A culinária moçambicana é saborosa e bastante atraente. É uma miscelânea de temperos entre fortes e suáveis importados da gastronomia árabe e portuguesa. Logo não há paladar que resista a tanto sabor. Do Norte ao Sul confeccionam-se pratos de comer e chorar por mais. Depois há aqueles tipicamente regionais como o prato de algas de siri-siri que faz de cartão-de-visita da Ilha de Moçambique.
É unânime. Ainda há muito por fazer no capítulo da divulgação dos pratos tradicionais moçambicanos para que arrebatem o mundo. Pelo menos é o que se depreende da conversa que domingo manteve com três exímios chefs moçambicanos.
“A culinária nacional não é dominante nos nossos restaurantes mesmo tendo muita aceitação. Levei os nossos sabores para quinze países e foram bem aceites. O povo de Macau, por exemplo, tem hábitos alimentares extremamente diferentes dos nossos, mas anualmente quando lá vou a recepção é sempre estrondosa”. Quem assim fala não é gago. Chama-se chef Graça, 50 anos de idade, e mestre de cozinha há 31 anos.
“Os donos de restaurantes devem aceitar que se confeccionem pratos tipicamente moçambicanos e o público nacional tem de ser primeiro a consumir o que é nosso”, propõe.
O chef entende que a comida moçambicana não se faz sentir com efervescência porque são poucas as casas de pasto que oferecem essa disponibilidade, mas, ainda assim, há bons exemplos a pontuar.
Michel Aflack, 36 anos, um dos chefs do Radisson Blu Hotel, disse que ali há espaço para pratos nacionais. “Aqui não só cabem comidas importadas de outras culinárias tais como pizzas, esparguetes, bacalhau, como também a matapa, o frango à zambeziana”, aliás o mais solicitado. “Sugerimos aos nossos clientes, sobretudo àqueles que vêm do estrangeiro, para que consumam o tipicamente moçambicano e façam a divulgação nos seus países de origem”.
Para o chef Aflack, na profissão há 14 anos, a cozinha é também criatividade e inovação, por isso há pratos nos quais dão um “toque especial”, sem, no entanto, destruir o sabor original. “Ao frango à zambeziana, por exemplo, aumentamos alguns condimentos que achamos interessantes, mas claro que não saímos da sua essência. O mesmo acontece com matori tori (doces de coco e amendoim) e as badjias”.
Francisco Langa, 45 anos de idade, chef do Dolce Vita, disse que a comida tradicional moçambicana é servida nos restaurantes e “os estrangeiros admiram e gostam”, mas fez um reparo:“Geralmente os nossos co-cidadãos é que optam por pratos de outras culinárias, pois há aquela ideia de que “comida de casa” não pode ser consumida em restaurantes”.
O chef Langa destaca que os restaurantes apenas pecam pelo facto de os pratos nacionais não constarem dos seus menus já que normalmente as comidas moçambicanas são preparadas como pratos do dia ou em buffets (quando há eventos).
Cozinheiro desde 1989, o chef Langa aventou a hipótese de a minúscula presença de pratos nacionais residir no facto de levarem muito tempo para serem confeccionados. “Ninguém suporta esperar uma hora e meia para comer. As pessoas quando vêm ao restaurante querem algo rápido”.
Ainda assim, quem não gostaria de degustar nihamana, um prato feito à base de feijão nhemba e mandioca, ou nikuri, confeccionado a partir de feijão holoco, ou, ainda, caracata (xima de farinha de mandioca seca) com peixe (tocoçado) com limão, manga seca e piripíri? Ai, ai, ai que delícia!
POUCAS MULHERES
CHEFS
Em sociedades africanas tem-se em mente que o papel da cozinha cabe à mulher. Desde pequena ela aprende que para além de estudar é fundamental que saiba cuidar de uma família e isso passa por saber lidar com os fogões e panelas. Já ao homem cabem outras tarefas tais como trabalhar para sustentar a família, concertar electrodomésticos, lidar com questões eléctricas ou seja, quase tudo menos cozinha. Entretanto, quando se olha para grandes restaurantes o cenário é completamente diferente. Ali o homem é que domina.
Ochef Michel Aflack, confrontado com esta questão, garantiu que as mulheres também são boas chefs. “O problema é que esta profissão exige algum sacrifício, já que nos põe muito distante da família e das tarefas caseiras. Respeito muito as colegas cozinheiras, pois para mim elas são valentes por conseguirem esgrimir-se aqui e ainda cuidar das suas tarefas caseiras. Acredito que não é fácil para elas além de que precisam de muita compreensão e apoio dos maridos por passarem muitas horas nos seus locais de trabalho”, disse Michel.
O chef Graça encontra outra explicação para a pouca presença feminina na condição de chef. “Acho que a mulher cozinha porque tem de fazer isso. Contrariamente ao homem que quando vai às panelas é por gosto e faz tudo para impressionar. Fazemos o nosso melhor”.
O chef Langa também anui. Para ele os homens são muito dinâmicos e interessados pela cozinha para além de que “gostamos de investigar mais. Não nos limitamos no modo básico de preparar os alimentos. Inovamos sempre. Já a mulher… gosta de seguir as regras de como aprendeu a confeccionar um determinado alimento. Nós somos diferentes. E aí aparece a nossa arte”.
MINISTÉRIO
NA PROMOÇÃO
Os três chefs entendem que é chegada a hora de o Ministério da Cultura e Turismo se envolver com mais afinco na gastronomia, não no sentido de ser principal actor, mas para impulsionar vivamente a conquista do mundo.
“A gastronomia moçambicana tem alguns pratos que são apresentados em alguns restaurantes de topo, mas falta ir buscar aqueles que não são muito divulgados como é o caso do frango revoada que é da província de Nampula, todué (caracol de água doce) com caracata e chantili, matago (arroz torrado da Zambézia) com xima, entre outros. Isso fará com que tenhamos um portfólio forte e poderemos estar à altura de competir internacionalmente”, anotou Aflack.
Outrossim, apoiam a ideia de serem organizadas feiras gastronómicas de carácter nacional e elaboração de panfletos sinalizando os lugares onde facilmente se poderá degustar comida moçambicana, por exemplo nos aeroportos nacionais e fronteiras terrestres, para garantir que os visitantes a Moçambique vejam logo que pisem o solo pátrio.
“O Ministério da Cultura e Turismo deve igualmente obrigar os hotéis a terem pelo menos dois pratos moçambicanos nos seus menus. Essa seria a melhor forma de valorizarmos o que é nosso e divulgar ainda mais, porque toda a gente que prova os nossos sabores gosta”, opinou, por sua vez, o chef Graça.
Os pratos moçambicanos têm preços relativamente acessíveis em relação aos de outras culinárias. No Radisson Blu, por exemplo, o preço de um prato de matapa ou confeccionado à base de couve varia de 250 a 350 meticais contra 825 meticais de bacalhau.
Da próxima vai uma mucapata? A resposta é definitivamente…sim!
Texto Maria de Lurdes Cossa
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