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O desportista que o poder nunca percebeu

Por admin

“Pensava em fazer uma coisa como o Estádio da Machava, em Marracuene…Espero que alguém venha do céu me ajudar…Já não tenho força para 

enfrentar  gabinetes e requerimentos” Emílio  Xacufa Mpfumo, falecido dia 3 de Novembro de 2012.   

Manuel Meque

Morreu a 3 de Novembro de 2012, no Hospital Central de Maputo, vítima de doença, Emílio Xacufa Mpfumo, o patrono do Ricatla Futebol Clube, sedeado a 25 quilómetros da Cidade de Maputo, um homem desportista que tentou construir um grande complexo desportivo que englobaria um campo polivalente, uma pista de atletismo e um estádio como o da Machava.

Motivado pelo lema “ a terra pertence ao povo”, Xacufa Mpfumo idealizou em 1975, em homenagem a sua equipa que ganhara naquele ano o torneio distrital de Marracuene, a construção do complexo desportivo daquela grandeza, contando somente com as suas próprias forças. E porque só a união é que faz a força, cinco anos depois, 1980, as obras pararam. Ficara muro de um metro de altura e oitenta de comprimento, duas bancadas, campo de futebol de salão…tudo sem acabamento, que aos poucos ia se afundando na terra.

Xacufa não tinha diploma de arquitecto, nem credencial de empreiteiro, mas os doutores que iam a Ricatla aprovavam a sua obra em 90% como revelara em entrevista a este jornal, em Setembro de 1990.

“Como forma de honrar a taça ganha, a direcção achou por bem construir um campo de futebol para o clube…Uns desistiram, outros disseram que eu não estava bem e outros ainda disseram que aquilo era uma forma que arranjara de gastar dinheiro que tinha. Contratei quatro pessoas, pagando-as 250 escudos por semana e dei mais dinâmica ao negócio de carvão que eu já fazia, para reunir mais dinheiro”, explicou na altura Xacufa Mpfumo na conversa com o jornalista Moisés Mabunda.

Xacufa confessou que evitava contabilizar o dinheiro que ele e o seu irmão gastavam na obra. Quando se apercebeu que não tinha dinheiro para a ambiciosa aventura, começou a fazer peditórios, tendo pela primeira vez recebido 750 contos, valor que deu para comprar 300 sacos de cimento, ferro, areia grossa e alguns blocos. Contratou um pedreiro e prosseguiu com obra.

Os obstáculos iam sucedendo e o sonho de construir um Estádio tipo Machava esvanecia-se. O material de construção começou a rarear no mercado nacional. Então o pouco conseguido ficaria somente para construção do campo de futebol de salão. A construção era imposta pela Associação Provincial de Futebol a quem a ela se filiasse. Nada teve acabamento. Em 1980 a obra parou completamente.

Xacufa explicava que a obra parou “quando se passou a comprar tudo através de documentos e, de cartas. Eu já não sou tão jovem para aguentar a andar atrás de cartas…” Nunca mais se voltou a pegar na obra. Faltava 80% por fazer e muito ferro por comprar.

“ Não tínhamos parâmetros científicos. Para nós isso não era muito importante. Pensávamos que podíamos construir assim, assim. O engenheiro do Tâmega disse que a obra estava certa em noventa por cento (90%)”, afirmou. 

Depois de ter andado de gabinete em gabinete (que o digam os funcionários da então Secretaria de Estado de Educação Física e Desportos e posteriormente do Ministério da Juventude e Desportos), Xacufa chegou a conclusão de que só ele se interessava pela construção de mais um estádio de futebol no país para permitir maior prática da modalidade. E sem atirar a toalha ao chão dizia “ espero que alguém que venha do céu nos ajude, Já não tenho força para enfrentar gabinetes, os requerimentos. Já estou velho. Se alguém estiver interessado pode levar aquilo ao fim.”

Estava-se na década de 90, quando semanalmente Xacufa ia ter com os dirigentes do desporto nacional pedir ajuda que nunca recebeu e morreu sem que o poder desportivo tivesse percebido da sua vontade de erguer um complexo desportivo em Marracuene, sua terra natal que, como todos os distritos do país, continua a precisar de infra-estruturas desportivas.

Xacufa estava certo que ninguém lhe ajudaria a concluir a construção do que fora o seu maior sonho. E dizia “ de uma coisa estou certo: Ricatla permanece na história do desporto moçambicano…”

A obra parou e morreu, mas o seu dono já tinha desenhado a cerimónia de inauguração.

“ No dia de inauguração farei uma festa grande, na qual exibir – se – á uma peça de teatro com sete poemas que escrevi à propósito. O nome seria: COMPLEXO DESPORTIVO CHINTEYA.”

Porquê Chinteya e não Ricatla? Xacufa comprara um livro com o título Massacres na Guerra Colonial. Na contracapa do livro leu uma história de morte de uma criança chamada Chinteya que o arrepiou.

“Chinteya, uma criança de quatro anos, assustada, chora. Um soldado, simulando compaixão, aproxima-se e, acariciando a criança, pergunta-lhe se está com fome. Sem, porém, esperar a resposta, continua: “toma o beberão.” E metendo à força o cano duma arma de fogo pela boca da criança, diz: “ chupa.” E dispara. A criança cai com rombo na nuca. (…) E julguei que seria ideal homenagear aquela criança, dando o seu nome ao estádio, e reconhecendo também o sofrimento de outras crianças.”

E se um dia vier alguém do céu para concluir a obra por si iniciada no ano da Independência Nacional, 1975, como um dia esperou, será ele próprio, porque lá também pode não haver desportistas como ele.

Da última vez que foi ao Ministério da Juventude e Desportos (MJD), na sua maratona semanal de ir pedir apoio para a conclusão da sua obra, passou do edifício do “Notícias” para se despedir com o autor deste texto nos seguintes dizeres: “Não venho mais. Estou cansado de ouvir faça isto, faça aquilo, espera, espera…Estou velho e sem dinheiro que chegue para continuar a vir para cidade pedir apoio ao Estado. Diga aos dirigentes do ministério que se usarem o Fundo de Promoção Desportiva para a construção de infra-estruturas o desenvolvimento do nosso desporto não demorará. Eu sei que eles não pensam assim. Gostam muito de reuniões e passeios.” Nunca mais veio descansar na nossa sala de visitas de regresso do MJD.

Descanse em Paz Emílio Xacufa Mpfumo. Quem sabe, um dia podemos ser convidados à inauguração do monumento em sua memória, ai onde aos 16 anos de idade fundou o Futebol Clube Ricatla, porque alguma coisa fez para o desporto nacional! 

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5 comments

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