Texto de Frederico Jamisse
Bom conversador, humilde e conhecedor do mundo, Homem com uma incrível capacidade de fazer amigos, a sua vida esteve envolta em pedais, agulhas, tecidos, linhas de várias cores temperados por um característico sorriso sem igual e sempre permanente para todos os seus clientes.
Seu nome é Abel Manuel Lucas Chongo, simplesmente tratado por Abel Chongo. Perdeu a vida a 27 de Setembro, vítima de doença e deixa viúva e quatro filhos.
Nascido no longínquo ano de 1931, a 6 de Junho, Abel Chongo cedo abraçou a arte de confeccionar roupa. E fê-lo com paixão, tendo vestido, em tempos de escassez, a muitos dos que ontem, hoje, conduzem os destinos da nação nas várias frentes.
Ciente das dificuldades por que passavam seus clientes, vezes sem conta fazia os fatos e as cobranças eram feitas posteriormente. Algumas vezes, tratava da roupa com uma urgência que implicava a presença física do beneficiário. Aliás, uma das muitas histórias marcantes do seu percurso aconteceu quando chegou a altura de oficialização do Rotary Clube. A exigência da organização ao nível regional, de que na cerimónia de gala de oficialização do Rotary Club de Maputo, todos os 28 membros fundadores deveriam estar trajados de um fato completo para grandes cerimónias, vulgarmente designado por ‘’Smoking’’. Não existindo em Moçambique tais fatos, um outro companheiro membro fundador, com ligações ao mercado Sul-africano, encomendou e importou os ‘’smokings’’ para todos. Como era inevitável, as medidas não batiam a cem por cento com todos os corpos. Coube, assim, ao companheiro Abel Chongo, Alfaiate de Profissão, a árdua tarefa de acertar os fatos, um por um, dos 27 restantes membros. Foi uma das primeiras acções de grande vulto em prol do Rotary. Não apresentou nenhuma factura pelo trabalho efectuado. Recebeu um ‘’muito obrigado companheiro’’, conta Florêncio Infante, membro da Rotary Clube de Maputo.
Para além de bom alfaiate,Abel Chongo era um excelente Public Relations e vezes sem conta animou casamentos como Mestre de Cerimónia.
ABEL CHONGO ROTARIANO
Abel Chongo é membro do núcleo fundador do Rotary Club de Maputo, no início do ano 1990. Participou activamente na explicação do significado do movimento rotário, na altura vocabulário novo para os moçambicanos, mas que existia pelo mundo fora desde 1915. O Rotary é uma organização internacional dedicada à prestação de serviços humanitários. Os homens e as mulheres associados ao Rotary são líderes profissionais, comunitários e empresariais que se dedicam a melhorar a qualidade de vida de seus semelhantes, nas respectivas comunidades e no mundo em geral. O lema principal do Rotary é: ‘’Dar de Si Antes de Pensar em Si’’.
Qualquer membro pode e deve eleger e ser eleito para cargos de direcção no Clube. Foi assim que, no ano rotário de 1992/93, Abel Chongo foi eleito para o cargo de Protocolo do Clube, função que desempenhou com competência e uma alegria incomensuráveis, para surpresa de muitos companheiros que duvidavam que o Alfaiate pudesse desempenhar cabalmente àquela função.
“Quando o Rotary International criou uma parceria com a Wheel Chair Foundation, com vista a fornecer aos clubes rotários cadeiras de rodas, que, por sua vez, as distribuiriam às pessoas com deficiência locomotora, o Rotary Club de Maputo aderiu ao projecto. O Rotary Club de Maputo participou activamente na encomenda, recepção e distribuição de cadeiras de rodas. Abel Chongo foi um daqueles que muito se empenhou em ajudar o próximo, apresentando, sempre, pessoas necessitadas, que, através da cadeira de rodas, ganhavam outra mobilidade e melhoravam a sua qualidade de vida. Foi um voluntário muito activo na concretização do nosso lema: ‘’Dar de Si Antes de Pensar em Si’’. Nunca parou de procurar quem precisasse de uma cadeira de rodas e apresentar à Direcção do Clube as suas propostas. E víamos nele, em particular, a alegria, a satisfação de dever cumprido”, explica Florêncio Infante.
Sempre preocupado com o bem-estar dos seus concidadãos, Abel Chongo, no ano rotário de 2007/08, apresentou, com muita insistência, uma proposta para que o Clube concretizasse um projecto de apoio ao Cemitério de Lhanguene. O Clube aceitou e realizou o projecto, colocando 30 bancos de repouso para as pessoas que esperam para assistir a enterros de familiares ou amigos.
“Quando a sua saúde já não lhe possibilitava a participar das reuniões semanais do Clube, a Direcção, tendo em conta os serviços relevantes prestados ao Rotary, propôs aos membros para que o Companheiro Abel Chongo fosse designado Membro Honorário. E assim, Abel Chongo passou a ser o terceiro membro Honorário do Rotary Club de Maputo, depois de duas outras ilustres figuras”, explica Infante.
Muitos anos depois, já com a sua saúde mais debilitada e com dificuldades de locomoção, Chongo foi beneficiário de uma cadeira de rodas disponibilizada pelo seu Clube e pelos seus companheiros, a pedido de seus sobrinho e neto, que sabiam do quanto ele fez para ajudar os outros e que na altura o Rotary Club de Maputo estava a distribuir cadeiras de rodas. “Foi precisamente no dia 30/08/2014. Foi um momento comovente. Difícil descrever a felicidade que transbordou do seu ego ao lhe colocarmos na sua cadeira de rodas, que dela bem mereceu.Por tudo isto, a partida do nosso Companheiro Abel Chongo cria um grande vazio nos nossos corações. Deixamos de ter a sua companhia bastante alegre nos nossos convívios, cuja presença era sempre requerida e bem-vinda”, frisa o rotariano Infante.
ERA UM HOMEM DE VALOR, UM HUMANISTA
– Joaquim Chissano, ANTIGO Presidente da República
Conheci Abel Chongo quando estava a preparar-me para ir a Portugal estudar em 1960. Como não tivesse fato, fui a uma alfaiataria na então Avenida Pinheiro Chagas, hoje avenida Eduardo Mondlane. Ele trabalhava para um patrão. Fiz o fato e viajei. E quando regressei dei-me conta que a alfaiataria tinha o nome dele, do Abel Chongo. Viemos a nos encontrar pessoalmente no âmbito da Rotary Club, portanto, o Clube dos rotários. Em três ou quatro ocasiões assisti evento dos rotários onde ele participava. Ficamos amigos e ficou satisfeito de eu ter me lembrado dele e ter gostado do fato que ele fez. Depois da Independência conheço a marca que ele divulgava: Deus faz o Homem e Abel Chongo faz o fato. Não tivemos algo extraordinário se não um convívio. Sempre admirei a sua capacidade intelectual e de conviver com as pessoas. Estava fora quando soube da morte dele e ao chegar, passei imediatamente para campanha eleitoral e ainda não tive ocasião de me dirigir à família. A morte de Abel Chongo foi uma perda grande porque era um homem de valor, um humanista que é o carácter dos rotários. Foi uma pena, ele devia ter vivido um pouco mais. Tinha um bom relacionamento e fazia amigos facilidade.
ERA UM PAI AMIGO E EDUCADOR
– Carlota Chongo, filha
Como pai, Abel Chongo era uma pessoa educadora e pai amigo. Preocupava-se com os filhos e família e por vezes esquecia-se de si para cuidar dos outros. Como profissional é o alfaiate que faz o fato que por sua vez deixa o homem elegante. Na família há continuidade no que respeita à profissão de Alfaiate, através de um sobrinho, Manuel Chongo. A morte de Abel Chongo é uma perda muito grande para nós família. Vários foram os ensinamentos deles para nós como filhos. Aprendi com ele a respeitar os outros. Saber dar de mim, pedir perdão quando estamos errados. O que mais me marcou é o que ele dizia sempre: nunca façam mal a ninguém para que possam andar de cabeça erguida em todo lado. Ensinou-nos também a falar com Deus.
DEVIA SER UMA MARCA INTERNACIONAL
– Fernando Sumbana, Ministro da Juventude e Desportos
Foi a primeira referência da moda que eu tive em Moçambique e vesti fatos por ele feitos. Sobretudo ao nível de alta qualidade. Uma coisa interessante é que qualquer pessoa que tivesse fato de Abel Chongo fazia questão de dizer este é o fato de Abel Chongo, como alguns jovens dizem hoje, eu tenho Lacoste, George Armani. No nosso meio, Abel Chongo era uma grande referência. Sinto muita pena por o estágio do desenvolvimento do nosso país não ter permitido a expansão para ser uma grande marca internacional. Era daquelas pessoas que trabalhava e fazia os fatos, muitas vezes sem ver o dinheiro, pois por vezes pagavam em prestações. O que significa que ele compreendia a situação das pessoas. Foi uma pessoa muito afável e faz muita falta. Soube do falecimento dele e não estava cá para poder acompanhar. E soube que ele já andava incomodado. É uma grande perda para o nosso país. Os profissionais modelos deviam estudar um pouco o que Abel fez e representa.
FOI O MESTRE CORAJOSO QUE
MUDOU-SE PARA “ZONA DE CIMENTO”
– António Dengo Muau, Presidente da Rotary Clube da Matola
António Dengo privou vários momentos com Abel Chongo e vestiu roupas por ele confeccionadas. “Ele foi um amigo da família, isto é, meus pais pois pertencia a essa geração. Mas dado o seu carácter essa mesma relação de amizade acabou resvalando também para a minha relação pessoal, com ele. Nós, eu e meus irmãos, conhecemos Abel Chongo como Mestre alfaiate, isto é, o alfaiate da alta costura, aquele que costurava para a fina flor da sociedade e como tal a ele normalmente encomendava-se roupa para ocasiões raras e especiais e não a do dia-a-dia”.
Dengo afirma que Chongo foi em simultâneo uma espécie de profissional guia ou modelo e ainda paradigma para muitos que na época e até os dias presentes optaram por essa profissão. “E aqui refiro-me sobretudo aos profissionais saídos da Escola de Artes e Ofícios da Moamba. Abel Chongo foi um indivíduo muito simpático, de sorriso e riso espontâneos que transmitia/conquistava a confiança e amizade no primeiro contacto para com qualquer pessoa. Foi o mestre corajoso que cedo mudou-se para a “zona do cimento” para desafiar os costureiros “não nacionais” nas lides de costurar e vestir as pessoas”.
Segundo o Presidente da Rotary da Matola, Chongo quis, durante o período colonial, e conseguiu em grande medida influenciar, positivamente, a moda e o conceito ou mentalidade dos moçambicanos. “Ele fez isso em relação ao princípio de bem vestir e eu sou um dos casos. Foi um animador cultural na música e dança, e educador que conseguiu aliar a sua arte, personalidade, talento e saber para seu benefício e dos demais. Nós vimos e reconhecemos em Abel Chongo um nacionalista sem disfarces que a sua maneira militou e educou gerações de “gentes”.
António Dengo enaltece o papel do Alfaiate dizendo que “falar de Abel Chongo é como fazer referência a Noel Langa, Malangatana, António Williamo, Alberto Chissano, Idasse Tembe , Craveirinha, Zaida Lhongo, Mia Couto e outras tantas pessoas que se distinguem não só pelos seus feitos mas sobretudo pela forma como tocam o nosso íntimo e influenciam o nosso estado de espírito e emocional”.