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Salvos pela obediência

Por admin

A população residente nas zonas costeiras das províncias da Zambézia, Sofala, Manica, Tete e Inhambane, e ao longo das bacias dos rios Zambeze, Púngue, Búzi, Save e seus afluentes nem 

parece a mesma que, até há poucos anos, resistia aos apelos para se retirar das zonas de risco. Agora, mal soa o apito que anuncia a ameaça de cheias, todos abandonam as zonas baixas e se fixam em pontos menos propensos a eventos assassinos. A Reportagem do domingo percorreu estas regiões e observou que os rios transbordaram e destruíram algumas infra-estruturas e culturas, mas o povo, na sua grande maioria, está bem, obrigado!

 

A época chuvosa e ciclónica referente a esta temporada ainda tem cerca de dois meses pela frente para chegar ao seu término. Porém, o cenário que se vive nas zonas vulneráveis a cheias das províncias da Zambézia, Manica, Sofala, Tete e Inhambane evidencia que as populações amadureceram no quesito obediência aos apelos das autoridades no que se refere às cheias.

Em parte, esta maturidade resulta do facto destas populações conviverem com calamidades que lhes deixam despidos de todos os seus haveres. Por outro lado, a realização de simulações de cheias e ventos fortes ajudam as comunidades a saber o que devem fazer, como e quando.

Um terceiro elemento que concorre para a tranquilidade que se vive nestas províncias é que a população embarcou nos projectos de construção de casas nos bairros de reassentamento (zonas altas e seguras), o que faz com que assuma as zonas baixas como locais de produção apenas, daí que quando as ameaças chegam, todos partem deixando para trás cabanas e campos agrícolas.

Há dias, percorremos algumas das zonas mais ameaçadas de cheias da província da Zambézia, com particular destaque para o distrito de Mopeia, mais concretamente para o Povoado de Dande, que se encontra localizado nas margens do rio Zambeze. Aqui, a população já conhece de cor e salteados os caminhos que deve percorrer para chegar às zonas identificadas como seguras.

Conforme disseram, já viveram dramas mais do que suficientes para perceberem que aquela região tanto lhes pode dar comida à farta, como também representa um risco para a sua existência. De tão habituados a enfrentar este tipo de calamidades, até dão nomes a cada cheia que passa.

Em 1944 houve cheias cujo nome não conseguimos reter, mas em 1952 a população apelidou a enchente de “águas agressivas”. Dez anos depois, ou seja, em 1962 veio a “água caçadora” e em 1978 chegou a “água das aldeias comunais”, isto porque terá sido por causa dessas cheias que a população local foi convidada a se estabelecer naquele tipo de aldeias.

Segundo contam, no ano 2001 vieram as “águas de Kariba” e em finais de 2007 e princípios de 2008 vieram as cheias que deram origem à criação de Comités Locais de Gestão de Risco de Calamidades Naturais (CLGRCN) que actualmente servem de órgãos protectores da comunidade por serem eles que disseminam informações úteis e permitem que as populações possam enfrentar as calamidades sem pânico.

Só na província da Zambézia foram criados 30 comités e realizadas simulações nos cinco distritos mais propensos a eventos naturais extremos, nomeadamente Morrumbala, Mopeia, Chinde, cidade de Quelimane e Maganja da Costa. Por outro lado, foram revitalizados os sistemas de aviso prévio de Chinde, Chire e na bacia do rio Licungo

Depois de tanto convívio com enchentes e de participar em acções de formação, a população já sabe o que fazer, daí que no lugar de queixas sobre o drama das cheias, pede para que o governo atraia o interesse de instituições bancárias para a sede do distrito de Mopeia para que possam realizar operações de poupança, crédito, transferências, entre outras.

Apesar da maturidade demonstrada, de Outubro do ano passado a Janeiro deste ano, pelo menos uma pessoa perdeu a vida e 552 famílias foram afectadas nos distritos de Milange, Namarrói, Morrumbala, Gilé e Nicoadala. Nestes distritos, 256 casas ficaram totalmente destruídas e 17 salas de aula precisam ser reconstruídas, mas estes números são de longe inferiores aos registados em situações similares num passado recente.

 

“Trovoadas assassinas”

 

Ainda no Vale do Zambeze, a nossa Reportagem testemunhou que o grande embaraço com que a maior parte dos camponeses desta região se deparam relaciona-se com o facto de a água ter inundado os campos agrícolas das zonas baixas, prejudicando culturas como o milho, mapira, mexoeira, feijões, entre outras.

Trata-se de um quadro que se repete pelos distritos de Mopeia, Chinde e Morrumbala, na província da Zambézia, volta a acontecer em Caia, Marromeu e Chemba, na província de Sofala, e acontece também em Tete, no distrito de Mutarara, todos eles banhados pelo rio Zambeze.

Alguns fazem contas à vida para ver se a água escorre em poucos dias para que o arroz, que suporta cerca de sete dias completamente coberto de água, possa ser aproveitado, mas, de um modo geral, os campos de cultivo localizados nas zonas altas continuam a crescer “numa boa”. 

O que deixa quase todos aterrados é que as notícias que chegam da Barragem de Cahora Bassa não são animadoras, dado que as descargas de água continuam a ser feitas, e com alguma intensidade, porque chove a cântaros no interior do Zimbabwe, donde este curso de água procede.

Na província de Manica não são propriamente cheias que deixam o Governo local às voltas. São as trovoadas e ventos fortes que resultam de mudanças bruscas de temperatura. Por esta região, o dia pode começar com um calor abrasador e terminar com descargas atmosféricas, havendo o registo de cinco óbitos, 46 feridos e cerca de 13 mil afectados (ver mais informações sobre esta província, na página 13).

Outro factor que terá contribuído para o registo destes números é a chuva exagerada que caiu no dia 11 de Janeiro na cidade de Chimoio. Segundo o governo local, em 24 horas caíram 151 milímetros, o que, em épocas normais, corresponde à chuva de todo o mês de Janeiro.

Aliás, e segundo as mesmas fontes, de 1 a 13 de Janeiro, a precipitação verificada em Chimoio foi de 426 milímetros, quando o normal seriam 220 milímetros, ou seja choveu com um excesso de 205 milímetros numa cidade cheia de declives e onde grande parte da população vive em cabanas construídas “à maneira”.

Onde as chuvas fizeram estragos de vulto foi na província de Inhambane. Por causa das enxurradas, as estradas Inharrime-Panda, Lidela-Homoíne, Panda-Urene, Agostinho Neto-Mutamba e Chinjinguire-Mubalo estão intransitáveis, porque a água galgou as pontes e corroeu os encontros das pontes.

Assim, a vida das populações de alguns pontos dos distritos de Panda, Homoíne, Mabote, Inharrime, Morrumbene, Govuro e cidade de Maxixe está a amargar porque são necessários cerca de 47 milhões de meticais para fazer a reposição definitiva de tudo o que a chuva arrasou.   

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