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Uma reunião recheada de saberes partilhados

Por admin

Temas alegadamente tabus e que só se murmuram em casa e já muito longe da enfermeira do Serviço Materno-infantil (SMI), como: porquê o meu filho enveredar pelo aleitamento materno exclusivo se a minha mãe quando eu era bebé (recém-nascido) deu-me água para beber, mas mesmo assim cresci saudável? Porquê não dar remédio de lua ao recém-nascido se eu próprio tomei e aqui estou saudável? Por que é que alguém que não beba leite, não coma queijo e carne de vaca, regularmente, mas come ratazana (vondo) – possui mais nutrientes do que a carne de vaca – se arrisca à figurar na estatística de indivíduos desnutridos? Foram alguns dos pontos que animaram, sobremaneira, o Congresso.

De imediato referir que a reunião teve a particularidade de juntar gente que estava disposta a ouvir, aprender e partilhar experiências no campo da nutrição e não só, independentemente do seu grau académico e proveniência.

De Portugal veio a Bastonária da Ordem de Nutricionistas e alguns docentes da Universidade do Porto, que juntamente com os docentes moçambicanos da Unilúrio, do ISCISA, dos profissionais de saúde e de outras áreas do MISAU, da Agricultura, investigadores, quadros seniores da OMS e da FAO discutiram, entre outros temas, os desafios da profissão; perspectivas de abordagem; leccionação do curso de nutrição (harmonização dos curricula), sobretudo agora que mais instituições de ensino superior se perfilam para abrir o curso de Nutrição.

No final do segundo e último dia dos trabalhos, portanto sexta-feira, ficou patente que quando se aflora os problemas ligados à nutrição é preciso ter em conta os hábitos alimentares das populações e quiçá aspectos sócioantropologicos sob o risco de se jorrar muitas centenas de dólares em projectos para corrigir, senão mesmo mudar os hábitos alimentares erróneos, para no fim se obter resultados bastante discutíveis e em face disso não se operarem as mudanças pretendidas.

 A propósito de dados estatísticos, os congressionistas manifestaram preocupação pela frequência com que ocorre a disparidade de números divulgados sobre um mesmo assunto apresentado pelos distintos actores intervenientes no terreno, nomeadamente agências das Nações Unidas, Organizações Não-Governamentais, Governo, Sociedade Civil, etc, etc. “Nada bate certo.”.

Entretanto, o congresso foi também uma oportunidade extraordinária para ouvir dissertar um dos gurus da medicina moçambicana, no caso vertente o Prof. Doutor Hélder Martins, por sinal o primeiro ministro da Saúde do Moçambique independente e Combatente da Luta de Libertação Nacional, que esteve por detrás da criação do primeiro curso de Nutrição e Dietética no país que visou a formação de Agentes de Nutrição de Nível Básico e Técnicos Dietistas Nutricionistas de nível médio, e que terminado a respectiva formação em 1979 foram colocados em todas as províncias. Eram 29.

O Prof. Doutor Hélder Martins historiou, também, e com propriedade, as linhas que conduziram a formação dos primeiros licenciados de Nutrição formados pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM), à luz de um acordo rubricado entre o MISAU e aquela Universidade (Faculdade de Medicina), corria o ano de 1977.

O Prof. Doutor Hélder Martins, que, diga-se, esteve bastante interventivo no Congresso, recomendou os distintos actores que intervêm na Nutrição para consultarem os que mais sabem e sobretudo fazer uso do acervo bibliográfico existente no departamento de documentação do MISAU.

Eu próprio tenho seis livros publicados sobre as diferentes matérias de saúde aqui abordados. Consultem”, insistiu, tendo acrescentado que não obstante a apetência ser formar profissionais com nível superior não se deve descurar a formação de técnicos médios “sob pena de a dada altura ter-se um exército só de generais.”

Presentemente, apenas duas instituições de ensino superior no país leccionam Nutrição até ao nível de licenciatura, nomeadamente o Instituto Superior de Ciências de Saúde (ISCISA), em Maputo, e a Unilúrio, em Nampula, que no próximo ano (2015) vai introduzir o Mestrado em Nutrição.

77 DOS 151 LICENCIADOS

FORMARAM-SE NA UNILÚRIO

O director da Faculdade de Ciências de Saúde da Unilurio, Celso Belo, intervindo no congresso sobre o tema, Formação em Nutrição na Unilúrio, disse que para responder ao objectivo estratégico número 5 do Plano de Acção Multissectorial para a redução da desnutrição crónica no país e fortalecer a capacidade de recursos humanos na área da nutrição, a sua instituição graduou nos últimos três anos 77 nutricionistas que tiveram colocação no Sistema Nacional de Saúde (SNS).

Em Moçambique, 43 porcento das crianças sofrem de desnutrição crónica e uma em cada duas não consegue atingir o seu potencial de crescimento físico, mental e cognitivo e é responsável pela morte de um terço das nossas crianças menores de cinco anos”, disse Celso Bila.

Segundo a organização Mundial de Saúde (OMS), no mundo cerca de 100 milhões de crianças menores de 5 anos estão abaixo do peso e 175 milhões apresentam sinais de nanismo e atrofia e estima-se que cerca de 35 porcento das mortes dessas crianças estejam associadas a desnutrição.

Para agravar o problema, 43 milhões de menores de 5 anos são tidos como estando acima do peso ou são obesos e, destes, cerca de 75 porcento encontram-se em países em desenvolvimento. Outras 7 milhões morrem anualmente antes de completarem os cinco anos de idade, sendo a desnutrição uma das principais causas.

Como consequência da desnutrição, as crianças têm fraco desempenho físico e intelectual levando a um deficiente rendimento escolar e no futuro profissional.

HIPERTENSÃO E DIABETES

O Prof. Doutor João Breda, da Organização Mundial da Saúde (OMS), dissertando sob o tema: Dieta, morbilidade e mortalidade em diferentes regiões do mundo – Transmissão Nutricional e as suas implicações na Saúde, disse que o Brasil reduziu em 30 porcento a desnutrição crónica em 30 anos, “o que é um número bastante apreciável.”

Moçambique projecta reduzir até 30 porcento a desnutrição crónica até 2020. Os nutricionistas, como se pode depreender, têm muito trabalho pela frente com a agravante de serem poucos.

Aspecto positivo e que foi bastante elogiado durante os trabalhos, foi o facto de mais de 90 porcento  das mulheres moçambicanas enveredarem pelo aleitamento materno das suas crianças até aos nove meses de idade – algumas vão até aos dois anos de idade –  realidade esta impensável, por exemplo, na Europa.

Entretanto em África uma em cada três mulheres já tem excesso de peso (obesidade) pelo que urge estancar já está tendência para não se atingir a cifra europeia onde a doença afecta quase 50 porcento da sua população.

A diabetes e a hiper-tensão são outras das patologias que estão ganhando terreno em África e Moçambique não foge a regra. Aliás, o Acidente Vascular Cerebral (AVC), vulgo trombose, associado a hipertensão e a diabetes já é a sexta causa de morte no país, segundo alguns estudos.

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Crianças com desnutrição crónica

têm menos chance de êxito escolar

– PM Alberto Vaquina

O Primeiro Ministro Alberto Vaquina, por sinal médico de profissão, intervindo na abertura dos trabalhos do congresso, reconheceu que Moçambique ainda se confronta com a insegurança alimentar e nutricional, com taxas de desnutrição crónica elevadas.

Foi dentro deste contexto que o Governo em 2006 criou a universidade Lúrio visando não somente a materialização da estratégia de expansão do ensino superior, mas também para dar corpo e vida à formação em áreas específicas e de grande carência para o país como as Ciências de Saúde, e, entre elas a Nutrição, como área de formação superior”, disse Vaquina.

Já em 2010 o Governo aprovou o Plano de Acção Multissectorial para a Redução da Desnutrição Crónica (2011-2014), visando a redução deste flagelo, sobretudo em crianças dos 0 aos 5 anos.

Referindo-se ao congresso organizado pela Unilúrio, o PM disse que aquela instituição do ensino superior já habituou a sociedade moçambicana ao seu grande dinamismo e engajamento na promoção do debate para à procura de soluções para as principais preocupações que afectam as nossas comunidades e famílias.

Hoje, a Unilúrio alcançou um nível e projecção tais que os mais atentos achariam estranho se ela passasse um trimestre que fosse sem levar a cabo uma importante iniciativa. Seria igualmente de estranhar se algum dia esta universidade se limitasse apenas a apresentar preocupações e problemas sem tomar, ela própria, a vanguarda na procura das respectivas soluções como é seu apanágio”, disse Vaquina.

Segundo o PM, as crianças que hoje enfrentam a desnutrição crónica são potenciais vítimas de insucesso escolar e amanha serão provavelmente adultos pobres.

Urge melhorar indicadores

de baixo peso à nascença

– Cidália Chaúque, governadora da província de Nampula

Intervindo no congresso, a governadora recordou que Nampula é a província mais populosa do país com mais de quatro milhões de habitantes e um elevado potencial agrícola para a produção de culturas diversas desde alimentares até de rendimento sendo a agricultura a principal actividade de desenvolvimento das populações.

Com efeito, na última época agrária (2013-2014) Nampula produziu um total de seis milhões, 541 mil e 291 toneladas de alimento, sendo 81 porcento mandioca, uma das culturais mais consumidas naquela unidade territorial.

Estes dados não constitui um bom indicador para a melhoria da situação nutricional, pois não basta apenas olhar o aspecto quantitativo da produção dos alimentos, mas também a qualidade dos mesmo e a correspondente utilização racional. A taxa de desnutrição crónica é de 43 porcento, daí que urge a melhoria dos indicadores de baixo peso a nascença, desnutrição materno infantil porque infelizmente constituem uma das principais causas de internamento hospitalar e de mortalidade nas unidades sanitárias”, disse a governadora Cidália Chaúque.

Texto de André Matola e Fotos de Alfredo Mueche

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