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Vítimas com futuro incerto

Por admin

Texto de Abibo Selemane e Fotos de Carlos Uqueio

Vários moçambicanos vítimas de xenofobia na África do Sul começaram a regressar ao país desde a semana passada. Alguns destes, embora com algum ofício, mostram-se preocupados com o que vai ser da sua vida daqui em diante, alegadamente porque todos os seus bens, incluindo instrumentos de trabalho e dinheiro, foram roubados ou destruídos pelos insurgentes.

Mais de 500 moçambicanos vítimas de xenofobia entraram no país nas últimas duas semanas. Trata-se de nacionais que depois de terem saído da África do Sul, foram recebidos no Centro de Trânsito de Boane, província de Maputo, e mais tarde encaminhados para as suas zonas de origem. Maior parte destes nacionais viveu naquele país entre três a 23 anos e desenvolveu diversas actividades para garantir o sustento das suas necessidades. domingo soube que a primeira viagem destes tinha o objectivo de procurar melhores condições de vida. Nem todos tiveram a sorte de alcançar esse objectivo. Foram longos meses e anos de sacrifício para ganhar alguma coisa que agora foi-lhes retirado à força. Mais tarde, alguns destes concidadãos conseguiram entrar nas escolas técnicas ou em oficinas para adquirir um ofício como mecânica, canalização, montagem de tijoleiras, construção civil, entre outras várias profissões e conseguiram. Também há quem tinha preferido continuar a fazer comércio. Entretanto, depois de regressarem ao país de forma abrupta, afirmam que o seu desejo é de continuar a desenvolver a sua profissão na sua pátria.

Contudo, neste momento todos são unânimes em afirmar que será difícil conseguir uma ocupação ou emprego, alegadamente porque não conhecem ninguém que os possa ajudar a conseguir uma colocação ou espaço para abrirem as suas oficinas. Pior ainda é que alguns destes voltaram sem os documentos que comprovam que possuem um determinado nível profissional.

Aliás, há quem diga que o Governo devia ajudar na aquisição de equipamento ou espaço para estes começarem a sua nova vida.

Abílio Secane, natural da Beira, província de Sofala, viveu em Durban, África do Sul, desde o ano de 1992, e conta que quando chegou àquele país matriculou-se numa escola técnica onde durante quatro anos tirou o curso de canalizador.

O nosso entrevistado disse que depois terminar o curso foi afecto numa empresa privada.

Estava a viver muito bem na vida na África do Sul. Não tinha dificuldades de nada, porque para além de trabalhar para aquela empresa, fazia trabalhos fora, porque depois de um tempo era conhecido”, disse.

Acrescentou que depois dos actos xenófobos decidiu voltar para casa, mas ainda não sabe o que poderá fazer para garantir o seu sustento, uma vez que desde que saiu em 1992 esta é a primeira vez que volta ao país.

“Casei-me com uma mulher sul-africana e tenho com ela dois filhos, sendo um de 16 anos e outro de 9. Não penso em voltar para aquele país. Sei que será difícil, mas pretendo procurar um sítio aqui para implementar aquilo que aprendi”, disse.

Por sua vez, Pedro Luís, também natural da Beira, viveu em Durban durante seis anos. Era mecânico numa das oficinas locais. Naquele país a sua casa foi incendiada pelos sul-africanos e a sua esposa, sul-africana, não sabe por onde anda com o seu filho.

“Já estou no meu país. Não tenho nenhum documento que me identifica como moçambicano, nem que prova o meu nível académico. Pretendo procurar emprego numa das oficinas aqui no país, não sei se vou conseguir. Quando imagino o que será de mim nos próximos tempos fico mais confuso. Quando trabalhava não tinha dificuldade em nada. Agora, não sei”! referiu.

Por seu turno, Agostinho Caetano, natural do Município da Matola, província de Maputo, pintor de profissão, vivia na África do Sul desde 2011. O mesmo conta que imigrou à procura de melhores condições de vida.

Lembra que quando chegou as coisas estavam mais complicadas. “Fui na empresa CotingWeek em Durban pedir aprendera fazer algo. Numa primeirafase fui colocado como ajudanteda área de pintura. Maistarde, depois de aprender fuipromovido para mestre”, disse.

Falando sobre o que pensa fazer daqui em diante, o nosso entrevistado disse que prevê uma vida difícil alegadamente porque quando saiu do país estava a enfrentar dificuldades na sua vida. “Não tenho equipamentopara abrir minha oficina emcasa e nem tenho dinheiropara compra-lo. Será difícil e éisso que me faz chorar quandome lembro do meu empregoe bens que perdi na África doSul. Portanto, ainda estou emdúvida se fico aqui ou voltopara lá, depois de esta confusãoparar. Não vou aguentarficar sem ocupação”, referiu.

Jaime Luciano, natural de Zavala, província de Inhambane, vivia em Durban desde 2012 onde fazia o trabalho de montagem de azulejos nas residências. Não vou mais para Áfricado Sul. Vou para casa abrirminhas machambas e produzircomida. Aquilo que vivi nessasduas semanas é insuportável.Não quero mais. Voltar para láestaria a pôr em risco a minhavida e da minha família, prefiroficar em casa, disse.

90 VÍtimas

diagnosticadas

A equipa médica afecta no Centro de Trânsito de Boane atendeu até na passada quinta-feira 90 pessoas que apresentavam problemas relacionadas com infecção respiratória e diarreias.

Para além destes atenderam ainda um concidadão que foi agredido na África do Sul e reclamava dores torácicas.

Odete Pinta Roxa, responsável provincial de vigilância epidemiológica, na província de Maputo, disse que nenhum dos pacientes ficou hospitalizado, visto que ninguém apresentava casos graves.

O atendimento médico está garantido 24/24 horas. Sabemos que maior parte das doenças são provocadas por causa das aglomerações mas as tendas que foram montadas aqui têm ventilação. Mesmo assim quando as pessoas chegam ao centro faz-se triagem para saber os problemas médicos de cada um dos integrantes na comitiva. Por causa desta medida descobrimos no primeiro grupo uma senhora que tem tuberculose, foi imediatamente levada ao centro do distrito onde ficou até o dia que seguiu a viagem, disse.

Entretanto, a nossa equipa de Reportagem soube que a concidadã

Hawa Yussuf, natural de Lichinga, província de Niassa, contraiu malária naquele centro quando estava à espera do dia da viagem para a sua terra natal.

Falando para a Reportagem do domingo Hawa disse que ainda apresentava fraqueza e tinha ainda diarreia.

Acomodação

O Governo, através Instituto Nacional de Gestão de Calamidade, delegação da província de Maputo, disponibilizou 43 tendas para acomodar as vítimas de xenofobia, assim como serviços básicos de atendimento. Para além destes, tem ainda dois tanques de cinco mil litros de água. Dados em nosso poder dão conta que aqueles compatriotas para alem de receberem refeições logo à sua chegada levam consigo manta e um kit composto diversos produtos alimentares para consumir durante o seu percurso.Abibo Selemane

habsuelei@gmail.com

Fotos de Carlos Uqueio

 

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