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Reformas na investigação criminal

Por admin

O Governo aprovou esta semana a proposta de Lei que cria o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) que será submetida à aprovação da Assembleia da República.

O objectivo é reformar a actual Polícia de Investigação Criminal (PIC) em SERNIC, uma instituição com autonomia administrativa que contribua para uma maior eficiência no combate ao crime. Aliás, o Parlamento já havia solicitado a transformação da PIC em Polícia Judiciária, um projecto pelo qual o domingo se bateu nos últimos anos.

A Ordem dos Advogados de Moçambique, por sua vez, que alinha por este diapasão, considera, com razão, que o actual modelo da PIC é de uma dupla subordinação, sempre ineficaz e ineficiente nestes casos, porque esta polícia responde, por um lado, à Procuradoria-Geral da República, e por outro, ao Comando-Geral da Polícia, tornando a instituição vulnerável a influencias externas, incluindo de cariz político.

A proposta aprovada indica que o SERNIC é um serviço público de natureza paramilitar, auxiliar da administração da justiça, dotado de autonomia administrativa e teria a função de prevenção criminal e de instrução preparatório de processos-crime.

Esta reforma da Polícia de Investigação Criminal é vista como urgente e importante no judiciário e te estado a ser adiado há vários anos.

Como acima referimos, o domingo vem reflectindo nas suas páginas, nos últimos anos, sobre a necessidade desta transformação agora feita proposta de Lei. Num dos artigos, referimos que tínhamos recebido com algum gáudio os pareceres que o Ministério Público tinha emitido sobre as propostas de lei relevantes, nomeadamente, sobre o “Serviço de Investigação Criminal” (SICRIM), agora SERNIC, sobre a revisão da Lei orgânica da Policia da República de Moçambique e sobre o Código do Processo Tributário.

É que é nosso entender que, para combater eficazmente o crime, se torna indispensável que a actual Polícia de Investigação Criminal dependa funcionalmente do Ministério Público, em função do qual existe para investigar, rumo a uma possível acusação que terá de ser feita pelo dono da acção penal e não como está actualmente dependente do Ministério do Interior.

 Esta dependência funcional exigirá não apenas submissão hierárquica, mas igualmente autonomia quanto aos meios necessários para uma investigação profunda, eficiente e rápida, o que até agora não tem acontecido. A requisição para a obtenção dos meios operativos em ordem a uma acção de investigação, envolve um teia de tal maneira complexa e burocrática, com a intervenção de tantas autorizações, com as respectivas justificações, que quando se obtém a autorização final, o segredo, alma do negócio, já anda na boca de todos e já chegou ao conhecimento do respectivo alvo.

 Pensamos que nesta transformação não se pode subalternizar o factor recursos humanos, tendo em conta que a Polícia não é uma excrescência viciosa da sociedade que todos nós somos. A Polícia é uma emanação desta mesma sociedade. Costuma dizer-se que é filha do povo e o povo somos nós.

Tem-se da Polícia no seu todo e da Polícia de Investigação Criminal, em particular, um quadro negativo construído a partir da acção dos seus agentes. Não vamos aqui pintá-lo de novo, já que se trata de uma constatação pública. Há polícias mancomunados com criminosos, há polícias que “comem onde estão amarrados”, mas há também, como em todas as profissões, polícias profissionalmente dignos e honestos.

Estamos em crer, no entanto, que a deficiente actuação dos agentes da lei e ordem, tem também como substracto o tratamento que o Estado lhe concede. Os polícias não são realisticamente recrutados, isto é, não são recrutados tendo em conta uma vocação que se exige para este serviço do povo, não se cuida o bastante do seu perfil humano, não se cuida o bastante da sua formação profissional, não são dotados de meios necessários para o cumprimento da suas missões e não se cuida da sua liberdade financeira.

 Dizer que liberdade financeira é ter os meios suficientes para que a falta deles não cause problemas graves à sua estabilidade emocional. Um polícia que ganha três mil meticais por mês ou ainda menos, cuja assistência social é praticamente inexistente, que tem filhos por sustentar e formar, para desempenhar a sua profissão com brio profissional em função das exigências da comunidade, tem de ser um herói durante 365 dias por ano e 24 horas por dia.

A natureza humana, livro aberto para quem o quiser ler, ensina que não é extremamente difícil ser herói, de quando em vez, até acaba por dar prestígio porque, em geral, a atitude heróica é iluminada pelos holofotes da publicidade. Porém, ser herói, ainda para mais anónimo, durante 365 dias por ano e 24 horas por dia, é excepção excepcionalíssima. Muitas vezes, nós exigimos ao nosso polícia que seja herói 365 dias por ano e 24 horas por dia, sem lhe proporcionarmos as condições para o ser.

Que Polícia queremos ter é interrogação que o Estado se deve fazer, trabalhando o tema em reflexão profunda com os partidos políticos, com a sociedade civil, em última análise, com toda a comunidade. A Polícia que temos, entrando em linha de raciocínio com as condições que lhe proporcionamos, não serve. Tem de ser remodelada em profundidade. Trata-se de uma prioridade do Estado. Mas não basta remodelar a Polícia. Há que rever o nosso sistema de Justiça, demasiado antiquado, prisioneiros de arcaísmos que lhe castram as iniciativas criadoras em função dos tempos que correm, arcaismos estes que se incrustaram na mentalidade da maioria dos nossos juristas e magistrados e até dos professores universitários que os vão formando, confortados pela preguiça mental que os impede de olharem a modernidade e o chão que pisam, onde se cruzam correntes e forças que lhes escapam.

A corrupção entrou de moda em todos os sectores, inclusive nas escolas, onde se procura um diploma não como certificado profissional que te habilita a um desempenho capaz, mas como alvará para um negócio. E até o diploma se negoceia, ele que é tido como alvará.

Por isso, talveznão fosse despiciendo aproveitar esta ocasião em que se fala de reformas para reflectir sobre a conveniência de rever a Constituição no capítulo referente à Procuradoria-Geral, a começar pela nomeação e exoneração do Procurador-Geral, autoridade máxima do Ministério Público, que é advogado do Estado na medida em que este é uma organização obrigatória ao serviço dos interesses democráticos dos cidadãos (sublinhe-se a palavra organização), não se podendo confundir com os interesses circunstanciais de tipo umbilical dos seus dirigentes. O nosso texto constitucional fundamenta-se, neste, como noutros aspectos, na bondade e rectidão das pessoas, consideradas acima de toda a suspeita, mas a lei existe não por causa da bondade das pessoas, mas precisamente por causa da sua maldade para que esta não consiga arvorar-se em sistema jurídico, abrindo a porta a toda a espécie de malfeitorias travestidas de legalidade.

Nada de sólido se pode construir contra a natureza humana, mesmo ao nível da legislação e o saber de experiência feito atesta, sem margem para dúvidas, que o ser humano, seja ele qual for,  como dizia o professor, “é um cocktail de maldade e bondade, predominando umas vezes a bondade e outras vezes a maldade. A lei, quando reflecte o ser humano como ele é, a fim de criar condições para que ele seja cada vez mais humano, é que é penhor da nossa salvação”.

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