Não é uma coincidência que celebremos ao mesmo tempo, em Moçambique e em Portugal, os mesmos 40 anos de liberdade. Quatro décadas passaram desde que os moçambicanos conquistaram a soberania.”
Parlamento
Aliás, na visita que realizou ao Parlamento moçambicano, Marcelo Rebelo de Sousa salientou essa presença, dirigindo-se para Verónica Macamo: "Vossa excelência quis estar acompanhada de representantes da Renamo, da Frelimo e do MDM, num sinal daquilo que verdadeiramente nós conhecemos também em Portugal, que é na nossa Assembleia da República termos representações de partidos que traduzem a vontade popular".
"A democracia constrói-se todos os dias. Não é uma construção fácil, mas é uma construção necessária, porque a pior das democracias é sempre melhor do que a melhor das ditaduras. E todos os dias se deve lutar para não haver a tentação de regressar à violência, à guerra, à divisão, à ditadura", acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa.
A chefe da bancada parlamentar da Renamo, Ivone Soares, considerou que Marcelo Rebelo de Sousa tem condições para exercer uma influência a favor de uma mediação internacional do conflito político e militar no país. Através dela, o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, transmitiu que gostaria de jantar e trocar impressões com o Presidente português mas "está impossibilitado" por se encontrar na Gorongosa, depois de ter sido noticiado que o seu nome constava da lista de convidados para o jantar que Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu a Filipe Nyusi.
Maputo no coração
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu, esta sexta-feira, a chave da cidade de Maputo, 48 anos depois do seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, governador de Moçambique no período colonial, afirmando que aquilo que une Portugal e Moçambique "ultrapassa regimes".
Para Marcelo Rebelo de Sousa, muitos não compreendem "a amizade fraterna" entre Portugal e Moçambique, mas ela "é o retrato daquilo que existe entre os dois países e que ultrapassa regimes, tipos de estado e as situações mais diversas, políticas, económicas e sociais".
Para o chefe de Estado português, foi essa "relação afectiva inultrapassável e irresistível" que tornou possível uma "conjugação histórica de acontecimentos", referindo-se à circunstância de receber a chave da cidade quase meio século após o seu pai, no mesmo salão nobre do actual Conselho Municipal de Maputo.
Marcelo Rebelo de Sousa recordou que naquela cerimónia era apenas um estudante universitário, mas já "com Moçambique no coração", sentado numa das últimas filas daquele salão, longe de imaginar que estaria ali a receber a chave da cidade e ocupar a cadeira que, segundo imagens de arquivo mencionadas pelo autarca de Maputo, era igual àquela em que o pai se sentou a 23 de julho de 1968.
Reiterando "a sensação de regressar a casa", o chefe de Estado assinalou que "essa atracção tem crescido no tempo", mas o que era meramente pessoal é agora também institucional, desde que se tornou Presidente da República.
Esta visita de Estado terminou com um encontro com a comunidade portuguesa e um jantar oferecido por Marcelo Rebelo de Sousa em honra do Presidente da República de Moçambique, no Hotel Polana. Marcelo Rebelo de Sousa regressou a Lisboa no sábado de manhã, viajando em voos comerciais e com uma comitiva que não integra ministros, deputados ou empresários, mas apenas os secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, assessores e seguranças, num total de 27 pessoas.
Belmiro Adamugy
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Fotos de Inácio Pereira