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Como se conversa com quem não quer?

Por admin

Texto de Pedro Nacuo

A pergunta foi levada a dois dirigentes de confissões religiosas, designadamente, ao bispo dos Libombos, Dom Carlos Matsinhe e a bispa da Igreja Metodista Unida em Moçambique, Joaquina Nhanala, cuja resposta sugere diálogo, mais diálogo e nada alternativo ao diálogo.

O nosso pressuposto era de que, tendo o Chefe do Estado, Filipe Jacinto Nyusi, convidado o seu compatriota, líder da Renamo, Afonso Dhlakama, para se sentarem ao mais alto nível visando o desanuviamento da actual tensão político-militar e este se ter mostrado relutante, pelo menos até agora, que ideias se poderiam avançar, visando o carrilamento do processo de pacificação no país que dura já anos, mesmo antes do Acordo Geral de Paz.

O Bispo anglicano, entende que não se pode procurar uma alternativa ao diálogo, embora a nossa contraparte se recuse a dialogar, sugerindo que tudo deve ser feito até que a pretensão do Chefe do Estado se concretize, pois é o caminho viável.

Todos estamos à procura de um caminho que ajude a cessar a tensão política vigente. Do ponto de vista cristão não há outro caminho senão aquele que passa por aceitar o diálogo. É o único recomendado pela doutrina cristã e não podemos perder a esperança, não havendo outro caminho que não seja aquele em que as pessoas aceitem sentar-se juntas” disse o prelado.

O domingo voltou a colocar a questão nos termos em que uma parte se recusa a conversar, como é o caso do líder do maior partido da oposição e única formação política armada em Moçambique, a Renamo.

Não se põe a hipótese de um virar as costas ao outro, alegadamente porque não quer conversar, quando o que está em causa é o bem comum, não se pode fazer isso, temos, mas é virar-nos a Deus o nosso criador. Tudo o que nós temos, incluindo o poder que pretendemos ter é-nos dado por Deus e o interesse de Deus é construir sociedades saudáveis, de paz e justiça, em que haja uma convivência pacífica, esse é o projecto de Deus que nós conhecemos. Então não podemos virar as costas a ele”.

Matsinhe diz que é preciso reconhecer as falhas, que todos as temos, mesmo em ambientes caseiros, que entretanto são ultrapassáveis, porque o contrário, conforme o nosso interlocutor, é autodestruição, pois ninguém ganha com isso, ainda que aparente colher dividendos resultantes disso, é na verdade deveras efémero.

É isso que nos move a dizer que temos que ter suficiente humildade para resolvermos os problemas que nos afligem. Cada um sabe onde está dentro deste imbróglio todo, não é difícil entender o que move a cada um, sendo aí o ponto de partida”.

Papel da comunidade internacional

O clérigo puxa para a nossa conversa para a comunidade internacional, para quem tem um papel preponderante na contenda, o que levou a que a nossa reportagem lhe perguntasse se era reconhecendo que alguma mão externa pode estar a atiçar o conflito caseiro moçambicano, como tem sido propalado por correntes politicas e observadores nacionais.

Para se chegar ao acordo de Roma foi necessário o envolvimento da comunidade internacional, tivemos vários apoios. Nós somos um país, mas não estamos isolados do mundo. Porém, a melhor das hipóteses seria resolver os nossos problemas entre nós, sem influência de pessoas estranhas ao processo. Não tenho muita certeza de ligações externas que estejam a atiçar os nossos ânimos, pelo que, ao falar da comunidade internacional refiro-me ao apoio moral que nos é importante neste e noutros momentos”.

A paz não interessa apenas

À Frelimo e à Renamo!

Dom Matsinhe disse que as confissões religiosas no seu todo estão disponíveis a ajudar no que podem e estão sempre a orar para que o cenário político mude radicalmente a favor da paz. Naqueles aspectos em que elas podem ser uteis, diz o bispo, estão na sua inteira disponibilidade.

É isso que temos falado em reuniões nossas e com outras igrejas, mas também quero acreditar que os outros partidos, associações e outros sectores da sociedade moçambicana devem ser envolvidas no processo. Eles também têm algo a dizer, também querem contribuir. É toda a sociedade que tem estado a dizer, vamos resolver os nossos problemas, o país é de todos, não é só de dois partidos políticos”.

O país mudou muito com a paz

Por ocasião do Dia da Paz e Reconciliação, o entrevistado pede a consciência de todos os moçambicanos para que tenham em mente que os anos de paz que vivemos de 1992, trouxeram o ambiente propício para que o país voltasse para si mesmo, reconstruindo-se e caminhando a passos decisivos para o desenvolvimento que todos desejamos.

Devemos celebrar o 4 de Outubro com a gratidão a Deus e como exemplo de que afinal é possível viver em paz. São 23 anos durante os quais em Moçambique houve muitos avanços, circulamos pelo país com liberdade, convivemos com liberdade, estávamos a esquecer que alguma vez nos tratamos como inimigos entre irmãos” reitera o prelado, que acrescenta:

O ambiente favorável trouxe espaço para a reconstrução do país a nível do tecido social, não nos podemos esquecer que o país experimentou um desenvolvimento económico, a cultura do povo teve tempo de se desenvolver, quer dizer, Moçambique marcou estes anos subindo para patamares que acabaram sendo reconhecidos ao nível da região e internacional.

Os frutos da Paz, segundo o nosso interlocutor, não podem ser de novo destruídos, e questiona porquê não aproveitarmos estes ganhos para avançarmos ainda mais no futuro. “Por isso, celebremos o 4 de Outubro com gratidão a Deus, até que encontremos uma forma de ultrapassar este percalço”.

Será que somos tão insensíveis

que não sentimos o sabor da paz?

– Bispa Joaquina Nhanala, da Igreja Metodista Unida em Moçambique

Como conversar com quem não está interessado, podia ser uma pergunta se o que está acontecer em Moçambique fosse restringido a duas pessoas, mas não é o caso, diz a bispa da Igreja Metodista Unida em Mocambique, Joaquina Nhanala.

É por isso que muitos de nós como cristão e todos os moçambicanos temos a paz como tema principal, trata-se da prioridade sublime no nosso país, creio que também para as pessoas que paradoxalmente pensamos que não dão a importância que a paz merece. Todos nós queremos a paz e pensamos que não há justificação possível para o derramamento de sangue, não queremos mortes de quem quer que seja”, diz a bispa.

Como cristãos, segundo a bispa, entrevistada na sede da Igreja, na área residencial da Malanga, em Maputo, há a convicção de que o Senhor irá ajudar para que os moçambicanos saiam deste beco aparentemente se saída.

Cremos que não há nada impossível para Deus e as religiões todas, ao lado de todo o povo, clamam pela paz para todos, tanto os governados como os governantes, oiçam a voz da razão. A nossa oração é de facto uma forma de fazer com que aquele que não mostra interesse em conversar, reflita e Deus lhe mostre o caminho certo. Mesmo aquele coração duro, Deus tem a sua forma de amolecê-lo, e realmente não estamos a brincar, perdemos horas e horas a orar”.

Para a prelada, não há outra forma de os moçambicanos saírem da situação em que se encontram, que não seja o diálogo “a pessoa pode negar hoje, negar amanhã, mas sinceramente não há outra saída, só o diálogo. Mesmo a nível de todo o mundo, está mais que claro que a única saída é essa”.

Aquela responsável máxima da Igreja Metodista Unida em Moçambique, não entende como é que as pessoas são insensíveis a ponto de ignorarem as vantagens e frutos que a paz trouxe em Moçambique, pelo menos durante os últimos 23 anos.

“Será que não estão a ver como lindo é saber e assistir as pessoas a irem às suas machambas sem terem que correr e preferem ver a população a sofrer continuamente? Não saem para ver que agora a comida vem de todos os cantos para a nossa própria alimentação?”

A avaliação destes anos de paz, para Joaquina Nhanala, faz-se indo aos nossos subúrbios e ver que a população está a diminuir significativamente as casas de caniço que já fazem parte do passado para a maioria do nosso povo.

A paz, segundo ela, não é um substantivo abstracto, ela não é teórica, vive-se materialmente, conforme se pode notar por tudo o que o país conseguiu fazer em tão pouco tempo de paz.

“Onde não há paz não há desenvolvimento, conquanto falemos reiteradamente de desenvolvimento. No nosso caso, muita coisa aconteceu nestes 23 anos, por isso a nossa avaliação é de que olhando para esse período, vemos as maternidades edificadas onde não havia, encontramos estradas que nos permitem transitar de ponta a outra do nosso país, sem medo. Nós como Igreja passamos a pregar em regiões recônditas aonde era e pode voltar a ser impensável em situação de conflito. Há muita coisa que é produto da paz que pode nos fazer recuar nas acções e apetites de violência e que nos pode ajudar a revisitar o valor real da paz, pelo que o que nós queremos como povo e como igreja é continuarmos a reconstruir o país, a viajar livremente, a pregar o evangelho mesmo em áreas remotas”, disse a bispa.

A bispa da Igreja Metodista Unida considera a actual situação de stressante e que deixa toda a gente pasmada, ao mesmo tempo que deixa uma mensagem ténue em relação ao futuro, pois crê que as partes envolvidas chegarão a consenso e a nação continua a dizer que não gostaria de ver os seus filhos a matarem-se. Pelo contrário, quer vê-los a sentarem-se à mesma mesa e a falar.

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