O que se assegura como compensação às pessoas que se força a deslocarem-se e a reassentarem para que as transnacionais possam explorar os recursos e prosperarem? O que aconteceu em
Benga, Cateme e Marávia em Tete, o que está a eclodir em Palma e noutras partes onde se removem as populações e se põe termo aos seus habitats normais, aos costumes, às atividades produtivas e de comércio, às relações com parentes e amigos, acesso aos locais onde faziam as suas compras?
Deslocam-se essas pessoas no seu interesse, para prevenir males maiores, porque onde vivem há propensão de secas, inundações, doenças? Ou movimentam-se as pessoas como mercadorias e no mero interesse do chamado investidor? O que lhes dá em troca? Uma casa a dezenas de quilómetros quando nunca pediram uma nova casa? Uma machamba, quando já cultivavam uma? Um local de pasto quando já pastoreavam?
Uma família cultivava, pastoreava, pescava, secava o peixe, fazia tijolo burro??? e havia sempre compradores; a mulher na estrada vendia mapira, milho, feijão, amendoim, peixe, tijolos, carvão. Junto ao rio cultivava a sua horta. Escolas, hospitais estava tudo a dois passos.
Agora não pode pescar, impossível fazer uma horta, em Cateme não há água.
Transferiram-se as pessoas para casas modelo SOWETO do apartheid, com janelas minúsculas, o chão ao nível da rua, quando chove entra água, sem casa de banho ou cozinha (os pretos fazem isso lá fora). Cozinhando e levando a panela para casa à chuva, doente e, à chuva, correndo para a latrina. Destino de preto? Casa bem baixa e sem tecto falso mas coberta de zinco, assando as pessoas no verão, as paredes rachadas, fugindo do calor para no quintal com o corpo e sangue apascentando os mosquitos.
Aceitariam os projectistas da barbárie viver assim? Gostariam de aí habitar os senhores accionistas e gestores? Podem para lá mudar quem autorizou em nome do Estado e que deveria com unhas e dentes defender o povo?
Vende o oleiro mensalmente 60.000 Mt, menos daquilo que num mês custa um dos quadros estrangeiros. Para sair dão-lhe 120.000 Mt. Num ano de trabalho não ganhava ele mais do que esse valor? Não vivia ele apenas da venda do tijolo do seu forno, havia a horta, o peixe. Pagam-lhe e até descaradamente a prestações! O que ganha o investidor? Dezenas ou centenas de milhões de dólares neste exercício.
Que compensação para os deslocados para meia centena de quilómetros do lugar habitual e enfrentando custos muito mais altos para as suas deslocações? X a pé estava a uma hora da capital provincial e meia da capital do distrito, de bicicleta que já possuía, levava vinte minutos para Tete. Beneficiou em quê?
Onde está a compensação, o benefício por entregar um terreno que produzirá muitas dezenas de milhões de dólares? Quanto se paga na Austrália, nos Estados Unidos, nos países desenvolvidos quando se força uma pessoa a mudar de residência no interesse da empresa que deseja ocupar esse local? Já que tanto queremos copiar fora, porque não aprendemos isto? O que diz a nossa legislação? Para atrair o capital estrangeiro importa vender o povo e a nossa alma?
Não deveria o Estado assumir-se como o representante e porta-voz dos míseros, dos que se deseja reassentar? Não deverá a vida dos deslocados pelo interesse exclusivo das empresas melhorar significativamente, receberem uma boa compensação para refazerem os seus destinos e construírem um novo futuro?
Diz o povo, correr, não é chegar! Antes de se iniciar o processo das licenças mineiras e das concessões, que conselhos e apoios se buscaram junto de países que haviam vivido experiências similares? Argélia, Timor-Leste, Brasil, Venezuela, Austrália?
Que legislação coerente e integrada se preparou? Que discussão se levou a cabo com o povo, com os que corriam o risco de perderem os seus lugares de vida? A Assembleia da República tão variada na sua composição e capaz de criar comissões para investigar, como contribuiu?
Mais valendo tarde do que nunca, como se pretende corrigir e melhorar depois do caldo entornado? Procuremos e com força e persistência endireitar o torto, sabendo a todos ouvir e não apenas o investidor.
Se na investigação isenta e decidida que se levar a cabo, constatar-se que houve corrupção, suborno, há que saber que se mostra legalmente muito fácil, em Moçambique e no mundo inteiro, anular-se sem qualquer compensação o já acordado com a empresa X ou Y. Os contratos tornam-se nulos e inexistentes. Havendo vontade do Estado, as transnacionais recuam, porque também não as beneficia o desfilar de escândalos. Entre os seus milhentos accionistas existe também gente pequena e com ética, solidariedade humana.
O meu abraço pela luta por uma justa compensação e benefício dos moçambicanos,
Sérgio Vieira
P.S. Alguns homens distinguem-se pela sua vida do comum dos mortais e por isso os guardamos muito nas nossas memórias.
Fez quarenta anos que Francisco Manyanga nos deixou. Combatente da primeira hora, abrindo em 1964 a frente de Tete, servidor abnegado da causa da pátria, dedicou os últimos anos da vida à criança, a Tunduro. Em Tunduro afirmou-se como um verdadeiro herói do trabalho, na enxada ou no tractor criou comida para os alunos. Obrigado Manyanga.
Quando jovem corria entre nós uma espécie de provérbio que dizia: há três termos, salazarista, inteligente e honesto, um dos termos mostra-se incompatível com os demais.
Faleceu Urbano Tavares Rodrigues, escritor de grande mérito, inteligente e honesto, por isso jamais salazarista, nosso amigo. Conheci-o e privei com ele no I Encontro dos escritores dos países de língua portuguesa.
Com perto de 90 anos, D. Luís Gonzaga Ferreira da Silva, bispo emérito de Lichinga, apagou-se em Ulongwé. Filho de camponeses sem terra desse Minho português, aqui se radicou e serviu.
Honra e glória à memória destes homens, um abraço aos que os prezam,
SV