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Nyau impõe-se como expressão artística incontornável

Por admin

A cultura é o sol que nunca desce”. Esta  é uma das célebres expressões do saudoso Samora Moisés Machel, primeiro presidente da República de Moçambique que vem ganhando cada vez mais sentido e amplitude na vida e imaginário dos homens das artes e cultura na sociedade moçambicana.

 

Começam, por assim dizer, a despontar sinais de uma firme vontade política de se assumir as diferentes expressões e manifestações artístico-culturais que preenchem o vasto e diversificado mosaico cultural como elementos estruturantes da identidade moçambicana.

Nos últimos anos se tem assistido a uma regular realização de festivais nacionais de cultura, simpósios e mais recentemente, cerimónias de Estado para a galardoação de algumas expressões culturais tais como a Timbila e o Nyau naquilo que se pode considerar uma merecida apologia às tradições culturais moçambicanas.

Foi neste prisma que na última terça-feira, dia 17, a cidade de Tete transformou-se momentaneamente na capital da cultura moçambicana. Centenas de pessoas convergiram ao Bairro Paulo Samuel Khankomba num dia em que Tete parou literalmente para testemunhara galardoação da “Grande Dança”, o Nyau , GuleWankulo, num acto presidido solenemente pelo Chefe do Estado, Armando Guebuza, com todas as honras e condimentos dignos de uma cerimónia de Estado. O Nyau foi galardoado com a Medalha Bagamoyo, uma das mais altas distinções estatuídas no país.

Nem a alta temperatura que se fazia sentir na terra do malambe ( fruto silvestre com propriedades terapêuticas) e o saboroso peixe pende impediu que os executores do Nyau dessem um “cheirinho”  desta dança , com rituais muito típicos e envoltos de um secretismo de bradar os céus. Actuaram de forma representativa grupos de diferentes distritos da província de Tete, onde tal expressão artística é predominante. E já quase ao cair do pano, todos os grupos convidados  actuaram simultaneamente, em apoteose, para o gáudio da enorme multidão que ali acorreu.

Recorde-se que a Timbila foi a pioneira em termos deste tipo de consagração, no nosso solo pátrio, em reconhecimento da sua pujança e valor artístico que, por sinal, já transcende os limites fronteiriços do nosso país pois foi proclamada, em 2005, Obra-Prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

Conforme explicou o Presidente da Republica, Armando Guebuza, no seu discurso de ocasião, o país todo estava naquele instante em festa na sequência da homenagem do Nyau, no âmbito do Sistema de Títulos Honoríficos e Condecorações da República de Moçambique.

“Esta expressão da nossa cultura é homenageada, particularmente, em reconhecimento: dos conteúdos que veicula ao papel social que exerce da destreza dos seus executantes; da sua riqueza artística; e do merecido lugar que ocupa na projecção da nossa Pátria Amada como uma comunidade de valores nobres, referiu o PR para quem o Nyau deixou de pertencer apenas a Tete e a Moçambique, a Zâmbia e ao Malawi  pois “é hoje reclamado pelo mundo inteiro como parte do seu património artístico e cultural”.

Ainda de acordo com o PR ao desfilarem  alguns dos grupos executantes do Gule Wankulu, estes tiveram a proeza de “destacar o papel desta expressão cultural na socialização e integração do indivíduo dentro dos valores da sua comunidade. São valores que se transmitem de geração em geração, através de uma correia inter-geracional que cria as condições para que os mais novos se apropriem deste património como orgulhosamente  seu, assegurando a sua vitalidade e existência perene.

Na verdade, nesta dimensão, o Nyau assume um papel estruturante no sistema de organização social e política das nossas comunidades e de plataforma em que se apreendem valores, conhecimentos e saberes úteis à sobrevivência humana e à regulação da sua relação com outros Homens, instituições e a natureza.

Segundo fez questão de sublinhar o Chefe do Estado, por causa do papel que exerce na preservação, promoção e transmissão de valores e formação da nossa identidade, o Nyau foi vilipendiado pelas autoridades coloniais e os seus executores perseguidos e reprimidos.

“Todavia, o nosso Povo resistiu heroicamente e manteve vivo o nosso Nyau. O Nyau pode ter vergado perante a violência investidas da dominação estrangeira mas não se deixou levar nessa corrente opressora. O GuleWankulu não desfaleceu, face à forma como era espezinhada: manteve-se firme e afirmou-se como uma arma poderosa e incisiva, primeiro de resistência passiva contra essa dominação estrangeira e, depois, de disseminação de mensagens da Luta de Libertação Nacional”, recordou Armando Guebuza sublinhando em seguida que quando o país ficou liberto da dominação estrangeira, o Nyau viria a ocupar o seu merecido lugar, por um lado, como uma grande fonte de auto-estima, do conhecimento e de socialização e integração das comunidades nos seus valores identitários.

ORIGENS DO NYAU

Algumas fontes orais e escritas explicam as origens do Nyau com base em três versões, nomeadamente, a exibição do poder político, a fome e as brincadeiras infantis. No que ao poder diz respeito, o Nyau é associado à formação do Estado Undi , por volta do Seculo XVI , altura em que se supõe ter sido adoptado como uma forma de manifestação do seu poderio perante os povos conquistados.

No que se refere a sua associação com a fome reza a história que esta manifestação artística retrata várias crises sociais, pois, provoca a instabilidade e consequentemente repercute-se negativamente sobre a ordem social. Este factor, conforme referem algumas fontes, terá pesado bastante para a génese do Nyau , uma vez que a escassez de alimentos terá afectado a harmonia social entre as mulheres e os homens, a ponto destes últimos enveredarem por práticas ardilosas, como se fazerem passar por animais selvagens (daí o recurso a máscaras e outras formas de representação).

Por último, quanto a versão das brincadeiras infantís, sustenta-se que o Nyau teria sido criado antes de 1500 Depois de Cristo por pastores de gado bovino e caprino, que durante a pastorícia construíam figuras denominadas NYAMA com materiais tais como paus, bambu e capim. Estas brincadeiras de crianças acabaram por atrair a atenção dos adultos, os quais incorporaram estas práticas nas suas tradições.

Importa referir que na língua ciChewa , o termo GuleWamkulo significa Grande Dança cuja palavra correspondente no contexto moçambicano é Nyau ( comumente usado para se referir ao dançarino) , uma das danças mais apreciadas da região norte da província de Tete , que atrai molduras humanas pelo espectáculo que proporciona e pelo seu elevado valor técnico e artístico cultural.

José Sixpence 

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