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Mr. Bow: o “arco” da marrabenta

Por admin

Nasceu a 30 de Abril de 1982, no distrito de Manjacaze, província de Gaza. Cresceu aos cuidados dos avós, por mera opção da família, e sempre sonhou ser músico. Começou a perseguir este desejo ainda pequeno, participando em concursos de música, onde interpretava números de artistas internacionais. Hoje, é figura incontornável na arena da música ligeira nacional, com “hits” que passam incansavelmente nas rádios e televisões nacionais e não só. Se dissermos que se trata de Salvador Pedro Maiaze, todos irão torcer o nariz. Por isso preferimos ir directo ao assunto. Senhoras e senhores convosco… Mr. Bow!

Ha yloloza male ya vhatchanhana” (estamos a devorar o dinheiro dos changanas) é o título criado por Mr. Bow e que faz homens e mulheres rebolarem ao balanço da marrabenta que desperta o bailarino que adormece em cada um de nós.

Procuramos o autor deste e de outros tantos temas de sucesso, como o recente “Massinguitane”, que sacudiu o país na última quadra festiva. Encontrámo-lo na cidade da Matola, à saída de um ginásio de onde veio trajado a atleta, com luvas, fato de treino, sapatilhas, uma toalha branca ao ombro e uma garrafa de água na mão.

Habituado aos holofotes, manteve a boa disposição e respondeu com uma calma invulgar, como se conhecesse e dominasse a pauta de perguntas que lhe tínhamos preparado. Era um livro aberto, disposto a desfazer os enigmas que o cercam. Ei-lo na primeira pessoa.

Quem é Mr. Bow?

Sou um jovem moçambicano, natural de Manjacaze. O meu nome de registo é Salvador Pedro Maiaze. Sou filho mais velho de Pedro Maiaze e de Roda Langa. Tenho nove irmãos dos quais quatro são raparigas e os restantes são rapazes. Sou casado e pai de quatro filhas.

Como descreve a sua infância?

Tive uma infância tranquila e extremamente regrada. Cresci sob os cuidados dos meus avós, por opção familiar.

Quando é que saiu de Manjacaze para Maputo?

Vim estabelecer-me em Maputo em 2001. Mas, já tinha cá estado quando tinha cerca de 10 anos. Hoje tenho a minha vida feita aqui, e só vou à Manjacaze para visitar meus parentes.

Como surge o nome Mr. Bow?

No início da minha carreira artística fazia “rap”, e para ter algum impacto como rapper precisava de um nome “agressivo”, e achei “Bow” (arco) ideal. Foi nesse contexto que surgiu esta designação. No entanto é preciso recordar que nessa altura era conhecido por MC Bow, só quando troquei do género que fazia para “R&B” e “Soul” é que passei a usar o Mr. Bow.

Vem com a música desde pequeno, pelos vistos!

Sim, meu maior sonho sempre foi o de ser músico.

Quando é que decidiu levar a sério a carreira artística?

Essa decisão surgiu quando notei que havia um retorno positivo por parte das pessoas que ouviam algumas das minhas músicas. Davam-me força, o que foi suficiente para arregaçar as mangas e correr atrás do meu sonho.

Sempre cantou as suas próprias músicas?

Não. Antes imitava alguns artistas internacionais, como R. Kelly, Backstreet Boys, Tyrese, entre outros. Até participei em concursos de imitação e venci.

Agora está mais maduro e faz as suas músicas. Quem compõe para si?   

Componho para mim e para outros artistas. Aliás, comecei a compor antes de me tornar conhecido. Já trabalhei com Oliver Style, Lizha James, Tabasily. Actualmente trabalho com Mabermuda.

Onde busca inspiração?

Busco no ambiente no qual vivo. No quotidiano, por aí. O povo inspira-me. Essa é a razão pela qual minhas músicas são de intervenção social.

Diz-se que os artistas costumam buscar inspiração no álcool e nas drogas, é verdade? Tem um desses hábitos?

Não sei se é verdade. Tudo o que sei é que eu, particularmente, não preciso disso. Minha inspiração é normal. Não fumo.

Mas bebe…

Bebo pouco. Socialmente entende? Mas, quando tenho que trabalhar ou subir ao palco não preciso disso. Actuo lúcido e gosto de mim assim.

Sabe tocar algum instrumento musical?

Sei…

Qual?

Toco teclado. É verdade que não sou profissional, mas, em algumas ocasiões uso-o nas minhas produções.

É preciso conhecer o que nos traz ganhos

Quando o seu nome começou a emergir na arena musical nacional, por volta de 2008, apostava em algo parecido com o Rhythm and Blues (R&B). Fez músicas como “Ele não te ama” e “I miss You”, Passado algum tempo mudou do estilo e da língua. A que se deveu essa mudança?

Acho que a arte faz o artista. É possível o artista fazer a arte e se identificar com ela. Assim como é possível a mesma arte identificar o artista.

Pode trocar isso em “miudinhos?

No início da minha carreira fazia rap, depois troquei para R&B, coisa que até hoje faço, pois está dentro de mim. Mas o que acontece é que em algum momento experimentei fazer marrabenta e cantar em changana e percebi que a recepção e o impacto eram maiores. Percebi que chamava mais à atenção dos ouvintes. Para além da exibição das minhas capacidades como profissional também pretendo ganhar com o trabalho que faço. Foi a partir daí que escolhi a marrabenta, pois vi que me dá outro tipo de referência e rendimento.

Valeu a pena essa troca de estilo?

Sim. Foi a melhor escolha que fiz na vida, pois, ofereceu-me uma identidade. Hoje em dia quando se fala de Mr. Bow já não se fazem mais perguntas. Todos sabem de quem se trata e do que faz na música.

Então apostou nesse estilo por questão de sobrevivência?

Não chega a ser isso. Gosto muito deste estilo e como sabia o que pretendia na minha carreira optei por ele pois ajuda-me. Um bom investidor deve saber que produto lhe rende mais, quem é o seu consumidor e onde é que o vende. Essas são as questões que ajudam a distinguir o investimento certo. Sem contar que já não estou na fase de subir ao palco e cantar, porque gosto apenas. Tenho que fazer isso como minha profissão para ter pão na mesa.

Como descreve o seu percurso artístico?

É de muita dedicação e esforço. O facto de ter estado sempre firme nos meus sonhos foi muito importante, pois ajudou-me bastante. Recordo-me que antes até ia às rádios deixar as minhas músicas e não eram tocadas, mas, mesmo assim, nunca desisti.

Pelos vistos enfrentou muitos obstáculos?

Sim. Uma das primeiras dificuldades foi a falta de condições financeiras para sustentar meus objectivos.

Como ultrapassou isso?

Estava envolvido em outras coisas como a venda de roupa e alguns alimentos no mercado Benfica, em Maputo, isso rendia-me algum dinheiro que posteriormente investia na música, não era fácil, mas era assim que fazia.

A música mudou a minha vida

Sente que a música lhe trouxe alguns benefícios?

Sim. O meu maior sonho era conseguir ser músico profissional. Poder ouvir a minha música a tocar na rádio e ter um vídeo e poder dizer “estou a ser ouvido e visto por milhares de pessoas”. Mas consegui mais do que isso, o que é muito gratificante para mim.

Como assim?

Tudo o que sou e tenho hoje é graças à música. Já sou conhecido por crianças e adultos, e todos estes respeitam-me e gostam de ouvir os meus trabalhos. Para além da música faço outro tipo de trabalhos que complementam os meus rendimentos.

Agora está na mó de cima. Que coisas teve de deixar de fazer por causa da fama?

Não mudei meus hábitos. Apenas tento fazer de tudo para ser um exemplo na sociedade, uma vez que tenho admiradores, muitos deles adolescentes, crianças e jovens. Evito, por exemplo, meter-me em coisas que me podem manchar e decepcionar àqueles que olham para mim como um exemplo.

Há algo que antes comia e hoje não pode mais?

Não. Como de tudo. Paro, por exemplo, na rua para comprar maçaroca cozida ou assada, bem como castanhas que são coisas que sempre gostei.

E os seus amigos continuam os mesmos?

Sim. O que talvez nos separa é o facto de fazermos trabalhos diferentes, mas sempre criamos encontros para um bate papo. 

Qual é a coisa que mais te marcou negativamente na sua vida?

A morte do meu pai. Nunca consegui superar essa perda. Gostava que ele estivesse aqui para ver o que está a acontecer comigo e sentir-se orgulhoso.

Qual é a coisa que mais te deixa orgulhoso?

A minha família, que é o meu suporte. Se acordo todos dias e digo vou lutar é por causa dela.

É possível viver da música

Como encara a pirataria?

Já não luto contra esse fenómeno. É uma guerra inglória, muito difícil de vencer e que os artistas sozinhos não podem resolver. O que faço é trabalhar e concentrar-me mais na renda que vem dos concertos, uma vez que da venda dos discos não espero muito.

Pensa em ser músico para sempre?

Sim. É o meu maior compromisso. Não penso em renunciar.

Como vai se manter?

Bem, para mim é importante sempre ter a consciência de onde a gente vem para sabermos o que somos hoje e para onde vamos. Isso ajuda-nos a preparar o amanhã. Eu sou um crente do sucesso. Acredito que aqui não é o meu fim e que há mais coisas boas que irão acontecer.

Então não acredita naqueles que dizem que não é possível viver de música em Moçambique?

Acho que essa afirmação não é verdadeira. Acredito que dependendo do esforço que fazemos podemos viver da música. Para além de mim tem tantos outros músicos que vivem somente deste trabalho aqui no nosso país. O importante é que a pessoa também saiba que viver de música não significa passar todas as refeições em restaurantes, estar frequentemente em festas e pretender ter roupas de marca ou uma vida faustosa.

Qual é o seu maior desafio actualmente?

Lutar para manter os meus fãs e aumentá-los através de músicas melhor elaboradas, com letras educativas e disciplina na vida.

Que avaliação faz do estado actual da música nacional?

Acho que está a atravessar um bom momento. Antes chorávamos pela exposição de artistas nacionais no estrangeiro e isso hoje já acontece. Há muitos músicos que cantam fora do nosso país. Note que agora é até fácil os pais se sentirem orgulhosos de ter filhos que são músicos, algo que antes não acontecia.

Como vai a sua agenda de shows?

Bem. Consigo, e com frequência, actuar na África do Sul. Sou muito solicitado aqui no país e estou quase sempre com a agenda lotada. Não me posso queixar.

Quais os teus planos para este ano?

Pretendo continuar a dar o meu máximo para agradar o meu público, pois não estou para brincadeiras. Também espero pelo apoio de sempre.

Casei-me porque encontrei a pessoa certa

Diz-se por aí que fizeste a música “Txova” quando estavas a passar por uma época de “vacas magras” e que a música intitulada “Male ya machangana” zombavas da boa vida que o casamento te proporcionou. Podes explicar o que esteve por detrás destes títulos?  

Essas músicas não têm relação nenhuma entre si e muito menos relacionam-se com a minha vida. São músicas que compus para o público ouvir e divertir-se, mas como as narrei na primeira pessoa algumas pessoas começaram a especular. A verdade é essa. Cantei para entreter e não existe relação com a minha vida.

Isso afectou-o?

Para mim isso é normal, quando somos famosos tornamo-nos vulneráveis a especulações e não podemos fugir disso.

Em 2012, Mr. Bow casou. Há quem diga que foi por interesse, pois a sua esposa tem dinheiro e que isso trouxe-lhe algumas vantagens. É verdade?

O meu casamento realmente beneficiou-me. Não há dúvidas. Nós só devemos casar com quem nos constrói. Mas agora, dizerem que o meu casamento é por interesse monetário não faz nenhum sentido, pois, na minha óptica, marido ou namorado não se compram. Se estivéssemos casados por dinheiro já não estaríamos juntos, mas infelizmente algumas pessoas não entendem isso.

Como é que lidaram com essas falas?

Ignoramos. Antes de casarmo-nos já prevíamos que as pessoas falariam muito, mas porque essa era escolha que havíamos feito, decidimos ir avante e seguir com a nossa vida, uma vez que é impossível agradar a todos.

Admiras algum artista nacional?

A minha admiração vai para além do artista ser vocalista. Abrange a forma como se apresenta, se dedica e luta pelo seu bem-estar na música, em suma, admiro a muitos.

Quem são os artistas que reúnem essas boas qualidades?

Mc. Roger, Lizha James, Zico, são alguns dos exemplos de artistas que conseguiram firmar seus nomes na arena musical e hoje são incontornáveis. É nesse tipo de artistas que me inspiro, adoptando aspectos positivos que cada um deles tem.

Maria de Lurdes Cossa

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1 comment

Mhlal3Kg9B7TCiy 18 de Julho, 2023 - 1:57

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