A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar” – Sun Tzu
Moçambique assinala hoje, 4 de Outubro, a passagem do 23º ano da assinatura, em Roma, Itália, do Acordo Geral de Paz (AGP), tratado que pós fim a uma guerra fratricida que, contas feitas, matou mais de um milhão e meio de pessoas, destruiu o tecido social e provocou verdadeiros êxodos para as cidades e para os países vizinhos.
Em 1992, no fim da guerra, o cenário era de um país destruído: aldeias e vilas arrasadas, economia debilitada, pessoas com fome e doentes e milhares de minas espalhadas pelo país fazendo, quase religiosamente, vítimas humanas.
Os relatos e histórias dos que sobreviveram aos horrores da guerra são chocantes e lamentáveis. Até onde pode ir a crueldade e a frieza dos seres humanos? Um milhão e meio de mortos é um número notável que até hoje causa assombro e indignação; nos cemitérios, no caso daqueles que tiveram enterros individuais, apenas os nomes nas lápides, porque outros foram para as valas comuns. Mas alguém já se perguntou de quem eram aqueles nomes?
Os números dos mortos representam sonhos desfeitos, vidas roubadas e lágrimas eternamente mudas diante da injustiça e do “genocídio”. Mas a vida continua e hoje, ainda que com o espectro da guerra presente, os moçambicanos comprometidos com o país vão celebrar o dia com pompa e circunstância mas também tê-lo-ão como momento de reflexão sobre os destinos que se desenham para este Moçambique, que anseia pela paz, condição sine qua non para o desenvolvimento do Homem e da própria economia.
Mas a paz, esse bem supremo, está refém da vontade dos homens; mais uns do que outros. As famosas rondas negociais no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, que duraram pouco mais de um ano, são o espelho dessa vontade ou não dos homens abraçarem a paz. Razões várias foram evocadas para a “confusão” do diálogo; avulta a questão militar e de partilha de poderes. Todos, os legítimos e também os ilegítimos, querem mandar. A equipa de mediadores no diálogo político entre o governo e a Renamo, antes do rompimento protagonizado pelo partido de Afonso Dhlakama, mostrou seu descontentamento e desgaste pelo ritmo lento e cansativo a que o processo estava votado. Os apelos foram pelo cano abaixo quando a Renamo bateu com a porta! Agora, 23 anos depois do AGP, as armas voltaram a causar danos. Já se começou a contabilizar o número de pessoas que irão compor novos cemitérios. O último episódio dessa macabra novela aconteceu em
Amatongas, Manica. Há pelo menos vinte mortos! As armas, como disse um velho sábio, são o recurso de quem não tem mais argumentos para defender os seus propósitos. A Renamo tem estado constantemente a socorrer-se de um discurso no mínimo curioso: advoga a paz mas mantém um exército de homens armados fora da gestão da tropa regular e das instituições tutelares da coisa armada. Quer despartidarizar mas também quer partilhar o poder o que, por outras palavras, quer dizer “ou comemos todos ou há confusão”. O que é certo é que o povo moçambicano não quer mais a guerra.
A sociedade civil está a encetar várias demarches no sentido de fazer entender aos decisores que “chega de sangue” na nossa pátria. Que nós temos direito de ser felizes, de criarmos os nossos filhos em paz; de vê-los crescerem livres, saudáveis; de vê-los irem para a escola, de brincarem e até pregarem-nos algumas travessuras. Temos, nós o povo, esse direito e ninguém, em nome de nenhum ideal, se pode arvorar o direito de negar-nos isso. É de lei. É da natureza o Homem ser livre! Sim. Queremos ser livres. Tão livres como aqueles que vivem na Aldeiada Paz, lá no interior do distrito central de Macomia, em Cabo Delgado (reportagem nas págs. 16, 17 e 18) da presente edição. Queremos que Moçambique inteiro seja uma Aldeia da Paz. Nesse grito pela paz, trazemos também nesta edição o famoso Acordo Geral de Paz (AGP) assinado há exactos 23 anos em Roma entre o Governo e a Renamo. O AGP, que é tantas vezes chamado à colação sempre que se discute a agenda política do país; o AGP que é evocado a torto e a direito sempre que alguém quer fazer valer a sua posição. Revisita-lo é uma forma de Oração pela Paz. Essa paz que parece fugir-nos por entre os dedos, só pode ser, como não se cansa de repetir o Chefe do Estado, alcançada por via do diálogo franco e sem pré-condições. A paz é mais importante do que qualquer outra agenda. Nós, os habitantes deste pedaço de terra, somos todos juntos mais importantes do que a vontade de um ou um punhado de pessoas. Disso não pode haver qualquer espécie de dúvida. O Dia da Paz será sempre lembrado, mas que ele faça mais do que apenas isso, seja uma reflexão sobre o preconceito, discriminação e a intolerância e um alerta para conter o radicalismo de ideias. Sun Tzu, general e filósofo chinês, ensinou, 500 AC, que “um soberano jamais devecolocar em acção um exército motivado pela raiva; um líder jamaisdeve iniciar uma guerra motivado pela ira”. A lição mantém-se actual!
Belmiro Adamugy