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Há que mudar as regras de abate do frango

Por admin

O leitor sabe em que condições técnicas e de higiene foi abatido o frango que está para comer? Não?! Pois devia. A Faculdade de Veterinária da Universidade Eduardo Mondlane, preocupada com a questão, fez um estudo que mostra que há hábitos que devem mudar. Imediatamente. É que os matadouros formais, informais e até domésticos são “terrenos” férteis para a proliferação de bactérias porque têm água, temperatura e nutrientes que os micróbios adoram.

O frango é a fonte de proteína animal que mais se consome no nosso país. Não há números exactos sobre as quantidades totais consumidas. O Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) refere-se a 75 mil toneladas anuais e a Associação Moçambicana de Avicultores (AMA) diz que comemos 57 mil toneladas de frango por ano.

Sejam 75 ou 57 mil toneladas, o que importa é que foi detectado que há erros graves no manuseio deste animal nos matadouros formais, informais e até mesmo no ambiente doméstico o que tem estado provocar intoxicações alimentares que, na maior parte dos casos, levam à morte.

Aliás, a Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que alimentos não seguros estão associados à morte de pelo menos dois milhões de pessoas em todo o mundo e que, por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA) há 48 milhões cidadãos adoecem todos os anos por causa da ingestão de alimentos impróprios.

Aves, ovos, leite e derivados são tidos como os responsáveis pelos casos fatais e, entre as aves, o mais problemático é exactamente o frango que está sempre presente na mesa dos moçambicanos é rico em água, nutrientes e temperatura adequada para a sobrevivência de micróbios.

Tais microrganismos podem chegar de várias fontes, incluindo do próprio criador e do ar. Aliás, os matadouros também possuem esse banquete de condições para as bactérias, nascerem, crescerem e multiplicarem-se.

As bactérias que chegam ao frango pelo ar, geralmente atacam logo a seguir ao abate e tem o potencial de acelerar a sua deterioração”, disse Custódia Mucavele Macuamule, docente da Faculdade de Veterinária para uma plateia composta por representantes do governo, criadores, processadores, comerciantes, Associação de Consumidores e pesquisadores internacionais.

O evento foi organizado pela Direcção Nacional de Veterinária, subordinada ao MASA, e Custódia Macuamule sublinhou que o frango é um hospedeiro natural a Salmonela, uma bactéria que é inofensiva para a galinha, mas que é puro veneno para o Homem.

O que inquieta é que a Salmonela não é a única ameaça. Se não se observam algumas regras básicas de abate, o sangue que sobra no corpo do animal pode coagular e propiciar o desenvolvimento de coágulos (cientificamente chamam de Staphilococus Coagulase Positive) que resistem a altas temperaturas, logo, mesmo que o frango esteja cozido, frito ou assado, o perigo está sempre à espreita.

Há bactérias novas como aquela que provocou a intoxicação conhecida por “Caso Pombe”, no distrito de Chitima, província de Tete. Todos os investigadores orientaram as suas análises para as bactérias comuns, mas aquele era um caso de bactéria até então desconhecida. Ninguém sabia que existe”, disse.

Custódia Macuamule explicou que se os abatedores de frangos obedecerem a um conjunto de normas e procedimentos de higiene durante a sua actividade, este produto pode ser congelado até 18 meses. Muitos dos presentes entreolharam-se, porque, para eles, seus meses já era muito.

Segundo aquela docente, a má qualidade de higiene no processo de abate pode levar a perdas económicas enormes porque a contaminação pode ocorrer em diversas fases, a começar pela escalda (que é preciso que se assegure que as galinhas não entrem vivas para a água quente) retirada das penas e das vísceras porque podem ocorrer fissuras na pele e contágio das moelas, entre outras partes interiores.

Uma regra básica a que poucos ligam é que o frango só pode ser abatido depois de este jejuar durante 12 horas e os congeladores domésticos são inadequados para refrigerar frangos para fins comerciais. Os ideais são os congeladores de ar forçado, onde o congelamento acontece pelo contacto do ar a baixas temperaturas com o alimento a ser congelado”, disse.

HÁ VENDA DE FRANGOS

IMPRÓPRIOS PARA O CONSUMO

Ana Bela dos Muchangos e Helena Matusse são funcionárias do MASA, ligadas à Direcção Nacional de Veterinária (DNAV) e apresentaram os resultados de estudos e de inspecções de rotina feitos em matadouros e mercados informais. “Não nos vamos referir ao que detectamos nos mercados informais, porque é simplesmente aterrador. Os resultados são horríveis”, disseram.

Aquelas duas especialistas fizeram análises microbiológicas e observaram que há uma grande preocupação com a cólera, mas pouco se liga a outras doenças diarreicas que podem levar à morte e que são causadas por bactérias existentes nos frangos.

O que vimos durante o estudo é que há uma deficiente limpeza e desinfecção das instalações, utensílios e equipamentos usados no processamento dos frangos e há falta de higiene do pessoal que trabalha nestes estabelecimentos, incluindo a simples lavagem de mãos”, revelaram.

Ana Bela dos Muchangos e Helena Matusse alistaram ainda que detectaram casos em que os matadouros injectam uma substância denominada Salmoura nos frangos para que estes ganhem peso depois do abate, algumas carcaças permanecem com sangue, partes dos intestinos com fezes, os frangos são mortos, depenados e sobrepostos antes de serem embalados e quase todos são embalados com água no seu interior.

Do estudo feito por estas duas especialistas entre 2010 e 2012 mostraram que “havia níveis inaceitáveis de contaminação de 39 por cento dos frangos abatidos no país”. Quando pensávamos que poderíamos respirar de alívio, porque de 2012 a esta parte passa um bom par de anos, aquelas peritas revelaram que fizeram um estudo em 2015 o qual mostrou que “a contaminação se mantém. Não houve nenhuma evolução”.

O que as investigadoras detectaram em laboratório foi ainda mais aterrador. “Foram encontradas bactérias fecais conhecidas por Escherichia-coli, cujo nível deve ser Zero, mas encontramos em 27 por cento dos frangos dos cerca de 14 mil frangos usados como amostra na cidade e província de Maputo. Isso só prova que há problemas de higiene no processo de manuseio dos frangos”.

Entre as estirpes desta bactéria, a mais perigosa é Escherichia-coli 0157 que também foi encontrada em frangos postos à venda. Alguns frangos contaminados não podiam ser usados para a produção de ração. “Nem para isso serviam. Significa que tínhamos nas prateleiras cerca de quatro mil toneladas de frango abatido em matadouros nacionais que era impróprio para o consumo”, disseram.

Porque a sala era maioritariamente composta por criadores e processadores, estes quiseram saber o que as pesquisadoras tinham a dizer sobre o frango importado do Brasil, em particular, uma vez que é o que mais abunda no mercado. “Todo o frango importado passa por uma inspecção pós-embarque e a qualidade é satisfatória, no que diz respeito à contaminação”, disseram.

Andam a injectar

água e sal nos frangos

A indústria avícola está a trilhar por um rumo gerador de polémicas um pouco por todo o mundo que resulta da injecção de uma substância denominada Salmoura que pode ser um simples composto de água e sal, sal e fosfatos ou um cocktail que contem carragenina, xantan, dextrose, fosfato, água e sal.

O objectivo da indústria avícola é devolver ou até incrementar o peso que o frango perde no acto da degola, conferir-lhe uma textura fresca e até oferecer ternura à carne. Com este procedimento, o frango pode ganhar de 10 a 60 por cento de peso que, entretanto, volta a se perder quando é descongelado. Aliás, quando o frango é descongelado perde-se o peso, alguns nutrientes se diluem na água e quando preparado sabe a “quase frango”.

O Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) convidou Arno Hugo, um cientista sul-africano para descrever aos produtores filiados à Associação Moçambicana de Avicultores (AMA) o nível de debate que está a acontecer naquele país vizinho por causa da aplicação destas substâncias, as batalhas judiciais que já chegaram ao Tribunal Supremo local e a irritação dos consumidores por estarem a comprar frangos grandes que murcham quando vão ao lume e a sua carne se torna gelatinosa depois da cozedura.

Arno Humo, que é um dos professores da Universidade de Free State, disse que “a injecção de Salmoura é controversa”. E o barulho começa quando se vai ao mercado e se observa que o invólucro do frango diz. “85 por cento frango; 15 por cento Salmoura”, ou em inglês “85% Chicken and 15% Brine”.

Quando isto acontece, o cliente percebe que não está perante um frango autêntico e que pagou para ter uma porção de frango com uma mistura cujos componentes mal sabe se são bons ou maus para a sua saúde. É verdade que Arno Hugo afirma que “é proibido acrescentar substâncias proteicas à Salmoura”, mas ninguém garante que isso não seja feito.

Aquele especialista descreve ainda que, numa primeira fase, os processadores introduziam um máximo de quatro por cento de Salmoura, mas rapidamente descobriram que este poderia ser um bom negócio e “esticaram” até 60 por cento como forma de ganhar dinheiro.

Segundo Arno Hugo, no auge deste negócio, os processadores sul-africanos chegaram a ganhar 15 milhões de randes de lucro destas aplicações. A imprensa local descobriu o negócio, apelidou este a este tipo de produto de “Frango Botox” e o escândalo veio à tona.

Aqui no nosso país, uma empresa seguiu estas peugadas e foi levada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao tribunal e perdeu a causa. A decisão tomada pelo governo indica que é proibido injectar Salmoura no frango nacional. Só não se sabe se a inspecção funciona como deve ser para prevenir estes casos.

É que, para além de se estar a comprar frangos com falso volume, há alguns riscos para a saúde dos hipertensos porque a mistura pode conter níveis altos de sódio como acontece com os enchidos (fiambres, chouriços, salsichas, entre outros), por isso Arno recomenda que se verifique as etiquetas.

Não se pode permitir que isto continue a acontecer porque hoje a acção decorre ao nível dos frangos e amanhã podem fazer isto com o vinho. Uma indústria que fornece proteína à população deve ter o orgulho do produto que coloca no mercado. A Salmoura ainda não é permitida em Moçambique, pelo que é importante que se tome medidas antes deste problema se tornar mais complexo”, concluiu.

Texto de Jorge Rungo
jorge.rungo@snoticicas.co.mz

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