Festejámos ontem o 21º aniversário do Acordo Geral de Paz (AGP) que pôs fim a uma guerra cruel, que nos foi imposta do exterior para servir os interesses do apartheid.
Poucos seriam aqueles que, há 21 anos, pensaram que a paz teria vindo para ficar. Só que, na realidade, ficou, fenómeno raro em países cujo conflito assume proporções devastadoras protagonizadas por irmãos desavindos.
Não é ocasião, aqui e agora, para lançarmos acusações uns contra os outros. O passado, com o seu cortejo de barbaridades e sementeiras de angústia, que nos sirva de lição! Agora, a guerra é muito outra. Tem que ser necessariamente outra.
É uma guerra contra o subdesenvolvimento traduzido em fome, miséria, corrupção, pobreza e ausência de conhecimento. O nome da paz já não é ausência de espingardas, a vomitarem balas e fogo. O novo nome da paz chama-se desenvolvimento sustentado. Em que todos somos militares e todos devemos ser militantes do progresso e bem-estar.
Como dizia o Presidente Guebuza nas comemorações destes 21 anos da paz, em cerimónia havida na Praça da Paz em Maputo (ler reportagem nas páginas 4 a 7) “quando o nosso povo lança um olhar analítico desses 21 anos de paz e reconciliação nacional moçambicana congratula-se com o que foi capaz de realizar e com que aquilo que foi capaz de promover para a sua realização. (…) O balanço é muito positivo (…) temos mais instituições de ensino de todos os níveis e áreas de especialização a cultivar a ciência e a técnica, habilitando mais compatriotas nossos a realizarem intervenções na luta contra a pobreza de cada vez maior qualidade. Temos mais unidades sanitárias a providenciar serviços de saúde, elevando os padrões de vida dos nossos compatriotas. Temos muitos compatriotas nossos que antes dependiam de sistemas isolados por central eléctrica se encarregava de ligar e desligar as energias nas suas casas e hoje já conhecem e aplicam as funções de interruptor e muitos outros que passaram a instalar e a usar o mesmo interruptor de energia com a chegada da energia eléctrica de Cahora Bassa nas suas casas”.
Guebuza reiterou que paz, mais do que aquilo que temos, mais do que aquilo que estamos a consolidar, mais do que aquilo que nos faz bem a todos, mais do que tudo isto, a paz é o que nos caracteriza como um povo porque o moçambicano é propenso ao convívio e à interacção sã com outros moçambicanos e com povos de outras partes do mundo, concentrando-se assim no trabalho, um trabalho orientado para resultados no contexto do seu espírito empreendedor tendo em vista melhorar a sua vida.
“Reafirmamos o nosso compromisso com esse diálogo e esperamos que a Renamo a todos níveis assuma que também tem responsabilidades para com o nosso povo, amante da paz, para levar este diálogo a bom termo” referiu o Presidente.
Dizer que estas celebrações centrais decorreram, como é habitual, sem a presença da Renamo, que tem o seu líder entrincheirado em Santungira, de onde, de quando em quando, vai dando umas machadadas a esta preciosa paz, proferindo ameaças de guerra ou ordenando os seus homens armados para atacar civis ao longo da Estrada Nacional Número Um (EN1). É que ao mesmo tempo que diz que quer dialogar, a Renamo vai impondo pré-condições para que esse diálogo exista. Ao mesmo tempo que se senta à mesa do diálogo, vai exigindo que o Governo diga “sim” a tudo o que são as suas exigências, sem que, da sua parte, dê passos para algumas cedências.
Mas nós acreditamos que guerra enterrada pelo Acordo de Roma jamais voltará ao nosso convívio. Jamais instalar-se-á aqui, porque a guerra, como diz um grande clássico da língua portuguesa, o Padre António Vieira, é “aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades e talvez em um momento sorve reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal algum que, ou não se padeça ou se não tema: nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro.”
Perante quadro desta natureza que radiografa a intimidade dos conflitos armados, dói, nos dias que correm, ouvir dizer a certo dirigente que outrora se empenhou na guerra, que, se um dia acorda mal disposta, é capaz de incendiar o país inteiro, ou que é capaz de dividir país a partir do rio Save, ou que é capaz de impedir a realização de eleições, das quais a Renamo, a seu bel-prazer se auto-excluiu desde o início do processo.
Pensamos que é salutar, para a construção da paz, do desenvolvimento, não esquecer a guerra com todas as suas brutalidades, mesmo que só seja para que os que defendem a guerra ponham mão à consciência e reflictam sobre as consequências dela.
A paz, porém, concretiza-se na construção da Justiça, na criação de condições para que todo o ser humano possa exercitar-se em liberdade mediante o trabalho, para que goze de bem-estar e tranquilidade interior, que tenha condições para gostar de si mesmo, para criar auto-estima, para se desenvolver em solidariedade com todos os outros.
Vinte e um anos depois já percorremos um grande caminho, mas falta-nos muito mais para percorrer. Aliás, os caminhos da paz são de distância infinita. Devem ser calcorreados e consolidados todos os dias pelos soldados que todos nós somos.
Por isso, somos contra o exacerbar de discursos tribais, de índole racista, ou de carácter regionalistas que procuram nos dividir como moçambicanos. Achamos que um dos grandes ganhos da Independência e depois da paz é termos sabido coexistir pacificamente com as diferenças, termos nos mantido firmes contra atitudes que nos queriam dividir com base na cor da pele e raça, com base na tribo e na região.
É que actualmente está em curso este debate que consideramos perigoso que acaba por descambar nos “ismos”, racismo, tribalismo, regionalismo, e que à falta de melhor argumentação nos leva a dar machadas à nossa própria existência como Nação.
Pensamos que é altura de serenar e olhar para os perigos que tais atitudes podem nos levar e relevando os altos interesses da Nação e não olhando apenas para interesses umbilicais ou de outra índole. Que a paz prevaleça nos espíritos dos moçambicanos. Que a paz prevaleça no país. Olá Paz!