Desporto

Tio Langa: um motor do desporto para deficientes

Distinguiu-se nas provas de 400 e 800 metros de atletismo durante a década 70. Antes, divagara noutras especialidades como futebol e ginástica. Domingos Simeão Langa, o “Tio Langa”, é, hoje por hoje, um verdadeiro motor do desporto para a pessoa portadora de deficiência.

É aconselhável recuarmos a fita para captarmos uma imagem mais consentânea com a trajectória do nosso personagem. Em Lourenço Marques (actual Maputo), iniciou a prática desportiva pela porta do futebol, representando emblemas como Futebol Clube Central e Indo Português.

Congratula-se por ter sido colega de futebolistas de nomeada do então, a exemplo de Quarentinha, Urbano e Augusto Matine, este último transferido para o Sport Lisboa e Benfica nessa época a partir do Central.

Depois do futebol, Tio Langa, 68 anos, experimentou a ginástica aplicada na Associação Africana, antes de seguir para o Ferroviário, onde viria a destacar-se no atletismo.

“Com a Independência nacional e consequente abandono do país pelos portugueses, vários sectores ficaram privados de quadros. O atletismo ressentiu-se e tive o privilégio de integrar um grupo que definiu e implementou uma estratégia de recuperar rapidamente a modalidade”, recorda.

Tio Langa fez parte desse grupo com o malogrado Cândido Coelho, Abdul Ismail e Stélio Craveirinha. A fórmula passou por uma invasão aos bairros suburbanos de Maputo.

– Fomos a bairros como Aeroporto, Minkadjuíne, T3, Chamanculo e trouxemos atletas que vieram preencher as lacunas e construímos uma selecção forte. Parece-me que esta fórmula ainda é válida porque os talentos não estão apenas nas cidades. É preciso irmos às zonas recônditas como Báruè, Gondola ou Lichinga.

É essa seleção forte que em 1980 representou Moçambique nos Jogos Olímpicos de Moscovo, a convite da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Antes, na preparação do evento, em 1979, Tio Langa realizou a sua maior prova de sempre, conforme nos relata a seguir:

– Em 1979 fomos a Tanzânia cumprir um estágio, na zona de Arusha, com uma altitude como Namaacha ou Lichinga. Tínhamos dois técnicos da ex-RDA. Quando regressamos da Tanzânia, foram convidados dez países para provas no Estádio da Machava. Na altura, a Tanzânia tinha atletas de nível mundial como Felbert Bay, campeão do Mundo dos 1500 metros, e Suleman Nyanbuy, campeão Mundial dos 5000 metros. Nyanbuy correu comigo na prova dos 800 metros no Estádio da Machava e fiquei em segundo lugar, tendo batido o recorde nacional dos 800 metros. Estamos a falar em Novembro de 1979.

 

TRANSFERÊNCIA PARA SOFALA

Em 1980 Tio Langa muda-se para a capital provincial de Sofala, Beira, onde encontra um aficionado pelo atletismo, Amândio de Sá, o qual, exerceu funções de atleta, treinador e dirigente. Pouco tempo depois, Amândio saiu da Beira.

O atletismo estava estagnado e o recém-chegado replica a fórmula de êxito de Maputo, caçando atletas nos bairros que viriam a fazer furor em clubes como Ferroviário da Beira, Rebenta Fogo, Búzi, Têxtil de Púnguè e até Ferroviário de Dondo.

– Na altura os clubes eram verdadeiramente ecléticos. Hoje os dirigentes só querem saber de futebol, o que torna difícil desenvolver outras modalidades.

O nosso entrevistado beneficiou nesse período duma formação de treinador de atletismo na extinta RDA (actual Alemanha).

Regressado, aposta forte no atletismo federado em Manica e Sofala, que rapidamente transformaram-se em epicentros da modalidade nos escalos de formação.

O ano de 1995 viria a ser histórico para o percurso do Tio Langa, pois, realizou-se o primeiro curso de desporto para portadores de deficiência, no qual participaram professores de educação física de diferentes províncias.

Terminada a formação, o monitor, de origem francesa, orientou uma palestra que contagiou o nosso interlocutor para sempre, sobretudo quando disse o seguinte:

– Não se esqueçam que acabam de sair de duas guerras. Este desporto pode ser útil para integrarem socialmente muitos concidadãos privados de praticar o desporto convencional. Não desperdicem a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento do país e a felicidade de vossos irmãos.

A Escola Especial n° 3 da Beira foi o embrião duma missão que nunca mais parou, culminando com a criação da Federação de Desporto para a Pessoa Portadora de Deficiência e do Comité Paralímpico.

A Handicap Internacional, envolvida no programa de desminagem no país, foi o principal parceiro na aquisição de material e formação de técnicos durante seis meses sobre as diferentes especialidades.

A Associação Provincial de Desporto Para a Pessoa Portadora de Deficiência de Sofala movimenta três categorias, a deficiência visual, paraplégica e auditiva.

Em 2014 estavam inscritos 170 atletas e no ano seguinte, 2015, foram movimentados 280 atletas, como resultado da expansão das actividades para os distritos.

Actualmente, o principal parceiro deste movimento é a Light of World, uma Organização Não-governamental austríaca, que apoia sobretudo na aquisição de material, qualificado pelo nosso interlocutor de “muito caro”.

– Recebemos e distribuímos por Sofala, Manica e Tete equipamento para basquetebol em cadeiras de rodas. O movimento é amplo, apenas nos preocupa Tete que arrumou o material. Iremos lá verificar o que se passa. É nosso dever valorizar aquele material porque é bastante caro.

O núcleo de Sofala está a cooperar com organizações congéneres da África do Sul, Cabo Verde e Zimbabwe, pelo que o ano de 2016 pode ser de grande impacto deste desporto.

– Algumas pessoas vão surpreender-se um dia. Sabemos que formam selecções nacionais sem antes realizarem campeonatos nacionais. Felizmente os atletas têm trazido medalhas, mas nada nos garante que os seleccionados são efectivamente os melhores do país.

Defende que a federação traçou uma circunferência em redor da capital do país. “Não percebemos os critérios de selecção dos atletas. É preciso que se dê oportunidades a todos através da realização de campeonatos nacionais. Até hoje só se realizou um campeonato nacional”.

Tio Langa também contesta o “critério de protecção” aplicado pelo Ministério da Juventude e Desporto, através da Inspecção Geral, a qual, só se empenha no cumprimento de mandatos nas federações de futebol e basquetebol.

– A nossa federação já cumpriu dois mandatos. As Assembleias-gerais não são para expulsar ninguém e devem realizar-se regularmente. Temos o ministério e a inspecção, mas infelizmente não acontece nada. E noto com desgosto que não é apenas no deporto para deficientes. A lei devia ser igual para todos.

O nosso entrevistado congratula o Governo pela política de construção de escolas especiais para os portadores de deficiência. No entanto, lembra que aqueles homens e mulheres têm o direito constitucional de praticar o desporto, e, infelizmente, essa componente tem sido ignorada.

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