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Chuva continua a fazer estragos

Por admin

As províncias da região Centro e Norte do país, com particular incidência para Sofala e Zambézia, continuam a registar chuva que está a acentuar a degradação das vias que dão acesso às áreas de reassentamento definitivo das mais de 160 mil pessoas até aqui registadas como afectadas. O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) indica que a época chuvosa ainda vai no adro e o risco de mais danos prevalece.

O alerta do INGC baseia-se em dados colhidos, processados e divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), os quais indicam que as nuvens continuam com muita chuva para aspergir por quase todo o país, com muita predominância para as regiões Centro e Norte, de onde se destacam as províncias de Sofala e Zambézia como as maiores vítimas.

Segundo o INAM, até ao dia 10 de Fevereiro, terça-feira, vai chover muito em todo o Centro e Norte, o que traduzido em termos técnicos equivale a dizer que a precipitação atmosférica poderá atingir os 50mililitros em 24 horas, o suficiente para inundar vastas áreas, fazer transbordar riachos e criar grandes correntes nos rios.

Até ao momento, as chuvas que se abateram sobre as províncias da Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa deixaram um rasto de morte e destruição que levará muito tempo a sarar no corpo e alma dos que presenciaram à tragédia. Em muitos casos, a água despedaçou infra-estruturas construídas com muito suor e lágrimas, mas, pior do que isso, ceifou a vida de 158 pessoas, 134 das quais apenas na província da Zambézia, conforme refere Rita Almeida, porta-voz do INGC.

Os números a que tivemos acesso indicam ainda que pelo menos 66 pessoas terão contraído ferimentos directamente ligados às cheias, cerca de nove mil casas ficaram totalmente destruídas, cerca de 11 mil casas estão parcialmente destruídas, havendo 160 mil pessoas afectadas, das quais 127 mil na província da Zambézia.

Aliás, na Zambézia o grau de destruição que se observa é simplesmente aterrador. A parte banhada pelo rio Lugela e Licungo lembra um cenário de guerra feita à base de artilharia pesada, onde tudo é deitado abaixo sem dó nem piedade. Só visto!

Parte da devastação que aqui se vê resulta do facto da cidade de Mocuba estar localizada no ponto onde estes dois rios se encontram, sendo que o rio Licungo aporta pela esquerda e precisa fazer uma curva perigosa justamente no local onde o rio Lugela surge pela direita. Juntos, estes rios se transformaram numa “arma de destruição em massa”.

No seu trajecto rumo ao mar, o rio Lugela rebentou com estradas e pontes no interior do distrito de Lugela, mas, para tal, contou com a ajuda do rio Namacurra que também transbordou e destruiu tudo o que encontrou pela frente. Como fruto deste quadro, os habitantes do distrito de Lugela estão isolados do resto da província.

O próprio administrador do distrito, Rodolfo Lourenço, que com muito esforço conseguiu chegar à cidade de Mocuba para solicitar a necessária assistência humanitária à população do seu distrito por parte do INGC, teve a sua viatura presa no intenso lodo que se formou ao longo da estrada que liga a sede de Lugela à Mocuba.

Para cumprir de forma integral com a sua agenda, Rodolfo Lourenço caminhou, andou de moto-táxi e até de boleia. Num breve encontro com a nossa Reportagem revelou que o distrito de Lugela nunca tinha registado cinco dias consecutivos de chuva intensa, capaz de fazer desaparecer seis pontes principais sem as quais a locomoção é impossível.

A sede do distrito de Lugela está isolada dos três postos administrativos e, por causa disso, é praticamente impossível chegar aos distritos vizinhos, nomeadamente Milange, Mocuba e Ile porque as pontes e aquedutos estão destruídos. Usamos canoas para circular internamente e não temos energia eléctrica”, relatou.

Conforme testemunhámos no local, só se chega a Lugela via Mocuba, mas a estrada se tornou tão precária que poucos se atrevem a trafegar por ela. “É prioritário que se resolva o problema desta estrada e respectivas pontes porque sem ela não haverá vida em Lugela”, disse Rodolfo Lourenço.

MOCUBA SEM A CESSO

ÀS ZONAS DE REASSENTAMENTO

Enquanto a população de Lugela se queixa do confinamento forçado a que está votada, os habitantes de Mocuba começam a desesperar perante a chuva que parece ter intensões de fazer parte do convívio permanente deles, pois chove, troveja e relampeja todos os dias e com tanta intensidade como nunca tinha acontecido antes.

A nossa equipa de Reportagem encontra-se em Mocuba há cerca de quinze dias e, neste período, só não choveu na quinta-feira da semana passada. Nos restantes dias as nuvens descarregaram impiedosamente por pelo menos uma hora. É neste quadro que a presidente do Conselho Municipal local, Beatriz Gulamo, afirma que “teremos que esperar pelo fim da época chuvosa para reassentar as famílias afectadas em áreas definitivas porque agora as viaturas e tractores enterram muito antes de chegarem às áreas que devem ser desbravadas”.

A par do dilema das vias de acesso, a vila municipal de Mocuba enfrenta a falta de água que resulta da destruição do sistema de captação que fora montado há poucos meses na confluência dos rios Lugela e Licungo. “Há mais de 30 ou 40 anos que não se assistia a tanta destruição por força da água aqui na cidade”, recorda.

Pelos dados a que tivemos acesso, a província da Zambézia é a que registou o maior número de vítimas mortais e só na cidade de Mocuba há cerca de 1700 famílias directamente afectadas e que se encontram reunidas em centros de acomodação.

Segundo a edil local, o cenário de devastação Mocuba vive é fruto de construções desordenadas feitas nas margens dos rios Lugela e Licungo. “A população vivia em áreas não parceladas, como se fossem favelas. Lançamos os alertas sobre o risco eminente de cheias, mas poucos levaram os avisos a sério”.

Antes da conversa com a presidente do Conselho Municipal de Mocuba, a nossa equipa se tinha embrenhado pelos bairros mais atingidos pela destruição ocasionada pelas cheias e, para o nosso espanto, havia munícipes envolvidos em obras de restauro das suas casas. Sacos de cimento, areia, pedra, pás e carrinhos de mão, assim como o cheiro de reboco ainda fresco nas paredes denunciavam o retorno às zonas críticas.

Eles recebem o espaço nas zonas altas e retornam às áreas de risco. São renitentes e obrigam-nos a manter equipas no terreno para sensibilizá-los do perigo. Mas, se for necessário, vamos ter que usar a força porque está claro que ali, nas margens dos rios, não é lugar para morar”, disse Beatriz Gulamo.

“AINDA VAI CHOVER”

O INGC não esconde para ninguém que o estado do tempo continuará a ser desfavorável para o país, sobretudo para as províncias de Sofala, Manica, Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Deste conjunto, o alerta mais intermitente vai para Sofala e Zambézia. Para complicar as contas, os países vizinhos, nomeadamente o Zimbabwe, Malawi e Zâmbia também vão registar chuvas que vão contribuir para a subida do caudal de alguns rios nacionais.

Enquanto a chuva faz das suas, o INGC procura minimizar os impactos oferecendo assistência alimentar, sanitária, insumos para a produção agrícola e até em termos de apoio para a reconstrução, ao mesmo tempo que afirma que a solidariedade interna está a ser uma grande valia para o reforço dos stocks diários.

Rita Almeida, porta-voz do INGC faz questão de sublinhar que na província da Zambézia, onde se reúne o maior número de vítimas, a assistência está a ser feita com o apoio do Programa Mundial de Alimentos (PMA) e na província do Niassa a população afectada beneficia de ajuda diversa conseguida com fundos do governo e doações internas.

O reassentamento é o nosso maior desafio porque continua a chover e não há vias de acesso para o estabelecimento de abrigos definitivos e seguros. Por outro lado, temos algumas famílias que tendem a regressar para as zonas de risco e temos que estar permanentemente a alertar que ainda vai chover”, disse.

Sobre as razões que levaram a que a província da Zambézia tivesse um índice muito elevado de mortes, feridos e destruição de infra-estruturas, Rita Almeida afirma que a falha não ocorreu ao nível do sistema de aviso prévio. “As pessoas foram alertadas a tempo. O problema residiu na crença de que o rio Licungo nunca transbordou até às áreas transformadas em bairros. Todos achavam que estavam em locais seguros porque uma parte das zonas afectadas não eram atingidas por cheias há mais de 40 anos”.

Para além do factor “surpresa”, na corrida galopante para o mar, o rio Licungo terá chegado à foz numa altura em que se registavam marés altas, o que comprometeu o escoamento das águas para o mar. Para além do Licungo, os rios Revúbue, Chire e Zambeze também receberam grandes quantidades de água mas, o impacto foi reduzido porque as populações residentes nestas áreas obedeceram aos alertas.

Jorge Rungo, em Mocuba

jrungo@gmail.com

Fotos de Jerónimo Muianga

 

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