A Renamo, segundo maior partido político moçambicano atravessa uma das suas mais delicadas fases no seu espinhoso processo de transformação de movimento “rebelde” em partido político.
Primeiro pelo difícil “parto democrático”: não consegue seguir as normas, é gerido de uma forma autocrática, não realiza congressos nem obedece aos estatutos; o líder é uma espécie de “Omnipresente” e “Omnipotente” um misto de comandante militar e líder político, socioantropologicamente um autêntico n’Dôta/Fumo/Nyakwawa (líder tradicional) que dispõe no conjunto dos membros e nas propriedades do partido, a sua palavra e opiniões são leis no partido[1]; segundo: pela manifesta insistência em manter um braço armado cuja actuação nos últimos tempos, substitui todas lacunas políticas e económicas da instituição política.
Em termos legislativos (Legislaturas) a evolução política na Renamo obedece aos seguintes números: 1999 – 2000: 112 Deputados (contra 129 da Frelimo e 9 da UD – União Democrática); 2000 – 2005: 117 deputados na coligaçao RUE – Renamo + União Eleitoral (contra 133 da Frelimo); 2005 – 2010: 90 Deputados em face desta redução a UE é “dispensada” e “engolida” pela Renamo (contra 160 da Frelimo); 2009 – 2014: 51 deputados (contra 191 da Frelimo e 8 dos “miúdos”do MDM).
Estes números mostram uma descida na vida política do país deste movimento responsável por uma das mais fratricida guerras da história da humanidade, a “Guerra pela Democracia” como pomposamente lhe chama, embora o State department o tenha comparado aos sanguinários Khmer Vermelhos de Polt Pot e Yeng Sari. Mostram igualmente o final (?) das suas tentativas de se adaptar a um modelo político democrático e pelo debate de ideias pelas vias da democracia, restando assim o seu trunfo, a sua mais nata essência: a via militar esperando com esta influenciar a sociedade e pressionar o governo a agir a seu bel-prazer e atingir os seus mais imediatos objectivos:
a.) Impedir uma ascenção política do MDM;
b.) Voltar à ribalta política em condições favoráveis por via do acordo político com o governo da Frelimo.
Ora, a Renamo parece finalmente, pelo recurso às armas, ter encontrado uma via “eficaz” de pressão política e transformando aqueles homens armados no seu mais importante instrumento político e para se fazer ouvir na sociedade que tendia a lhe esquecer e substituí-la pelo MDM. A vincar este elemento, abrir-se-á na política nacional, um estranho e perigoso precedente, um precedente à Bingo wa Mutarika que se expressaria da seguinte maneira:
1. Suspensão literal da CRM[2]. Substituindo-a por acordos bipartidos entre os principais partidos políticos (Renamo e Frelimo);
2. Suspensão da AR[3] como órgão e sede do legislativo substituindo-o pelo diálogo e concertações ad hoc entre pelos actores políticos já referidos;
3. Suspensão das liberdades e direitos fundamentais dos indivíduos e dos cidadãos da República de Moçambique e substituí-los pelos interesses políticos ou que gravitem à volta de um partido que em termos simples resultaria por fim na
4. Captura e sequestro da paz nacional.
Este novo tipo de política reduz ao nível pessoal as agendas e demais interesses, nacionais e estrangeiros, que coexistem na República de Moçambique, que viveria assim refém de decretos e entendimentos que servissem uma agenda pessoal de dentro da Renamo estendendo aquela de alguma forma a sua n’Dotanização ao Estado e imensidão do país que viveria ajoelhado, depois disso ou nessas circunstâncias debaixo da sombra do líder Afonso Dlhakama.
Assim, tal como Bingu wa Mutarika, Dlhakama e Renamo tranforma-se-ão no oposto do que apregoam: nos algozes da democracia e do estado de Direito, reduzindo a “decretos/entendimentos” o funcionamento normativo, legislativo e legal do país, aprisionando as dinâmicas políticas e liberdades democráticas até aqui alcançadas aos tradicionais espíritos e desejos de poder do seu líder cuja vontade se confunde com os objectivos do Partido, ou será antes o contrário?
Ndízwo, ndízwo baba!! Zwacanaca!!![4]
[1]Em diferentes momentos as diferentes correntes dentro ou pró Renamo “chocaram” com esta componente tradicionalista do Chefe, entre eles intelectuais como, por exemplos, André Thomashausen, Benjamim Pequenino, Ismael Mussá entre outros e Ivete Fernandes, viúva de Evo Fernandes (Primeiro SG da MNR) que enfrentou Dlhakama numa das suas acções de “Dono do Partido”. De facto Dlhakama tem sido uma espécie de “barreira intransponível” para a materialização quer da transição para partido político, quer da insercção com sucesso relativo no xadrez político nacional, na sua maneira básica e tradicional de encarar as coisas e de se sobrepor aos estatutos e órgãos do partido.
[2]Constituição da República de Moçambique
[3]Assembleia da República.
[4]Refrão de chamamento tradicional dos antepassados e espíritos Ndaus.
Rafael Shikhani