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O menino que desenha e pinta quadros com os pés

Por admin

O “menino” Nike vive com uma deficiência nos membros superiores. Não consegue, por isso, mexer as mãos. Amante de arte desde tenra idade, teve decisão curiosa: “se não posso usar as mãos para pintar, por que não usar os pés”? Sua história começa aqui e já percorre o país inteiro.

 

Nichear Benedito Cunamizana, ou simplesmente Nike, como carinhosamente é tratado por seus admiradores, é um jovem de 30 anos de idade. Reside no bairro 7 de Setembro na cidade de Chimoio, capital da província de Manica. Vive com sua mãe, padrasto e cinco irmãos em condições deploráveis.

Nike é portador de deficiência desde a nascença, caracterizada por falta de estabilidade nos membros superiores. Devido a este problema, está impossibilitado de trabalhar com as mãos.

Para manter sua higiene pessoal, ­é apoiado pela mãe, irmão, amigos e outras pessoas próximas . Toma banho e alimenta-se com os pés. Aos sete anos de idade, revelou ter outra paixão: pintura plástica em telas de madeira e pano.

Desde então pinta com os pés em telas gigantes e médias, exprimindo seu pensamento sem torno de questões sociais. Com a arte feita em moldes insólitos, muito cedo o "pequeno" artista granjeou simpatia, projectando-se ao nível da província e do país em geral.

CENTENAS DE OBRAS

COM PAUZINHO NOS PÉS

Nike já produziu centenas de obras. Grande parte de seus quadros retrata questões sociais. Principalmente situações de pobreza, guerras, ritos de iniciação, hábitos e costumes tradicionais. Em conversa com o domingo falou um pouco do seu passado, presente e projectos futuros. Disse que começou a ter paixão pela pintura aos sete anos de idade.

Contou como tudo começou. Explicou que na infância foi vítima de descriminação por parte de outras crianças que com as mãos faziam desenhos no chão. Porque não tinha como usar suas mãos, tentou colocar um pauzinho nos pés, entre os dedos, e começou a fazer desenhos no chão.

Durante muitos anos foi se exercitando até que ganhou alguma habilidade. Mais tarde o pauzinho foi substituído pelo lápis e pincel, reproduzindo artisticamente seu pensamento em telas.

" Muitas crianças da minha idade olhavam para mim com muito desprezo, porque os meus braços e minhas mãos não têm estabilidade. Até hoje não consigo segurar nada. Os meus braços continuam debilitados. Eles brincavam com areia fazendo desenhos e eu não podia estar no mesmo sítio porque riam-se de mim. Ficava no meu canto sozinho. Num belo dia coloquei um pau no pé e comecei a fazer desenhos. Assim fui me habituando até hoje", explicou.

Com tempo foi se revelando na tela e hoje ganha alguns centavos que ajudam-no a viver embora ainda em condição difíceis. Nike vive numa casa de construção precária coberta de chapa de zinco.

Tem vontade de viver como outras famílias que têm o mínimo para garantir o auto-sustento. Apesar dessas dificuldades, o artista sente-se satisfeito porque , apesar da deficiência, trabalha e busca algo para matar a fome e sobreviver.

Para além de pintar, faz outros negócios quando necessário. Não revelou que tipo de comércio faz, mas assegurou que consegue superar algumas dificuldades financeiras. Sobre a pintura, explicou que suas obras têm sido apreciados e já foram exibidos em muitas exposições dentro e fora da província de Manica.

Nike reconheceu que o que ganha da pintura é quase insignificante para o seu auto-sustento. Cada quadro custa cinco a seis mil meticais. O problema é que ele não tem clientes identificados.

Disse que para desenhar um quadro até a fase de acabamento leva dois a três dias. O principal problema está na venda. “Para comercializar só um quadro, fico quase um mês”, observou.

Devido a demora, o trabalho chega a não render porque a aquisição de material depende das referidas vendas. Ele não pertence à nenhuma associação. Referiu que o mercado local não é promissor, chegando a negociar o seu quadro a um preço inferior ao valor aplicado durante fabrico.   

Explicou que um dos momentos mais marcantes da sua vida foi quando colocou seus quadros na Sétima Gala Beneficiente, organizada pelo gabinete da Primeira-Dama da República, Televisão de Moçambique e a Cruz Vermelha de Moçambique. Para o evento levou duas obras. Sente-se feliz pelo facto de ter contribuído para o melhoramento das condições de vida das crianças do distrito de Báruè, na província de Manica.

“ESTA É A MINHA ESMOLA”

Nike deseja voltar a expor em grandes eventos para apoiar mais gente que " como eu está a sofrer, não tendo algo para comer nem espaço para dormir. Essa é minha maneira de pedir esmola. Muita gente com deficiência como eu anda pelas ruas a pedir esmola. Eu tento produzir alguma coisa para ter algum dinheiro. Há vezes que consigo algum dinheiro, outros dias não, porque poucas pessoas conhecem a importância duma arte plástica”.

Nike referiu que para tornar-se uma referência na pintura, inspirou-se nos artistas Zaza e Mirelles, a quem agradece por terem mostrado o caminho para o sucesso. " Eu já pintava, mas em 1997 a 1999 fui obrigado a conviver muito tempo com esses dois artistas e ensinaram-me muita coisa. Hoje consigo me segurar e trazer obras espectaculares porque eles ajudaram-me bastante. Olho para estes artistas como meus pais. Olharam para minha situação, abriram-se e ensinaram me muita coisa. A estes dois grandes homens vão os meus agradecimentos".

Nike pretende fazer mais e contribuir através da arte para o desenvolvimento do país. Disse esperar que com o apoio de todos, incluindo seus clientes, consiga atingir esse objectivo: “para mim será um ganho expor meus quadros dentro e fora do país, porque também estarei a contribuir para desenvolver Moçambique, essa terra que me viu nascer. Estou a trabalhar para que isso se torne realidade. Acredito que, com ajuda de todos, serei capaz de um dia elevar bem alto o nome de Moçambique além-fronteiras", sublinhou.

Outro desejo de Nike é ter casa melhorada e com condições mínima para receber os seus clientes e amigos. Deseja igualmente ter um espaço onde poderá pintar seus quadros e vendê-los numa galeria.

" Estou a viver muito mal. Peço ajuda para mudar a imagem da casa onde vivo. Penso que o Governo pode ajudar-me", disse o jovem que deseja ter um espaço fixo para exibir a sua arte e um dia voltar a escola e formar-se em artes plásticas.

Nike deixou de estudar na sétima classe. Frequentou o ensino primário com ajuda duma organização não governamental. Concluindo os estudos, ele pretende encontrar um emprego seguro que possa ajudá-lo a sustentar a família.

Mesmo com deficiência

ajuda-nos bastante  

– Bernardo Francisco, padrasto de Nike

Em conversa com a nossa Reportagem, o padrasto de Nike, Bernardo Francisco, disse que, apesar da deficiência do artista, ele traz alguma coisa que ajudar a sustentar a família . “Quando vende alguns quadros compra comida e alguns electrodomésticos. Mas isso não é grande coisa porque as suas obras são compradas a um preço muito baixo”.

E salienta: “ o que pretendo como pai é vê-lo a beneficiar de ajuda, porque mostra vontade de crescer. Muita gente leva quadros e não paga, o que tem complicado a sua actividade. Quando vende compra alguma coisa para casa. Recordo-me que quando fez a última venda comprou electrodomésticos para casa”, disse o padrasto

Domingos Boaventura

 

mingoboav@gmail.com

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