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Mestre Chissano: a eterna lenda das artes

Por admin

O Museu-Galeria Chissano, localizado no Bairro do Fomento-Sial, província de Maputo está à beira do esquecimento. Otília Chissano, filha do falecido mestre Alberto Chissano, e gestora do empreendimento, usa fundos da família para manter o espaço aberto e em condições de acolher visitantes. Lamenta o facto de entidades públicas e privadas fazerem promessas de ajuda financeira que nunca se concretizam. “Alguns até nos pedem para fazermos contas das necessidades de manutenção”.

O museu-galeria foi inaugurado meses antes da morte do escultor e em instantes se transformou numa referência cultural que atraiu escultores em início de carreira e outros mais maduros que pretendiam aperfeiçoar a arte de dar forma a diferentes tipos de madeira como o sândalo, umbila, mafureira, entre outras.

Chissano era uma referência artística nacional e internacional. Hasteou a bandeira nacional um pouco por todo o mundo, foi homenageado, condecorado, agraciado com medalhas e diplomas e, por tudo isso, era permanentemente assediado e acarinhado por todos, políticos, empresários, imprensa e artistas.

O material ali preservado fala a língua do seu criador. Exprime o seu pensamento e sentimento em relação a assuntos sociais, com realce para a miséria, tema muito presente em suas esculturas. Na verdade, o artista procurava despertar nos apreciadores das suas obras a consciência em relação aos problemas do seu tempo, o que faz com que o local transmita magia. Não precisa ser entendedor de artes para impressionar-se com a beleza ali existente.

Criado com o objectivo de ser um local de encontro entre artistas e não só, o museu-galeria é constituído por duas grandes salas, uma localizada no rés-do-chão e outra no primeiro piso. A partir da entrada do recinto até sala do primeiro piso é possível apreciar a várias obras expostas de forma nitidamente organizada.

Porque o escultor Alberto Chissano também era apreciador e coleccionador de obras, ali também estão em exibição criações de outros artistas nacionais, com destaque para Idasse Tembe, Malangatana, Victor Sousa, João Craveirinha, Bertina Lopes, Noel Langa, Zé Júlio, Mário Tembe, para além de trabalhos vindos das Ilhas Reunião, antiga Jugoslávia, entre outros cantos do mundo.

Também tem medalhas, diplomas de reconhecimento, livros de arte de vários países, fotografias do mestre ao lado do primeiro Presidente de Moçambique Independente Samora Machel, Malangatana, entre outras individualidades. Há igualmente obras que Alberto Chissano fez usando mármore, metal, troncos de palmeira, entre outras.

A sepultura do mestre fora feita no museu, em observância do seu último desejo, pois este pretendiam que os visitantes vissem os seus trabalhos e, por fim, visitassem a tumba onde jazem seus restos mortais.

DOR-DE-CABEÇA

Otília Chissano, filha do mestre Chissano, afirma que a manutenção daquele museu-galeria é feita pela família, sem o mais ínfimo apoio de entidades como o Ministério da Cultura ou do Conselho Municipal da Matola. “Estamos a dar o nosso melhor para que o barco não afunde e, por isso, não fazemos grandes planos”.

O mestre Alberto Chissano faleceu no dia 19 de Fevereiro de 1994 e deixou um extenso e valioso acervo artístico, composto por esculturas, e uma imensa colecção de quadros produzidos por vários artistas nacionais e internacionais de se lhe tirar o chapéu. Morreu o homem, ficou a obra, como sói dizer-se.

Entretanto, bastou que Chissano cerrasse as pálpebras para que o seu projecto ficasse entregue à sorte, uma vez que pouco ou nada tem sido feito por quem de direito para preservar e conferir notoriedade àquela iniciativa que, em tempos não muito distantes, foi motivo de orgulho de todos os moçambicanos.

Tudo o que fazemos é procurar manter o museu aberto e em condições de ser visitado por todos. Não podemos planear mais do que isso porque a nossa bilheteira raramente faz mais de dois mil meticais num mês e temos trabalhadores que cuidam do restauro das obras, pintura do edifício, jardinagem, entre outros”, disse Otília.

A receita da bilheteira não vai por aí além porque os visitantes comuns são jornalistas, artistas e estudantes que, como reza o regulamento local, estão isentos de pagamento da tarifa de entrada que está fixada em 50 meticais. “Esta lista é engrossada por várias pessoas que se recusam a pagar por diversas razões”.

Por conta disso, o esforço para garantir a manutenção do edifício e dos bens nele contidos se torna complexo. “Só quem conhece e gosta de comunicar-se com a arte é que ainda visita o museu mas, como deve imaginar, esta classe é reduzida. Recebemos alguns estrangeiros com alguma informação prévia do espaço. Também recebemos estudantes de escolas e universidades localizadas aqui nas redondezas que tem objectivos meramente didácticos”, disse Armindo Comé, guia do museu.

CENTIMETRO

A CENTIMETRO

Enquanto contemplávamos a beleza do Museu-Galeria Chissano, Armindo Comé, que é o trabalhador mais antigo disse que assistiu a todas as fases de construção e abertura daquela casa cultural. É que ele teve a oportunidade de conviver com mestre Chissano a partir de 1979 até a data da sua morte. Por isso, conhece o recinto como a palma da sua mão.

Para além de servir de guia, cabe a ele a responsabilidade de manter as obras limpas. “Comunico-me com estas obras e cuido delas com muito carinho. Se calhar já teria saído daqui há muito tempo, pois o mestre deixou-nos há muitos anos, mas não tenho como fazer isso. Aqui sinto a sua presença e não quero afastar-me. Ele foi um excelente homem para mim e a única maneira que tenho de mostrar o meu apreço pela sua memória é ajudar a sua família a cuidar deste espaço”,disse.

Aquando da sua criação, o museu-galeria também dispunha de um espaço para a formação de escultores de palmo e meio. Porém, com a morte do mestre Chissano, o espaço deixou de funcionou e servir os propósitos para os quais foi criado. Aliás, em apenas 22 anos já não existem os seus rastos.

Mas, o que tem estado a dificultar a gestão daquele importante espaço cultural não é apenas a morte do seu criador e a falta de apoios materiais. Há também, uma sequência de azares que se vão abatendo sobre a família. O mais doloroso se relaciona com a morte de três dos quatro filhos do escultor.

Estas trágicas situações levaram a que a gestão do empreendimento se oscilasse com tendência decrescente, uma vez que parte da experiência e conhecimento se apagou quando uma das filhas perdeu a vida, facto que Otília lamenta com amargura.

O pico das actividades do museu registou-se quando Alberto Chissano ainda estava vivo. Recebíamos muita gente, entre nacionais e estrangeiros. Naquela época, era impossível imaginar que poderíamos chegar a este ponto em que passamos até um mês sem um visitante”, disse Armindo Comé para quem o objectivo para o qual o museu foi criado não está a ser alcançado, porque a maior parte dos artistas não visitam o local.

RESIDENTES

AUSENTES

Após visitar o local interpelamos alguns residentes do bairro do Fomento-Sial que disseram com todas as letras que nunca visitaram o museu e outros não faziam ideia da sua existência, o que é revelador do esquecimento a aquele centro cultural está votado.   

Nunca fui ao Museu, mas sei que existe. Não tenho muita paixão pelas artes por isso nunca tive vontade de lá estar. Até admiro os que gostam mas eu não gosto, quem assim o diz e a senhoraSusana da Conceição, 50 anos de idade, nascida naquele bairro (Fomento).

Por seu turno, Alice José, menina de 14 anos, residente do bairro Fomento-Sial, disse que enquanto frequentava o ensino primário nunca teve o privilégio de visitar o espaço. “Falaram-me da existência do Museu Chissano, sei onde se localiza mas nunca entrei. E nossa escola nunca lá levou-nos”,disse.

Eliane Tamires, estudante universitária e residente do fomento, revelou ao domingo que sabe que a galeria tem diversas obras, mas nunca lá esteve. Tenho vontade de visitar, mas devido às minhas ocupações não consigo lá chegar. Quem sabe… um dia”.

Chissano eternizado em documentário

“Tributo ao mestre Chissano”é como se designa o documentário de autoria do realizador José Nhantumbo que foi lançado na semana passada, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, em Maputo, com a finalidade de eternizar e resgatar os valores da vida e obra do escultor-mor Alberto Chissano.

A curta-metragem apresenta depoimentos e memórias de familiares, colegas de profissão, discípulos, amigos e outras individualidades que conviveram com o mestre, foram influenciados por ele e aqueles que apreciavam o seu talento e obras.

O documentário mostra ainda notícias recortadas de jornais e revistas sobre o escultor, para além de destacar a relação que existia entre o falecido artista com figuras como o primeiro Presidente de Moçambique Independente, Samora Moisés Machel, e a antiga Primeira-Ministra indiana, Indira Ghandi, entre outros.

Segundo o co-realizador do documentário, Emídio Jozine, a iniciativa surgiu há cerca de um ano como forma de mostrar quão importante Chissano foi para o país e que apesar de não ter lutado com armas para a conquista da Independência Nacional também foi herói.

Queremos resgatar a vida e obra desta grande figura nacional que estão a ser esquecidas, pois desde que perdeu a vida ninguém se dignou a conferir-lhe a necessária grandeza, mesmo tendo sido um homem que elevou o nome do país em vários quadrantes do mundo na componente cultural”, avançou Emídio Jozine.

Adiante referiu que o passo a seguir será projectar o filme em algumas escolas, no Campus da Universidade Pedagógica, no Centro de Formação de Professores de Chibututuene, em Xai-xai, em Gaza, e no Cinema 700 (Matola).

Além das projecções haverá igualmente algumas sessões de debate sobre o mestre Chissano em instituições comoInstituto Superior de Artes e Cultura (ISArC), Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade Eduardo Mondlane, na Escola Nacional de Artes Visuais (ENAV) de Maputo, entre outras.

Recorde-se que Otília Chissano lamentou o facto de ter sido projectada a realização de um workshop no dia 13 de Agosto, para celebrar a passagem do dia da inauguração do museu, mas todas as cartas de solicitação de apoios não tiveram resposta. “Ninguém nos respondeu e a ideia morreu”.

Texto de Maria de Lurdes Cossa
malu.cossa@sn.co.mz

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