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Que “naco” de Eusébio nos cabe reivindicar?

Por admin

As estrelas, os superdotados, nasceram para ser mimados. É assim, na Física, na Medicina, na Astrologia e por aí fora. Não é diferente no futebol, o desporto mais mediatizado do planeta.

Os cidadãos comuns, nesta aldeia global em que vivemos, têm o direito de adoptar como sua pátria o país que mais os acarinha, aquele em que por várias razões abraçaram uma causa que os encantou e motivou.

 As estrelas também.

Muito se comenta em redor de Eusébio, “porque não fez nada pelo país”.

Duas questões se levantam:

a)     Qual era, na realidade, o país de Eusébio…

b)    O que gostaríamos que ele fizesse por Moçambique, na realidade o país em que o “king” nasceu.

 

CONTEXTO(S)

A história demonstra-nos que quando todos éramos por força das circunstâncias portugueses, muitos dos nascidos na então metrópole, Goa ou noutros sítios, abraçaram a causa moçambicana da emancipação, continuaram filhos de um país recém-nascido. Nem mesmo os mais “puritanos” questionam as suas origens.

No futebol, Alfredo Di Stéfano, glória do Real Madrid e orgulho de Espanha, é… Argentino-Italo-Espanhol. Sem “guerrinhas”, os espanhóis apoderaram-se do “mago” e hoje é um dos maiores símbolos de Espanha, mas também motivo de orgulho para o país onde nasceu e pela Itália que o projectou.

Os Decretos não fazem patriotas, não moldam corações. Eusébio saiu de Moçambique muito jovem, forjou-se e moldou-se como português. Anualmente, vinha matar saudades da matapa, mas provavelmente no quotidiano não a trocaria por um cozido à portuguesa ou um bacalhau. Ele cresceu e habituou-se ao bom vinho português, a ir aos retiros de fados. Exactamente o que aconteceu com milhares de outros cidadãos, de várias pigmentações que para lá foram e fizeram as suas vidas. Não se fala deles porque não são famosos.

 

AUTO-ESTRADA COM DOIS SENTIDOS

A polémica em redor de Eusébio, levanta-se unicamente porque ele foi um génio, uma lenda mundial. E daí, mesmo sem termos feito muito para o “conquistar”, arvoramo-nos ao direito de reivindicar uma parte dele.

O “king” é uma lenda, daquelas que a natureza decide “fabricar” de 100 em 100 anos. Portugal fez tudo por ele, Moçambique acabou sendo apenas o molde. A “massa”, essa foi feita pela natureza.

O resto é história que pertence à Humanidade, com uma profusão e sucessão de acontecimentos, coisas que o Mundo foi testemunhando, em mais de 50 anos. Nós, como assistentes, sem termos comprado bilhete e os portugueses na bancada central.

Eusébio chorou por Portugal, no Mundial de 1966. Agora Portugal chora por Eusébio. De quando em vez, alguém se lembra que ele nasceu na Mafalala e que por cá deu os primeiros pontapés. Mas os sentimentos mais fortes são lusos, da alma ao coração.

Por cá nem nome de estádio, de equipa e… nem reabilitação da sua antiga residência para se transformar em museu.

 

O QUE NÃO FIZEMOS POR ELE

Nas vezes que tive o privilégio de estar com o “king”, ele queixava-se de que Moçambique “não o usava”. O “king” tinha optado por manter a cidadania portuguesa, mas dizia que o Marechal Samora lhe havia concedido “a dupla”, ao lhe entregar um passaporte diplomático moçambicano.

Sentia-se orgulhoso das suas origens, da cor da sua pele. Pela sua dimensão já nem sequer “cabia” em Portugal. Angola reivindica a sua parte, uma vez que o pai de Eusébio era “mangolé”. A nós cabe-nos a maternidade da Dona Elisa e a terra que o fez nascer.

Será mesmo que teremos sabido, durante a sua vida, usar ou ocupar o que nos cabia em Eusébio para, a partir da sua imagem, motivarmos jovens a projectarem o país pelo Mundo?

Agora, há quem tente matar, sem sentido, a morte de Eusébio. Ao invés deveríamos glorificá-lo, realçando as suas virtudes de homem íntegro, dentro e fora dos campos.

Por favor: não deixemos passar de forma demasiado rápida, em poucos dias de frenesim, uma estrela mundial que (também) nos pertence. O exemplo deste realismo, pode servir para “salvar” outras figuras vivas, que nos orgulham e de quem não gostaríamos de lamentar mais tarde, por falta de apropriamento, enquanto vivas. À cabeça, Lurdes Mutola, nossa raínha, que recusou bastas vezes a mudança de nacionalidade no auge do seu estrelato, mas que agora parece estar de costas voltadas com o nosso país.

As estrelas, com já disse, têm que ser mimadas. Mas nós, por vezes, pensamos que elas é que nos têm que babar.  

 

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