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O retorno à beleza do crespo

Por admin

A valorização da cultura e da mulher africana está associada à sua estética e os cabelos revelam maior expressão desta relação. Não é por acaso que actualmente se assiste, em diferentes países incluindo o nosso, um movimento de mulheres que incentivam o retorno à identidade africana.

Com a escravatura e colonização, os africanos foram alvos de mutilação cultural, adoptando padrões impostos pela civilização europeia. Os hábitos locais eram catalogados como indígenas e marginais.

O cabelo crespo das mulheres negras alimentou, em grande medida, o preconceito racial, e era visto como desprovido de beleza. Algumas mulheres passarem mesmo pela obrigação de rapá-lo.  

Na tentativa de assimilar a cultura ocidental, iniciaram processos penosos de aquecimento e química para tornar o seu cabelo igual aos fios lisos das mulheres de pele branca.

As imposições culturais esboçaram espécie de revolução mundo fora. É impossível falar da história do cabelo crespo sem fazer referência à obra intitulada 400 Years Without a Comb (400 anos sem um pente, em português), obra de Willie L. Morrow.

O livro ressalta a humilhação de escravos africanos na América devido ao cabelo crespo. A obra mostra como o negro viveu na sociedade americana, abordando, por exemplo, a invenção do pente, mencionando a descoberta de processos químicos de preparação de cremes defrizantes para tornar o cabelo da mulher negra mais liso.

Estes produtos tiveram muita repercussão de tal forma que até hoje a América se tem destacado na sua produção.

RETORNO ÀS RAÍZES?

Com o fim da exploração colonial no continente, vários movimentos africanos incentivam o retorno às raízes e a passaram a estimar a beleza natural da mulher africana.

Com as redes sociais cresceu, no nosso país, o movimento em torno deste retorno às raízes, impulsionado por africanos e afrodescendentes que exaltam a beleza negra e lutam para a sua preservação.

Manifesto Crespo, Blak Power, Black Bárbaros, Blogueiras Negras, Carapinha do Índico, Naturais de Moçambique, entre outros são o exemplo dessas redes.

Através de diferentes plataformas de comunicação, despertam nas pessoas o orgulho e a aceitação da carapinha, partilham experiências, ensinam como cuidar dos cabelos crespos. Enfim, incentivam a criação do cabelo natural negro.

A sociedade ainda não encara o cabelo natural como bonito. Ainda existe preconceito e testemunhamos isso. O cabelo crespo e as dreads são ainda conotados com marginalidade. Quando fazemos um twist ou mesmo trançamos somos olhadas com alguma estranheza, lamentou Camila Sequeira e Paco, do grupo Carapinha do Índico, um movimento composto maioritariamente por mulheres que valoriza e preserva o cabelo natural sobretudo a carapinha.

Criado oficialmente há um ano, possui aproximadamente dois mil e quinhentos membros. No grupo as mulheres partilham de tudo um pouco sobre preservação do cabelo natural.

A iniciativa foi da Ana Priscila, uma amiga e colega minha. Partilhamos a ideia com outras amigas e criamos o grupo com o propósito de partilhar ideias de como criar cabelo natural e ajudar a quem precisasse de apoio sobretudo na fase inicial de criação do cabelo natural, lembra-seCamila.

Para além de membro do grupo Carapinha do Indico, Camila Sequeira é proprietária do blog “naturalíssima”. No seu blog, a nossa entrevistada criou espaço onde partilha dicas e valorização da identidade africana. 

domingo foi ver como se prepara e se cuida de cabelo crespo com base em produtos caseiros. Tudo começa na preparação de uma máscara de hidratação de cabelo denominada gesso.

“Trata-se deuma pasta feita com farinha maisena, leite fresco e azeite extra-virgem. Depois de preparada, a pasta é aplicada nos fios de cabelo e deixada actuar por 30 minutos”, explicou a nossa entrevistada.

Segundo Paco existem ainda outras receitas feitas com base em produtos naturais e baratos que deixam os fios saudáveis e luminosos. Existem muitas máscaras feitas com base na banana triturada, com base na mistura de óleos de rícino, azeite extra-virgem e óleo de coco, acrescentou.   

Não preciso

estar sempre no salão

-Clara Paloma Esteira

Para Clara Paloma ter cabelo natural é a decisão que tomou.Com o meu cabelo natural não preciso estar sempre no salão, pois em casa posso cuidar dele pessoalmente, afirma.

E aponta outras vantagens: posso fazer tratamento e hidratar o cabelo com máscaras e produtos em casa. Posso tratar o cabelo com o azeite extra-virgem de cozinha e água.

Sofri preconceito

associado à drogas

 – Maria Feliciana Velemo

Desde criança fui educada por uma mulher que nunca aceitou usar produtos contendo químicos. Até para lavar o cabelo, minha mãe não usava shampoo, mas uma erva chamada lichuechue, disse Maria Feliciana .

Quando criança sua mãe era quem lhe fazia tranças. Contudo, por causa do seu cabelo em algum momento sofreu preconceito. Por causa do meu cabelo natural, as pessoas associavam-me às drogas e já fui chamada de rebelde. Mas hoje, conquistei o meu espaço, conta a jovem.  

Gosto do meu cabelo

– Cristina Tembe

As pessoas já começam a perceber que dreads fazem parte de nós e não estranham. Nunca me senti marginalizada por isso, Afirma Cristina Tembe .

Com trancas naturais há um ano, Cristina sublinha que sempre gostou de manter o seu cabelo natural. Referiu que antes de fazer as dreads, seu cabelo estava natural.

Apenas decidi fazer dreads pois para além de serem económicas, não me roubam muito tempo no salão, argumenta.

Estamos a reinventar o passado

 -Fernando Tivane, antropólogo

O antropólogo Fernando Tivane, classificou a nova tendência como um movimento de retorno a identidade africana. Para melhor enquadrar o seu raciocínio, Tivane recuou no tempo para falar do colonialismo e suas consequências.

A imposição do colonialismo português trouxe uma nova forma de estar dos moçambicanos, como fruto da desvalorização dos valores culturais, contextualizou.

Segundo o antropólogo, após a independência houve o que se classificou de “produção do sujeito local”, com características que definimos como ideais para nós.

Há uma tendência de se reinventar o passado mas já com lógicas actuais. Eu quero colocar cabelo natural por oposição a alguém com cabelo artificial para produzir diferenciação, sublinhou.

Evitar contacto

do couro com químicos 

    

 –apelaAmélia Cunha, médica dermatologista

Para a dermatologista Amélia Cunha, quanto menos se usar produtos químicos melhor para a saúde capilar. Temos aconselhado as mulheres a terem muita atenção na aplicação de cremes desfrisantes. Não podemos colocar o creme directamente no couro cabeludo, pois pode agredir a pele, explicou a dermatologista.

Em relação a outros cuidados que devemos ter com o couro cabeludo, a nossa entrevistada sublinhou a importância de se evitar excessiva fricção dos cabelos que pode levar a queda de fios.

Tudo que colocamos no nosso cabelo e que provoca peso ou fricção aos fios de cabelo é prejudicial pois provoca a alopécia de tracção, ou seja a queda do cabelo desde a raiz, esclareceu Amélia Cunha que acrescentou ainda que quando o cabelo sai com a raiz não volta a sair naquele local e a solução é apenas o implante de cabelo mediante cirurgia.

Luísa Jorge

luísajorge@snoticias.co.mz
Fotos de Inácio Pereira e Jerónimo Muianga

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