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Ninguém fica melhor escritor só por ganhar um prémio

Por admin

Onde estava quando recebeu a notícia de ter sido premiado?

Estava em casa deitado. Tivera um dia péssimo. Aquelas atribulações  da cidade. Tivera, antes, uma pequena discussão com um Polícia Trânsito que me estragara o dia. Acabei por enervar-me muito. Acho que fui tratado de uma maneira muito pouco digna. Gritaram comigo como se fosse um ladrão…

 

O que aconteceu de concreto?

Mandaram parar. Respondi que ia encostar, pois não podia parar no meio da estrada. Aí, o Polícia começou a gritar dizendo que eu pretendia fugir.O certo é que estamos perante uma polícia que não quer que se ganhe respeito por ela. E isso foi bom, porque distraí-me completamente. Esqueci que o júri estava reunido e tinha prometido a mim mesmo que não tinha expectativa nenhuma.

 

Mas já havia sinais de ser um dos candidatos?

Às vezes telefonavam-me as pessoas dizendo que meu nome estava a ser mencionado e, sem querer, inquietavam-me , porque eu queria estar em paz.  Quando cheguei a casa disse a minha mulher que não estava para ninguém.

 

E o que aconteceu depois?

A Patrícia, a minha mulher, veio ter comigo dizendo que era uma chamada de fora. Eu disse a ela para que lhes dissesse que não estava. Era, afinal, o anúncio do prémio.

 

À nossa bem moçambicana, podemos  dizer que o que aconteceu com o Polícia era massinguita, prenúncio do prémio?

Era mesmo massinguita.

 

E toda chateação foi embora…

Sim foi. Fiquei muito feliz. Digo sempre que os prémios acontecem por acaso. Nenhum autor escreve para ter prémios. Senão não seria escritor. Mas também é verdade que seria uma falsidade minha dizer que não fiquei feliz. Qualquer prémio mexe connosco.

 

O prémio mudou-lhe alguma coisa por dentro?

Não. Fiquei feliz, mas não muda nada. Há pessoas que perguntam se o prémio vai alterar a minha maneira de trabalhar e eu digo que não muda nada. Ninguém fica melhor escritor por ganhar um prémio.

Tenho a consciência segura de que muitos grandes escritores nunca ganharam prémio na vida. E muitos maus escritores foram premiados também. Posso ter a veleidade de pensar que isto mede o meu trabalho de uma maneira definitiva.

 

O prémio é bom?

É claro que o prémio é  bom para mim, pois tenho um certo reconhecimento, mas o próprio Luís Camões, que dá nome a este prémio, morreu na miséria sem receber nenhum prémio.

Depois de ele ter estado na Ilha de Moçambique. Camões teve que apanhar uma boleia. Morria ali se não fosse alguém que lhe deu dinheiro para voltar.

Portanto, mesmo aquele que é supra-sumo da Literatura Portuguesa não teve prémio. Fernando Pessoa é outro escritor de referência de toda  comunidade linguística e que não foi  devidamente apreciado e reconhecido quando era vivo. Então, é preciso ter a consciência de que os prémios têm a sua  razão de ser. Mas não são à medida da vida…

 

 

Uma vez disse que o Nobel de Literatura não dependia apenas do que é escrito  a nível literário. E que o segredo estava com o júri. Pode explicar melhor?

Os organizadores do prémio ainda vão zangar comigo. Mas na verdade não é só o prémio Nobel. Os prémio tem critérios que são literários, mas intervém sempre outros critérios. Por exemplo, o critério da visibilidade de um país.

Imaginemos que  fosse importante que escritores dos países árabes, que agora estão a fazer aquela revolução, fossem contemplados. Pode ser que seja importante dar um prémio à China porque ela está emergindo. Há assim coisas que me parecem ajudar a explicar por que razão um escritor é mais visível que o outro. 

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