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O dia-a-dia do ardina mascarado

Por admin

As melhores preciosidades costumam estar à vista. Será? Nunca se sabe. A verdade é que Elton Chirindza esconde a sua debaixo de um tecido alvo, já lá vão alguns anos. Tal relíquia não é nada mais nem nada menos do que… o seu rosto.

 

A sua cara é mantida a sete chaves, ao cimo de um pedestal, em plena Estrada Nacional Número Quatro onde, dia após dia, ganha a vida vendendo jornais.

De corpo franzino distribuído por pouco mais de 1 metro e 60, passos curtos, porém vigorosos, Elton destaca-se na sua faina e conquista a atenção dos automobilistas que transitam, às primeiras horas do dia, naquela agitada via pública, não fosse o pano branco devidamente amarrado na sua nuca, que cobre cerca de 70 por cento do seu rosto.

A verdade é que somente se tem conhecimento de que tudo vai bem com o distinto ardina, através do seu olhar e andar, ao desenvolver a sua actividade a cada dia.

Três a quatro anos”, afirma, este é o tempo que tem de estrada trabalhando preferencialmente no mesmo ponto, a poucos metros da capela do Hospital Geral José Macamo.

Órfão de pais, o jovem de 24 anos, residente em Maputo, revela-se um cidadão de mérito elevado, pois se faz à estrada, antes de o sol raiar, para garantir o pão à mesa da sua família: três irmãos mais novos.

A sua vida é sofrida, porém digna, não obstante uma nota negativa que brevemente será rectificada, como ele próprio garantiu: “estudei apenas até à 6.ª classe. Parei porque tinha de trabalhar”. Sim, este pequeno homem agiganta-se na sua história de vida, ao declarar que assumiu um lar, numa altura em que devia cultivar o seu intelecto, formando-se, para garantir um futuro melhor. Mas, como sói dizer-se, nunca é tarde: “no próximo ano penso em voltar à escola, sinto que preciso me formar”.

Por enquanto, Elton rebola com orgulho por três mil meticais de lucro que consegue amealhar a cada mês. “Com este valor compro comida e pago algumas contas da casa”.

Mas um dia, as coisas vão mudar. Bons ventos virão, conforme anuncia: “Vou mudar de actividade”, e as vontades estão incluídas nessa mesma leva: “no meu futuro emprego, vou trabalhar de fato completo e gravata…”.

Pois é, nada de máscara, gorro e luvas, até porque haverá que descansar das bocas dos demais.

CHAMAM-LHE ANTONINHO MAENGANE…

Centrados no actual visual de Elton Chirindza, o nosso ardina mascarado, registámos uma justificação um tanto ou quanto plausível para a adopção da máscara, do gorro e das luvas: “coloco estes acessórios para me proteger de poeira e doenças…”. Destaque-se que o pano que lhe vai ao rosto é sempre branco, pois, “é mais espiritual”. Desta forma, considera, “o negócio corre bem, sem percalços”.

A bendita protecção começa de casa, antes de colocar o pé na rua, sendo que ao longo do caminho não a tira por nada deste mundo.

Comichões à parte, afirma que já está mais do que habituado, incluindo aos ataques dos curiosos que questionam o porquê do acessório. Alguns colegas de labuta chamam-no maldosamente de boko haram, mesmo assim, isso não abre espaço para desapontamento, para dor. “Levo na brincadeira, não fico chateado. O mais importante é que gosto de me apresentar deste modo para trabalhar”.

Outros colegas mais generosos, diga-se em abono da verdade, apelidam-no de Antoninho Maengane.

Num bate-papo rápido com Paulo Chioze, também ardina, domingo satisfaz algumas dúvidas, ao mesmo tempo que colhe mais informação sobre o jovem misterioso. No início, achávamos que ele escondesse algo, mas com o passar do tempo descobrimos que estávamos enganados. É uma pessoa normal, tem inclusive uma namoradinha, uma moça mulatinha”, diz aos risos. Entretanto, a marcaidentificadora adoptada por Elton levou a uma comparação com o músico António Marcos, conhecido como Antoninho Maengane, “por causa das luvas e do pano branco”. E mais: à semelhança do artista musical, o ardina faz muito sucesso na sua labuta: “ele tem muitos clientes, as pessoas simpatizam com a sua forma de se apresentar vendendo jornais. Não fica mais de duas horas no seu ponto”, revela.

TENTARAM

ARRANCAR-ME A MÁSCARA

A identidade profissional de Elton é respeitada por um número considerável de transeuntes e automobilistas. Contudo, é preciso lembrar que não existe bela semsenão. Se não vejamos: “várias vezes tentaram arrancar-me a máscara, tive de lutar para que não conseguissem”. É que, para o seu orgulho: “a máscara é minha marca e é assim como gosto de trabalhar”.

Apaziguando, desta feita, o seu discurso, afirma que se trata “do meu charme…”, de um acessório que garante que o negócio não entre em bancarrota.

Animados com a sua prédica, exigimos a descrição do seu rosto, o que não tardou a ser feito: “sou bonito. Furei o nariz e coloquei um brinquinho; tenho lábios cor-de-rosa, até porque não bebo e nem fumo”.

Ao que tudo indica, é verdade. Pelo menos foi a garantia dada por Eduardo Mondlane, igualmente ardina. “Eu já o encontrei sem máscara. Tem uma cara sem defeito. É bonito”.

De curiosidade espevitada e tanto, domingoensaiou uma tentativa de contemplar o misterioso tesouro guardado a sete chaves. “Podemos ver o teu rosto, Elton?”. Outro dia!”, disparou, desligando-se de nós. 

Texto de Carol Banze
Fotos de Inácio Pereira

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