Tudo indica que a velha máxima que diz que ‘o que não mata engorda’ está a ser levado ao pé da letra por alguns transportadores, vendedores e consumidores de pão na cidade de Maputo. Graves atropelos aos requisitos de higiene e sanidade são notáveis a olho nu.
O pão é arrumado e transportado, das padarias para alguns pontos de venda, em viaturas de caixa aberta e txovas, sem nenhuma protecção. Já nos locais de comercialização, o ciclo de descuidados ganha mais corpo: o produto é exposto a poeiras, insectos e outras condições que atentam à saúde pública. Ainda assim, não falta cliente para o santo alimento.
domingo fez-se ao terreno onde encontrou algumas vendedoras do alimento tido como “indispensável” na dieta do citadinos.
Em conversa com Gilda Ernesto e Isolina Langa, que praticam o negócio há vários anos, ficou cristalizada a ideia de que a culpa pelo desmazelo com a saúde deve ser repartida por diferentes segmentos: vendedores, consumidores e fiscalizadores. À esta lista, domingo acrescenta alguns transportadores, por motivos acima mencionados.
CLIENTES GOSTAM DE TOCAR NO PÃO
Algumas bancas de venda visitados pela nossa reportagem, localizadas no bairro George Dimitrov, chamam atenção por uma condição foram do comum. As suas estruturas podem ser, de certa forma, consideradas como sendo geminadas. Possuem um compartimento pequeno, mas devidamente fechado, para proteger o produto ali comercializado. Porém, por opção das vendedoras e para atenderaos caprichos dos clientes, estrados de madeira foram encostados às paredes das casinhas formando um segundo espaço para exposição e venda.
É deste modo que os comerciantes respondem com dinamismo ao negócio. O pão é arrumado “com esmero” e o cliente, ‘exigente’, “faz questão de tocá-lo”, palavras de Gilda Ernesto, que garantiu que contrariar este desejo e vício não é uma boa ideia, pois “amanhece e escurece sem comprarem o produto. Eles não gostam que arrumemos o pão nos depósitos ou em caixas fechadas”, testemunhou, desta feita, a vendedora Isolina Langa.
É perigo à solta. Vítimas, voluntárias, são várias. Nos pontos de venda do Benfica fala-se de viajantes, que transitam pela Estrada Nacional Número Um, e moradores do bairro e arredores.
Facto confortante, é que Gilda e Isolina reconhecem a existência de falhas que custam caro à saúde dos consumidores. “Sabemos que arrumar o pão ao ar livre não faz bem à saúde. O produto fica cheio de poeira e aqui pousam insectos oportunistas, como moscas”.
Não obstante este importante avanço em termos de consciência, o défice é notável no que diz respeito à tomada de decisão. É que proteger o produto em caixas ou depósitos passa por todos os vendedores aceitarem esta medida. “Eu não tenho problema. Posso passar a arrumar o pão neste depósito atrás de mim, mas os outros colegas devem, igualmente, sair do passeio”. De contrário, nada feito! “Vou ter que continuar a vender aqui”, disse Isolina.
COMPRAR PARA ENCURTAR DISTÂNCIAS
Bastas vezes o cliente foi apontado como agente que induz à exposição do pão em condições nocivas à saúde.
A nossa reportagem conversou com Nativo Macamo, técnico informático, e Francisco Mahumane, polidor. A rotina diária obriga-os a passar as refeições longe dos seus lares. O pão para o pequeno-almoço é adquirido em bancas instaladas nas ruas.
Nativo Macamo compra-o a pouquíssimos metros do seu local de trabalho, pois “as padarias estão distante daqui. Sou obrigado a comprar neste ponto, mesmo reconhecendo a existência de problemas graves, como a falta de observância de cuidados de higiene. Há, aqui, muitas moscas”.A meio desta conversa, o já conhecido problema da ‘testagem’ foi apontado: “os clientes pegam/largam…, e vão fazendo isso até encontrar o pão dos seus gostos, sob olhar indiferente das vendedoras”, denunciou.
Trata-se de um facto a ter em conta, até porque, Nativo Macamo contou ao domingo que certa vez enfrentou problemas de saúde, “diarreia, por causa de alimentos comprados na rua”, daí que apela aos vendedores que redobrem a higiene e apresentem-se limpos e asseados, veja-se, apontou, “uma daquelas vendedoras, nem sempre se apresenta limpa”.
LOCAIS QUE CHEIRAM À URINA
Francisco Mahumane endureceu o dedo acusador ao referir que existe uma banca de venda de pão instalada “numa esquina” onde, à chegada da noite, moradores da rua colocam as cabeças para descansarem das agruras da vida.
“É um sítio que cheira à urina. Ali dormem delinquentes, sujos”… no entanto, “compro naquele local, que fazer?… tenho medo de ficar doente, e preferia que os vendedores se instalassem num lugar limpo mas, uma vez que isso não acontece, acabo comendo daquela banca”, confessou.
CORRE-SE RISCO DE VIDA
Alice Magaia de Abreu, directora de Saúde da Cidade de Maputo
“Não é aceitável, nem recomendável a venda de qualquer alimento sem observar medidas de higiene. Pode-se desencadear doenças infecciosas transmitidas por vírus, bactérias e outros parasitas, que causam diarreias, que podem ser acompanhadas de febres. E os microrganismos devem ser diagnosticados e tratados de acordo com o tipo. Geralmente, eles provocam um mal-estar, desequilíbrios hidro-electro-lítico, ou seja, défice de água e minerais no organismo. Tratando-se de cólera, esta doença pode levar à morte em seis horas”. Desta forma se pronunciou Ana Magaia de Abreu, directora de Saúde da Cidade de Maputo, a propósito do comércio do pão em condições que colocam a saúde das pessoas em risco.
Reagindo à constatação de que o pão é, nalguns casos, transportado em veículos inapropriados a directora da saúde recomendou que este produto seja sempre protegido dentro de caixas adequadas para o efeito.
Já os vendedores, a seu espaço, “devem armazená-lo em recipientes apropriados, para além de fazer uso de luvas descartáveis no acto da entrega ao cliente”, evitando, dessa forma, a possibilidade de contaminação.
A directora da Saúde da Cidade referiu-se ainda à necessidade dos comerciantes seguirem à risca as recomendações do sector da Saúde no que diz respeito à avaliação do seu nível de sanidade em unidades sanitárias, para que se possa credibilizar a sua actividade. É nestes locais onde poderão obter o cartão de sanidade, que tem um prazo de validade anual, sendo que a sua renovação é condicionada à submissão a pequenas análises. De contrário, “o comerciante estará a trabalhar de forma irregular”, alertou.
Entretanto, de acordo com a directora, os comerciantes espalhados pelos mercados são submetidos, amiúde, ao teste de zaragatoa, no caso, uma colecta feita nos dedos das mãos, com o objectivo de obter informação sobre a existência ou não de microrganismos. Conforme revelou, os resultados têm sido surpreendentes: “temos encontrado bactérias fecais em unhas. Aliás, deixe-me referir que é proibido a criação de unhas a quem desenvolve estas actividades”.
Mais recomendações foram aqui avançadas e estendem-se aos vendedores de comida em carros e outros pontos: “é preciso primar pela higiene pessoal, do local de armazenamento e dos utensílios utilizados no manuseamento dos alimentos”. Detergentes, sabão neutro, até produtos como javel, certeza e, obviamente, a água devem ser utilizados. Quanto à conservação dos produtos, especialmente em congeladores, indicou que devem ser arrumados de maneira estratificada, em colunas para peixe, frango, outras carnes, tomate, só para citar alguns exemplos, “para evitar que quando um entra em putrefacção, os outros fiquem contaminados. É na esteira disto que se torna importante monitorar a sua ordem de entrada nos aparelhos: o primeiro a entrar para conservação deve ser o primeiro a ser consumido”, orientou Ana Magaia de Abreu.
TODOS NÓS DEVEMOS SER INSPECTORES
– Virgínia Muianga, da Inspecção Nacional das Actividades Económicas
Para a Inspecção Nacional das Actividades Económicas deve haver uma responsabilidade conjunta na questão de venda e consumo de alimentos nas vias públicas mas, sobretudo, “a sociedade deve velar pelo seu comportamento; deve ter consciência da necessidade de ingerir um alimento limpo”.
Virgínia Muianga realçou um indicador a ser levado em conta quando se fala do perigo de consumir o alimento da rua: a cidade enfrenta problemas de sanitários públicos. Assim sendo, “imagine-se, ao querer satisfazer as suas necessidades fisiológicas, para onde se dirige a ‘senhora’ que vende pão e badgias na rua? Existirão condições para a sua higiene pessoal?”, questionou e, em seguida, acrescentou que “todos nós devemos ser inspectores quando se trata de um alimento. Onde fica a consciência de quem compra? É preciso denunciar o que não está bem, independentemente das facilidades ilusórias que esses pontos de venda nos trazem. Não importa se estão perto de nós, é preciso que haja higiene”, apelou.
Texto de Carol Banze
carolbanze@snoticias.co.mz
Fotos de Inácio Pereira