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Metical “à rasca”

Por admin

Jorge Rungo e Angelina Mahumane

O fortalecimento do dólar americano no mercado internacional, e em Moçambique em particular, está a gerar apreensão entre os agentes económicos, sobretudo para aqueles que lidam com a importação de bens e serviços.

O que torna a situação mais intricada é que existem múltiplos factores internos e exógenos que se casam e jogam a desfavor da nossa frágil economia.Para o cidadão comum, as notícias que dão conta de que o dólar americano está a subir face ao metical não dizem muita coisa. Melhor dizendo, não dizem nada, porque muitos não percebem que implicações é que isso pode ter na sua vida. Encolhem os ombros e continuam com os seus afazeres.

Esta atitude resulta do facto de, no seu dia-a-dia, não se relacionarem directamente com a moeda americana, e até mesmo com o rand sul-africano para fazerem face às suas necessidades básicas. O metical é tudo, o que em grande medida é bom para o país, como um todo.

Entretanto, para os produtores nacionais, que também não lidam directamente com o dólar, o facto de esta moeda estar forte incomoda e eles nem se apercebem porquê. Só sabem que estão a ter perdas.

A explicação pode ser encontrada nas recentes notícias que indicam que as cidades de Maputo, Beira e Nampula, que são os maiores centros de consumo estão a registar deflação, que é a variação negativa de preços.

Este fenómeno económico faz cair as margens dos produtores que provoca a perda de capacidade produtiva que, por seu turno, catalisa a perda de capacidade competitiva. Por fim o agente económico entra em falência.

Por outras palavras, uma deflação nunca é coisa boa para o produtor e nem mesmo para a economia de ponto de vista estrutural. O melhor é uma inflação baixa de modo que os preços subam à medida dos rendimentos dos consumidores para que se possa assegurar margens positivas aos produtores.

Se para os produtores o dólar forte cria estragos, veja-se o exemplo de um jovem casal que pretende importar uma viatura, por exemplo, do Japão e sabe que a mesma custa dois mil dólares. Com o dólar em alta, o esforço que estes devem fazer, em meticais, para juntar aquela quantia será muito maior do que se tivessem tomado a decisão em meados do ano passado.

No caso das entidades governamentais que lidam com a importação de combustíveis, o cenário é o mesmo. O barril de petróleo anda em torno de 60 dólares no mercado internacional. Este preço é bom quando um dólar custa 30 meticais. Entretanto, o dólar está a roçar os 42 meticais, pelo que é preciso desembolsar mais meticais para comprar cada dólar.

Para as empresas a situação é igualmente dolorosa. Não anima mesmo. É que muitas realizam transações em dólares e tem dívidas, o que faz com que a configuração das contas se complique.

O economista Eduardo Sengo explica que se um agente tem que pagar 10 mil dólares por mês, em Janeiro ele desembolsou 340 mil meticais, mas hoje gasta 400 mil meticais para pagar os mesmos 10 mil dólares. “São perdas que fazem com que comece a haver uma forte apetência em colocar os depósitos em dólares para facilitar as transacções”.

Estes fenómenos resultam do facto de Moçambique fazer parte de uma economia global que se move em função do comportamento das principais economias mundiais que movimentam moedas como o dólar, euro, iene e o rand, que são as mais procuradas pelos agentes económicos para o pagamento de despesas atinentes às importações.

Com as coisas postas desta maneira, fica claro que qualquer trepidação na economia americana, europeia, japonesa ou sul-africana, só para citar alguns exemplos, pode gerar impactos no nosso país, como está acontecer agora em que a nossa moeda, o metical, aparece fraca perante o dólar que se fortalece a galope e com tendência de agravar e manter-se assim pelos próximos tempos.

CABELOS EM PÉ

Vários factores internos e externos concorrem para a manutenção deste quadro, cuja origem reside, em parte, nas políticas adoptadas recentemente pelo governo americano para fazer face ao desemprego que já atingia uma franja tida como recorde de cidadãos americanos nos últimos 10 anos. Naquele país, quando o desemprego ultrapassa dos cinco por cento em certos sectores, fica-se com os “cabelos em pé”.

Nos últimos tempos, os EUA conseguiram criar três milhões de empregos e a taxa de desemprego baixou para menos de cinco por cento. Por outro lado, a queda do preço do petróleo no mercado mundial fez com que os EUA reduzissem a sua fatura de importação”, disse o economista Hugo Ribeiro.

Estas medidas permitiram que aumentasse o número de americanos com poder de compra o que, por seu turno, leva a que as empresas observem uma maior procura de bens e serviços e, por conseguinte, produzam mais. Fruto disso é que os Estados Unidos enfrentam o mundo de peito aberto.

Enquanto isso, o nosso país continua feito importador e só isso coloca-nos numa situação de vulnerabilidade quando as economias dos países de origem dos bens e serviços de que mais precisamos ficam nervosas.

Nesta relação com o mundo, os agentes económicos nacionais vão buscar produtos em alguns países que hoje estão a atravessar um período de “vacas magras”, nomeadamente a África do Sul, Brasil, China, um pouco da Europa, e por aí em diante.

Desta lista observa-se que a economia sul-africana, de onde provêm grande parte dos bens de consumo que inundam o mercado moçambicano, incluindo papel higiénico, fruta, óleo alimentar, carne, bebidas, entre outros, está em recessão e com uma crise energética a que se misturam greves e polémicas de âmbito político.

O Brasil, que sempre apareceu como país da alegria, das novelas, do samba e das mulheres exuberantes, está a braços com convulsões políticas resultantes da descoberta de fraudes na gestão da Petrobras, empresa estatal do ramo da exploração de petróleo, onde se desconfia que o Partido dos Trabalhadores, do extraordinário ex-presidente Lula da Silva e Dilma Rusself, agora no poder, pode ter beneficiado de dinheiro “sujo”.

Por outro lado, os preços dos produtos básicos têm estado a aumentar tanto no Brasil a ponto de se apontar que o actual índice de inflação é o mais alto dos últimos 20 anos. Recorde-se que Moçambique importa muitos bens do Brasil, desde o frango, aos cereais, chocolates, entre outros.

A China, país amigo com quem Moçambique priva desde os tempos da Luta de Libertação Nacional, também anda com problemas contabilísticos porque a sua economia parou de expandir. Notícias da Ásia indicam que a economia chinesa está a comprimir, depois de vários anos a ameaçar destronar algumas potências.

Por seu turno, a Europa, que sempre faz muita questão de manter-se dentro dos carris, está a sentir o chão a fugir-lhe por causa da Grécia que não está a conseguir pagar a sua dívida para com os seus pares, particularmente a Alemanha e a França. Para agravar, a mesma Grécia está a pedir emprestado mais dinheiro, o que está a colocar a União Europeia na “corda bamba”.

UM MAL GLOBAL

Joaquim Dai, Presidente da Associação Moçambicana de Economistas (AMECON) descreve que o nosso país continua a conviver com um problema muito sério que é a fraca capacidade produtiva que faz com que seja difícil arrecadar moeda externa porque importa-se mais, incluindo pregos e parafusos, do que se exporta quando o país possui capacidade produtiva.

Por outro lado, num passado recente Moçambique acolheu avultados investimentos destinados à pesquisa de recursos como o gás, petróleo e carvão, o que criou uma curva ascendente e muito forte em termos de absorção de reservas líquidas. Porém, esse tempo de investimento abrandou.

Outro factor que torna as contas nacionais complexas é a disponibilização de fundos por parte dos principais doadores, também conhecidos por G19. No começo do ano, o dilema residia na aprovação do Orçamento do Estado pela Assembleia da República.

Depois de muito “bate-boca” o documento foi aprovado, mas os parceiros internacionais que prometeram dar a sua mãozinha ainda não transforma. Assim sendo, a parte do orçamento que aqueles prometeram não pode ser contabilizada porque, na verdade, não está cá. E o calendário continua a avançar. Já estamos em Julho.

Resultado disso é que começa a haver um desgaste das Reservas Internacionais Líquidas (que é aquele dinheiro que o Banco de Moçambique guarda em moeda estrangeira para fazer face a eventuais catástrofes). “Temos menos capital em moeda externa e, ainda que o Banco Central injecte capital no sistema financeiro, sempre teremos alguns problemas porque o sistema de câmbio é livre”, disse Joaquim Dai.

No que se refere aos factores exógenos (o mesmo que externos), o presidente da AMECON aponta que as já referidas medidas tomadas pela Reserva Federal e pelo governo dos EUA que permitiram que o dólar valorizasse perante todas as moedas de peso do mundo, nomeadamente o iene (Japão), yuan (China), rupia (Índia), euro (União Europeia), libra (Inglaterra) e até mesmo face ao rand (África do Sul). “Não é só o metical a baixar”, afirma Joaquim Dai.

Aliás, o economista Eduardo Sengo enumera que o real, moeda brasileira teve uma depreciação de 44 por cento, que é bem maior que a do metical. A nível da África subsaariana, as três principais economias, nomeadamente a Nigéria teve uma depreciação de 24 por cento, África do Sul perdeu 18 por cento e Angola 25 por cento. Isto até Junho.

Mas, o pior ainda está por via, pois, nas análises feitas por diversos economistas, ninguém garante que, com a crise grega, o dólar não vai ultrapassar o euro mais rápido do que o esperado. Aliás, já começam a sobrar vozes que alardeiam que o dólar poderá ultrapassar o euro já em 2016, e que em 2017 terá um avanço na ordem dos 10 a 17 por cento.

Em 2017, o dólar pode ser a moeda mais forte do mundo se continuar com essa política de retracção em termos de taxa de juro e de expansão em termos de actividade económica. O que estamos a assistir é a um dólar mais forte dos últimos 40 anos”, enfatiza.

TEMOS QUE “VIRAR O JOGO”

O quadro geral é ruim para a nossa economia, mas os economistas por nós abordados são unânimes em afirmar que existem formas de prevenir este tipo de eventos económicos. Uma dessas formas é implementar políticas de incentivo à produção interna de bens de substituição de importações.

Para o efeito, segundo as nossas fontes, o país deve procurar perceber com clareza o que é que mais precisa e importa, para passar a produzir por si e, desta forma gerar empregos, receitas e stock para a exportação, tal como os EUA fizeram e, pelos vistos, se deram bem.

O fulcro da questão é que “a solução passa por nós. Temos que produzir. A culpa não é do dólar. O dólar sobe, mas se produzirmos e exportarmos ganhamos esses dólares. De outro modo, temos que comprar dólares caros para podermos pagar os bens que pretendemos importar”, garantem os economistas por nós ouvidos.

Fotos de Jerónimo Muianga

Texto de Jorge Rungo e Angelina Mahumane

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1 comment

foot 22 de Janeiro, 2024 - 13:04

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